Biografia

O Plantão

Por Adonis Alonso
Faustão recusou o plantão porque não cabia na cadeira. E lá foi Milton fazer sua estréia no estúdio. Já se vão mais de 30 anos.


Já em julho de 1972, no Detran, Milton Neves conheceu muita gente famosa. Jogadores de futebol como Toninho Guerreiro, César Maluco e Leivinha freqüentavam a sala de Imprensa para pedir orientação aos amigos jornalistas, sobre lacração de seus carrões. Roberto Carlos, conduzido por Franz Neto, "o abelhudo Cofap Bandeirantes" fazia seus exames médicos na sala dos diretores Nerval Ferreira Braga Filho e Walter Suppo de Morais Machado para renovação da C.N.H., então de 4 em 4 anos.
Além deles, cronistas esportivos também apareciam por lá. E Milton foi fazendo amizade com Orlando Duarte, Osmar Santos, J. Háwilla. Tremia cada vez que ficava a frente com um figurão. Pôde, enfim, conhecer pessoalmente seu ídolo, Fiori Gigliotti.

OSMAR SANTOS: CONVITE PARA O PLANTÃO DE ESPORTES


Numa dessas visitas, ao comprar um Corcel vinho, Osmar Santos, chefe de esportes da Pan, reconheceu a voz do repórter de trânsito e o convidou para fazer o Plantão Esportivo, atividade pioneira no rádio, criada por Narciso Vernizzi.
Até então o Plantão funcionava em rodízio. Aos sábados revezavam-se Milton Parron, Aluani Neto e Fausto Silva. Faustão foi o primeiro a dar o grito de independência: não faria mais plantão "porque não cabia na cadeira"

"O Osmar Santos me convidou para fazer o Plantão. Ninguém queria, e os locutores faziam rodízio para se livrar daquela bomba."


Em 73, contra a vontade de Narciso Vernizzi, que queria o filho Celso no Plantão, Milton estreou. Tremendo, assumiu o microfone e passou algumas horas no comando. "Você é bom", disse Fernando Vieira de Melo. João Zanforlin, então Plantão da Rádio Bandeirantes, elogiou o trabalho. Milton foi aperfeiçoando. Não utilizava mais texto, falava de improviso, contava histórias, fazia entrevistas.

Em 74 já era o titular absoluto do Plantão Esportivo da Pan, com a aposentadoria de Narciso Vernizzi. Mas ainda cuidava do noticiário do trânsito de manhã. Sofria com os plantões noturnos após o futebol, principalmente quando o São Paulo ganhava, e Estevan Sangirardi esticava o Show de Rádio até as duas da madrugada.

"Quando o São Paulo ganhava, o Show de Rádio não acabava mais. Eu tinha raiva do São Paulo. Torcia para ele perder e ferrar o Sangirard."

Numa dessas esticadas, Milton arrebentou seu primeiro carro, uma Brasília Azul, placa EO 2222, financiada. Saiu da rádio às duas e meia e às seis e meia da manhã já deveria estar de volta. O sono fez com que a Brasília ficasse no meio da rua, acabada na 23 de Maio. Morava de aluguel na rua Topázio, Aclimação.

TONINHO E CÉSAR: AMIGOS DE DETRAN

Milton chegou até a ficar com raiva do São Paulo F. C. Torcia para ele perder e o Show de Rádio acabar mais cedo. Mas jamais esqueceu, com carinho, o texto final de Sangirardi a cada programa: "estivemos aqui com Odair Batista,Weber Laganá, Carlos Roberto Escova, Nelson Tatá Alexandre, Lua, Carlinhos Ferrão, Ivan de Oliveira, Serginho Leite e João Kleber. E agora, Estevam Bourroul Sangirardi passa a pelota para Plantão Esportivo Permanente, porque Milton Neves tem a notícia que o senhor deseja ouvir. Deixa cair MUZAMBA".

José Nêumane, consagrado jornalista do jornal "O Estado de S.Paulo", foi um dos primeiros a perceber que a autoridade de Milton Neves e seu sotaque caipira iriam agradar aos ouvintes. Hoje, muito locutor deixou de "representar" e assumiu suas origens do Interior.

COM SUA LICENÇA

Mesmo bicampeão do mundo, o grande Santos da década de 60 acompanhava o ritmo do futebol brasileiro. Dia de jogo em Piracicaba, em 1964, contra o XV de Novembro local, no velho Estádio Roberto Gomes Pedrosa. Como de costume os jogadores se reúnem pela manhã, na frente do Estádio Urbano Caldeira, Vila Belmiro. Também como de costume, cinco ou seis taxis disputam a primazia de levar a delegação para o interior. Duas horas e meia depois, jogadores, técnico e massagista já estão instalados em uma pensão-hotel de Piracicaba, esperando o almoço e a hora do jogo. Duas da tarde e os jogadores se reunem na porta da pensão-hotel para se dirigirem ao estádio da cidade.

Luiz Alonso Peres, o Lula, técnico do time, começa a conferir cada atleta. Todos eles já estão vestidos com o único uniforme da equipe. Os 11 titulares mais o Laércio, o goleiro reserva. Faltou Haroldo, quarto-zagueiro da equipe. Ninguém sabia dele, até que Lula exigiu saber qual o número de seu quarto. Era o 602. Ao lado do ponta Pepe, companheiro de quarto do "Sombra", subiu as escadas carregando seu imenso corpanzil, parou na porta, abriu devagarinho e constatou a cena que imaginara: Haroldo grudado na camareira.

Em pé, camisa acima do peito, sunga preta e calção branco na canela. E de chuteiras amarradas na barriga do pé. Pé ante pé Lula aproximou-se pelas costas do jogador, bateu em seu ombro e falou baixinho: "pode continuar, eu só quero a camisa", enquanto retirava cautelosamente a camisa número 6, sem atrapalhar o momento e o movimento de vai e vem, para poder entregá-la ao reserva Oberdã Vilain. No jogo, o XV fez 1 a 0, porém o Santos virou e goleou. Coutinho e Pescuma foram expulsos nesse jogo. Haroldo nunca mais vestiu a camisa 6. Foi vendido ao próprio XV.