Biografia

O Sonho

Por Adonis Alonso
Muzambinho não trocava Hélio Ribeiro pelos programas de sua rádio. Então Milton Neves decidiu: um dia ainda vou trabalhar lá.


1969: FESTA DE FORMATURA, MESTRE DE CERIMÔNIA

De improviso, a rádio ia funcionando. Baseando no "Estadão", Milton ia dando o noticiário, sujeito a erros e atrasos, já que o jornal às vezes só chegava à noite em Muzambinho Ele lembra até hoje do maior "escorregão" que deu na Continental, quando lendo uma chamada de primeira página do "Estadão" completou: "mais detalhes na página 4".

Conhecido na cidade, ainda assim enfrentava a resistência daqueles que não acreditavam na rádio local. Um deles era o seu hoje sogro, Hélio Magnoni, o Bibi, dono do Bar Pingüim, ao lado da emissora. Ali Milton fazia suas refeições rápidas, no intervalo dos programas.

Numa tarde de 67, entrou no Pingüim onde o sogro ouvia Hélio Ribeiro e seu "Poder da Mensagem". Encontrou o amigo Alencar que elogiou seu trabalho e sugeriu não empostar a voz. Foi o primeiro sábio conselho que recebeu em sua carreira.

O sogro, porém, desdenhou, dizendo que não ouvia "aquela rádio de bosta" de Muzambinho e jamais a trocaria pela Bandeirantes e seus locutores famosos. Milton também os tinha como seus ídolos e, seguro, disse a Bibi: " um dia vou trabalhar na Bandeirantes".

"O noticiário a gente pegava no Estadão que chegava na Jardineira pelo Expresso Caconde. Quando chovia, a Jardineira de Caconde atrasava, e o noticiário só entrava à noite."

Quando conseguiu parar de rir, muitos minutos depois, Bibi disse que só se fosse para limpar a privada. Várias vezes, Milton Neves só não trocou a Jovem Pan pela Bandeirantes porque "Deus não quis".

Seria a maior transação de profissionais da área esportiva, entre emissoras, sem envolver um narrador. Até então, contratações milionárias só haviam ocorrido com relação a narradores, comentaristas e eventualmente repórteres.

Nessa época, o garoto Milton Neves já havia se decidido a seguir a carreira. Apesar de bom aluno do curso científico, o professor Roberto Bianchi, de Química, alertava a tia Antônia de que Milton já não se concentrava mais nas aulas. À tia, Milton comunicou então sua decisão.
A fama na cidade ia crescendo.

FILHOS FAMOSOS DE MUZAMBINHO SE ENCONTRAM

Na principal gincana de Muzambinho daquele ano, entre as tradicionais equipes Azul e Vermelho, Milton Neves assumiu o comando da primeira. A disputa se dava através de várias provas, inclusive uma direta entre locutores, valendo 50 pontos contra 10 pontos para outras modalidades. No mesmo esquema de "cidade contra cidade" do Sílvio Santos (que mais tarde seria da Globo SP).

A equipe Vermelha levou Wellington Oliveira para enfrentar Milton Neves. Ambos eram locutores da Continental e a rixa se transferiu para a gincana.

"Quando eu disse que ainda ia trabalhar na Bandeirantes o Bibi, hoje o meu sogro, só conseguiu parar de rir muitos minutos depois."

Competição com 80 anos de tradição na cidade, a gincana lotou a sala do cinema para a disputa de locutores, quando o placar indicava 5 a 5. Milton venceu Wellington na leitura de texto recortado na hora do jornal, e teve, segundo ele, a maior alegria da sua vida ao microfone.

A carreira ganhou força, a tia foi se acostumando com a idéia de ter o sobrinho radialista. Nessa altura ele já transmitia a corrida de São Silvestre de Muzambinho, acompanhando os atletas de dentro do velho DKW Vemag, dirigido por Walter Cipriani Jr., filho do diretor do colégio da cidade.


O PULO DO JOÃO

O sargento João Carlos de Oliveira tornou-se amigo de Milton Neves muito antes de bater o recorde de salto triplo nos jogos Pan Americanos do México, em 75. A simpatia mutua, entretanto, foi o suficiente para o locutor sonhar em fazer o primeiro desfile do campeão em solo brasileiro, na cidade de Muzambinho. Dito e feito, carro de bombeiros encomendado, Milton Neves foi pedir autorização ao comandante do GG do Glicério, coronel Renó.

Autorização concedida, uma única recomendação: João do Pulo não podia nem pensar em comer carne de porco. Após o desfile em carro aberto pelas ruas de Muzambinho, com entusiasmo e aplausos de grande parte da população. Milton e João foram almoçar na Escola Agrícola, cardápio: arroz, feijão e bisteca de porco. João do Pulo comeu, repetiu e o coronel Renó nunca ficou sabendo. Nome do cozinheiro: Glênio José Rondinelli primo do zagueiro Rondinelli, "o Deus da raça" ex-Flamengo do Rio.