Foto: Marcos Júnior Micheletti/Portal TT

Foto: Marcos Júnior Micheletti/Portal TT

Por Airton Gontow

“Somente três coisas param no ar: beija-flor, helicóptero e Dadá Maravilha”, dizia o folclórico jogador das décadas de 70 e 80, campeão brasileiro no Atlético Mineiro (71) e Internacional (76), e tricampeão mundial na Copa de 70, ainda que no México não tenha entrado em campo. Quarto maior artilheiro da história do País, com 926 gols, encontrou uma explicação inusitada para seu estilo tosco, de pouca intimidade com a bola, mas de muitos gols marcados: “não existe gol feio; feio é não fazer o gol”.

Ricardo Boechat, 66 anos, brasileiro, carioca da gema nascido em Buenos Aires quando seu pai, diplomata, trabalhava na Argentina, estava diariamente no ar, seja no rádio, veículo que descobriu “tarde”, seja na televisão. E podemos dizer que também parava no ar: tinha total domínio do microfone. Falava “horas e horas”, mantendo o ouvinte permanentemente atento, como se o tempo não passasse.

Tento em vão imaginar o que passou pela cabeça do jornalista nos últimos instantes da sua vida. Terá pensado na esposa Veruska, a “Doce Veruska”, como a chamava carinhosamente, e nos seis filhos: Beatriz (40 anos), Rafael (38), Paula (36) e Patrícia (28), do primeiro casamento, com Claudia Costa de Andrade; Valentina (12) e Catarina (10)? Terá lembrado da sua mãezinha Mercedez, que viverá a dor incomensurável, que inverte todas as lógicas, de enterrar um filho? Terá rezado? Entrado em pânico? Mantido a calma e conversado com o piloto Ronaldo Quatrucci, dono da empresa RQ Serviços Aéreos Especializados Ltda, proprietária do helicóptero, 56 anos, que deixa a esposa e dois filhos? (Infelizmente não sei ainda os nomes para citá-lo aqui.) Terá ficado atento, observando cada detalhe para lembrar de tudo e, caso se salvasse, contar tudo aos ouvintes da rádio BandNews FM, leitores telespectadores da TV Bandeirantes e leitores da revista “IstoÉ” e de suas Redes Sociais?

Não tive a honra de conhecer Boechat pessoalmente. Mas como jornalista que somos, abandono a especulação e digo que gostaria muito de poder contar a ele não o que imagino, mas o que sei e vi, os fatos que aconteceram após a sua morte.

- No início da tarde, Datena informou, aos prantos, na TV Bandeirantes que tu tinhas morrido em um terrível acidente. Durante todo o dia, colegas que trabalharam contigo falaram de ti com admiração e destacaram teu talento de vencedor de três prêmios Esso (1989, 1992 e 2001) e diversos Comunique-se (18 troféus, único jornalista a ganhar em quatro categorias diferentes: Âncora de Rádio, Âncora de TV, Colunista de Notícia e Nacional de Mídia Falada), importância, generosidade e até bom humor por trás do estilo ácido e duro.

“Tive a honra de trabalhar com Boechat durante quase nove anos na Band. A consternação é imensa. Era uma figura ímpar, multifacetada. Sua morte abre um imenso vácuo no jornalismo brasileiro, do qual ele foi dos melhores ou o melhor representante. Era completo, rigoroso com a qualidade da notícia e nas amizades que tinha. O Boechat iluminava a redação quando chegava”, disse Boris Casoy em diversos depoimentos. “Descanse em paz, meu companheiro de todas as manhãs, colega genial. O maior jornalista desse país partiu hoje e deixa um vazio grande demais na alma do jornalismo, da TV e do rádio”, escreveu no Instagram Milton Neves, o “Pitonista”, como o chamavas, que destacou ainda que habitavam em ti a crítica dura e o constante bom humor. José Simão, que todas as manhãs na BandNews FM, em inusitada parceria contigo, levava os ouvintes chorarem de rir, fez com que chorássemos de tristeza ao escancarar a dor pela tua partida. "O Boechat era um vulcão. Tinha pensamento próprio, independência, falava o que estava na cabeça. Era um vulcão em erupção, com lava para todo lado. Era o que ele imaginava, o que ele sentia na hora. Se você quiser dizer `apartidário´, ele é um exemplo. Ele era um justo. E muito engraçado, muito", falou Simão no “Brasil Urgente”, da TV Bandeirantes. “O que mais me dói é não poder mais falar com ele pelas manhãs”, acrescentou chorando.

Assim como acontece no futebol, quando torcidas rivais se unem para chorar diante de uma tragédia, as principais emissoras de rádio e de televisão passaram horas falando sobre o acidente e principalmente sobre tua grande e notável carreira. O “Jornal Nacional” fez duas matérias enormes, no início e final do programa, destacando tua trajetória e importância para o Jornalismo. Ao final, tua foto ilustrou no estúdio e redação a falta que farás. “Boechat foi um colecionador de prêmios e um colecionador de amigos. Todos nós temos hoje uma tristeza avassaladora com a perda dele não só porque esse cara tão legal foi embora, mas porque esse cara tão legal e tão importante vai fazer uma falta enorme nesse momento tão delicado de desafiador do Jornalismo no Brasil”, disse William Bonner.

Aliás, se podemos ver algum sentido em mais esse momento duro, triste e sem sentido, é relevante que os Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – tenham destacado através de ti a importância do Jornalismo e da liberdade de imprensa, tão atacados nos últimos tempos em nosso Brasil. O presidente Jair Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria; o prefeito de São Paulo, Bruno Covas; os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia; o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli; e a procuradora geral da República, Raquel Dodge; entre tantos outros nomes, enalteceram teu brilhantismo, paixão pela informação e opiniões contundentes mas respeitosas à diversidade de opiniões e ideias, como verdadeiro democrata que sempre foste.

Como teu ouvinte de muitas manhãs, sempre marcou-me que a dureza do cotidiano e do jornalismo não mudaram a tua percepção e sensibilidade. Nunca deixaste de te indignar com as injustiças, com a impunidade e de cobrar das autoridades a solução para as grandes questões, fossem tragédias que afetam centenas de pessoas ou mesmo aquelas que massacram a vida de um único ouvinte.

Pena que Dadá, campeão da Taça Guanabara, em 73, e do Campeonato Carioca, em 74, com o teu Flamengo, era um “poeta do futebol”, mas não profeta.

Os helicópteros não param sempre no ar.

A realidade é dura.

Infelizmente, estiveste, prezado Ricardo Eugênio Boechat, o dia inteiro no ar, nesse fatídico 11 de fevereiro de 2019, nas emissoras de rádios e tvs de todo País.

E o Brasil parou, para ouvir e lamentar a morte tão prematura de um jornalista que buscou, nos jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão, sempre a dizer a verdade, que defendia com unhas e dentes, paixão, garra, talento e generosidade.

- Não existe verdade feia. Feio é não dizer a verdade.

Airton Gontow é jornalista, cronista e diretor do site de relacionamento Coroa Metade

Últimas do seu time