Sonhos que se acabam. Fotos: UOL

Sonhos que se acabam. Fotos: UOL

18 de dezembro de 2022.
Final da Copa do Mundo no Catar.
É prorrogação.
Apesar de toda a tecnologia há um calor infernal.
Ele lança o companheiro e corre em direção à área.
14 minutos do segundo tempo.
Mais um instante, a decisão vai para os pênaltis.
O cruzamento vem alto.
Ele pensa em cabecear.
Mas à última hora, mata no peito.
Finge que vai chutar.
O goleiro pula para o canto esquerdo. O zagueiro se joga no gramado.
Mas ele para a bola.
E a toca mansamente para o fundo da rede.
Na comemoração, ele não pensa no título.
Enquanto corre pelo perfeito gramado verde do Lusail Iconic Stadium,
ele se vê, de pés descalços, chutando a bola de meia nas ruas tortuosas e cheias de buracos da sua comunidade.
No mesmo instante, surge diante dos seus olhos seu primeiro o gol, o da vitória, marcado no careca campo de várzea do seu primeiro time – logo ele que era o mais novo de todos.
Vê a viagem, com o agente até a cidade grande.
Ao fugir do abraço dos outros jogadores para correr em direção à torcida, recorda do telefonema para os pais.
- Passei. Passei. Fui aprovado.
Na explosão ensurdecedora dos gritos de gol, ele consegue ouvir os gritos de alegria dos pais. O choro de emoção pelo filho que jogará no time grande.
Como ele queria abraçar os pais!
Agora e naquele momento!
Pensa nas vidas duras do pai e da mãe.
Ambos saíam tão cedo de casa!
Ambos voltavam, sempre, desde sempre, tão tarde!
O amor da atitude. O exemplo da garra no trabalho exaustivo e massacrante do cotidiano.
Vê o rosto de cada um dos irmãos.
Em meio ao calor abrasivo do Catar, enquanto o restante da equipe se joga sobre ele para festejar o título,
ele tem a refrescante sensação de que poderá cada vez mais
ajudar a família.
Lembra da estreia no time.
O primeiro gol no profissional.
A convocação para a Seleção de Base.
A primeira partida, a mesma do primeiro gol, pela Seleção principal.
A contusão que quase o afasta do futebol.
Fica emocionado ao lembrar da festa, desta vez sim, junto à sua família, pela convocação para a Copa do Mundo.
Ele nem se incomoda com o calor que é cada vez mais sufocante.
Ele se vê finalmente em paz e protegido.
Pelos gritos da torcida.
Pelo abraço dos companheiros.
No útero da mãe.
No ninho.
Onde nascem e morrem os sonhos do que fomos e do que poderíamos ter sido.

Airton Gontow é jornalista, cronista e diretor do site de relacionamento Coroa Metade

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