Biografia

A Estreia

Por Adonis Alonso
O Santos ganhou de dois a zero sem torcida. Só Milton Neves vibrou com o Gol de Pelé que furou a rede e enganou todo mundo, menos ele.



Melhor time da década de 60, o Santos nunca tivera nas arquibancadas um de seus torcedores mais fanáticos. A chance apareceu em 65, segundo turno do Campeonato Paulista. Moisés, comerciante de Muzambinho, organizou uma excursão da cidade para assistir à uma apresentação do Santos em Ribeirão Preto, a menos de 150 quilômetros de distância.

Tia Antônia não queria deixar, mas diante da insistência de Moisés e Amintas, sensibilizados com a vontade do garoto, acabou cedendo. E assim Milton Neves, aos 14 anos, preparou-se para assistir seu primeiro jogo de futebol profissional ao vivo. Lotada com dez muzambinhenses, que dividiram o dinheiro da gasolina e separaram o do ingresso, lá foi a Kombi às 8 horas da manhã de um ensolarado domingo para a estrada. Milton Neves não consegue esquecer esta aventura. Tudo para ele era a primeira vez.

Nunca havia saído de Muzambinho para ir tão longe. Jamais havia comido em um restaurante. Pela primeira vez experimentou palmito, nunca tinha tomado um suco com gelo picado. Era um verdadeiro "tucura", como ele mesmo define. Pediu licença, justificou a fome aos amigos e comeu um espeto inteiro.

Às duas da tarde chegaram à porta do novíssimo Estádio Palma Travassos, em Ribeirão Preto. E para quem só havia freqüentado o campo de Muzambinho, o estádio do Comercial, com capacidade para cerca de 20 mil pessoas, era um "monstro".

"O Edu tinha quase a minha idade, 15 anos, e acabou com o zagueiro Esmeraldo, que suspenso jogou na preliminar. Driblava sem parar, o jogo inteiro."

Milton não fazia idéia do número de pessoas que lá estavam para assistir àquele Santos e Comercial, mas na sua cabeça inexperiente fez as contas e concluiu: tinha um milhão de pessoas dentro e outro milhão fora .

No meio de tanta gente, Milton ainda conseguiu se perder enquanto cada um ia se ajeitando para cada lado. Assustado, encostou na Kombi e já havia decidido ficar ali até o jogo acabar, sem mesmo assistí-lo, quando apareceu o amigo "Biga" que o levou para dentro do Estádio. Até hoje ele não contou aos amigos que estava ali assustado, perdido. Sentado na arquibancada, a primeira alegria: num vão dos degraus viu Rosã, o grande Rosã, goleiro do Comercial que também jogou na Ferroviária, Santos e Palmeiras. "Meu Deus", exclamou o garoto Milton Neves, sem acreditar que aqueles ídolos que via na televisão e imaginava enormes, eram homens comuns, como ele.

Antes do jogo principal, assistiu à partida preliminar e pela primeira vez ouviu falar de um jogador que cinco anos depois seria tricampeão mundial quase sem jogar: Edu, ponta-esquerda do Santos, um garoto como ele, na época com 15 anos de idade. Edu acabou com a preliminar driblando sem parar o zagueiro Esmeraldo, que suspenso jogava naquele dia no time de baixo. No ano seguinte seria um dos 22 de Feola na Copa da Inglaterra.

"Pra mim, o estádio do Comercial era um monstro. A impressão era que tinha um milhão de pessoas dentro e outro milhão do lado de fora."

O Comercial tinha um grande time na época. Milton sabia de cor: Rosã, Ferreira, Jorge, Piter e Nonô; Hélio Giglioli, Jair Bala e Amauri; Luiz, Paulo Bim e Carlos Cesar. O técnico era Alfredinho Sampaio.
Mas ninguém era páreo para o Santos de Lula, escalado com Gilmar, Carlos Alberto, Mauro, Orlando e Geraldino; Joel e Lima. Dorval, Toninho, Pelé e Pepe.

LUZES, CÂMERA, MULTIDÃO

Não é muito fácil conseguir um espaço na agenda do empresário Edson Arantes do Nascimento para gravar um comercial se o cachê não estiver à altura do prestígio de Pelé.

Um empreendimento imobiliário em São Vicente, porém, conseguiu sensibilizar o rei do futebol. Afinal, sua ligação com a baixada santista representa a maior parte de sua vida e seu sucesso. Foi assim que ele concordou em gravar um comercial tendo pela primeira vez um companheiro: o admirador, fã e amigo Milton Neves. Adiado por três dias consecutivos em virtude de chuvas, o comercial foi enfim produzido debaixo de água mesmo, já que Pelé tinha viagem marcada. Milton conta que quando ele e Pelé começaram a correr na deserta praia do Gonzaguinha, às 11 horas de uma manhã cinzenta, foi como se um botão mágico tivesse sido apertado. Em minutos, uma multidão calculada em mais de dez mil pessoas começou a se espremer na calçada para reverenciar sua majestade, o rei do futebol, mesmo que muitos anos depois dele ter abandonado sua carreira. No meio da multidão um garoto com uniforme da Telesp, gritou: "Ô Milton Neves: quem é esse negão aí do seu lado ?". Portanto perdi do Pelé só por 9.999 a 1.