Tragédia de Santa Catarina

A destruição do Vale Europeu
Paula Vares Valentim
jornalista responsável
Números oficiais apontam que mais de 1,5 milhões de pessoas foram afetadas em novembro de 2008 durante as chuvas de Santa Catarina. De acordo com o balanço da Defesa Civil, 135 pessoas morreram, 2 ficaram desaparecidas, 5619 desabrigadas e outras 9390 tiveram de sair de suas casas momentaneamente. Blumenau foi a cidade mais afetada. O Estado de Calamidade Pública foi declarado, também, em outras treze cidades. Tragédia acompanhada de perto por Chico Santo. "Talvez eu tenha sido o único repórter do eixo Rio-São Paulo a viver todo o período de destruição e caos do Vale Europeu. Por acaso, eu estava em Blumenau exatamente no fim de semana que antecedeu a tragédia. De lá segui para Tenente Portela, na fronteira com o Rio Grande do Sul. Estava descansando na casa da minha família quando o rio Itajaí-Açu transbordou. De cara pensei, vem trabalho dos grandes por aí?. Mais uma vez o telefone voltou a tocar na redação. "Liguei e disse para a Liana: estou aqui perto. Interessa?? A resposta foi "manda?. Como sempre, era tudo o que o repórter mais queria ouvir. "Não havia ônibus nas estradas. As rodovias estavam intransitáveis. Ninguém se aventurava a entrar no Vale Europeu. O máximo que consegui, pelos trâmites normais, foi chegar em Chapecó (SC). De lá, não tive outra opção além de abrir a carteira, em companhia de outras 3 pessoas, e seguir de táxi. Foram R$ 400,00 pra cada." Naquela noite, houve a explosão do Morro do Baú. "Foi uma madrugada estranha. Clima pesado. Ninguém sabia o que estava acontecendo em Ilhota. Não dava para prever nada. Entrevistei, depois, os sobreviventes do Baú. Os moradores pensavam que o mundo estava acabando. Surgiram aquelas histórias bíblicas de que o dia ficaria escuro e a noite se tornaria clara. Conheci o pai de uma modelo que ficou presa na lama da cintura para baixo. Esse senhor, marceneiro, construiu os caixões de toda a família e sepultou os corpos. Perdeu todo mundo. Eu estava dentro do taxi, a caminho de Blumenau, no momento em que a tragédia começou.?
Chico Santo foi o primeiro enviado especial a pisar no Vale Europeu. "Na segunda-feira, quando todos os principais jornais buscavam informações sobre o problema, o Terra estampava na capa, com as minhas fotos e o meu texto, o cenário de uma cidade devastada pela chuva. Blumenau estava irreconhecível. Carros virados, calcadas destruídas, casas trincadas, shopping fechado. Faltava água, não tinha comida e havia muitos desaparecidos. Até hoje, o número de mortos divulgado pela Defesa Civil, na minha opinião, não bate com o que aconteceu. E olha que de tragédia eu entendo um poquinho, apesar de ser péssimo em matemática.?
Foram mais de 40 dias de intenso trabalho. "Fiquei alojado juntos com os desabrigados, na Igreja São Paulo, no centro de Blumenau. Durante o dia, viajava de moto pela região e visitava outras cidades, como Gaspar e Ilhota. O fato de ter me sediado junto aos flagelados me rendeu vários furos. Em um deles, quando um homem encontrou uma quantidade alta de dinheiro em um casaco de donativo, entrei em contato com o William Bonner e disse que já havia dado a matéria, mas que aquele tipo de assunto tinha que ser repercutido no principal telejornal do Brasil. Dois dias depois, o Jornal Nacional deu a mesma matéria. Tudo porque o bom repórter tem que saber se posicionar. Mais ou menos como o Romário fazia na pequena área."
Arrojado, Chico Santo tornou-se também o único repórter da imprensa brasileira a participar do voo de reconhecimento das áreas afetadas ao lado do então governador Luiz Henrique da Silveira e o primeiro jornalista a pisar no Alto do Baú. "Aquilo tudo parecia um campo de guerra. Era possível chegar no local de helicóptero. Só não dava para descer. As autoridades não permitiam porque a área havia se transformado em um grande atoleiro, tipo areia movediça. Imagine que casas, caminhões, prédios e pequenas empresas estavam soterradas? Então, quando você pisava, havia o sério risco de você não parar de afundar. Consegui entrar no Alto do Baú com um comboio de moradores que evidentemente conheciam o local. Foi extremamente arriscado. Eles queriam salvar o que tinha sobrado. Eu, por minha vez, desejava mostrar ao Brasil o que ? de fato ? havia acontecido no Baú. Quando chegamos lá, infelizmente, não havia nada a ser retirado. O Alto do Baú, uma espécie de "vilarejo?, simplesmente, tinha desaparecido do mapa. Estava soterrado, sabe-se lá quantos metros abaixo dos nossos pés.?
Durante o trabalho de bastidores, o jornalista internacional reencontrou um velho conhecido, tido por ele como um dos mestres do jornalismo brasileiro. "Lembro-me de ter visto o Caco Barcellos com a equipe do Profissão Repórter na coletiva do  Lula. Eu estava completamente sujo, cheio de barro no corpo. Basta dizer que estava em Itajaí, horas antes do desembarque do presidente e, quando recebi por e-mail a confirmação de que o Lula estaria em Navegantes com sua comitiva naquele dia, saí correndo pelas ruas com um cartaz em mãos. Consegui espaço no motor de um kombi. Os seguranças do aeroporto, onde foi feito o bate-papo, evidentemente, não queriam me deixar entrar. Pensavam que eu era um dos desabrigados. Só tive acesso porque conhecia muita gente. Aí, diante dos meus documentos, finalmente, consegui provar que era repórter. O engraçado de tudo isso era que exatamente dois meses antes eu tinha entrevistado o Caco Barcellos para o Bom Dia Tocantins, maquiado e de terno e gravata. Ele nem sabia que eu tinha trocado o núcleo Globo de Televisão pelo Terra. Quando me viu, deu um largo sorriso e disse que eu precisava de férias... É sempre bom encontrar o Caco. A gente tem se esbarrado muito pelo mundo. Isso significa que tenho seguido bem os seus passos."
Concentrado em seu trabalho, o enviado especial do Terra, só parou para refletir sobre tudo o que havia presenciado ao fim da cobertura. "O que vivi naqueles dois meses jamais será esquecido. Pra ser sincero, sempre que estou nesse tipo de situação, procuro não me envolver como pessoa. Faço o meu trabalho como jornalista. Ouço músicas alegres e com letras fortes. Nada de drama. Se eu parar para tentar entender a dor de um cara que construiu os caixões e enterrou os corpos da mulher, irmãos e filhos, eu simplesmente vou guardar a caneta no bolso e chorar. Nessas horas, não tem jeito, tem que ser frio. Só fui compreender tudo o que havia registrado em fotos e depoimentos quando estava dentro do avião, voltando pra São Paulo. Chorei compulsivamente. Uma das comissárias de bordo me abraçou. Quem estava do meu lado também se emocionou. O que aconteceu no Vale de Itajaí, em Santa Catarina, em 2008, foi algo absolutamente terrível. Vivi isso de perto."
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