Terremoto da Itália

L Aquila - 2009
Paula Vares Valentim
jornalista responsável
Foi um tiro no escuro, uma aposta ousada, destemida e incerta que, diante da melhor interpretação da palavra "atitude? se tornou de imediato um atrativo positivo na relação profissional entre Chico Santo e o Terra. "O Terremoto da Itália foi um caso extremamente especial. Acordei pela manhã e quando vi havia acontecido um tremor de grandes proporções no centro da Europa. Tentei falar com a Liana Pithan e não consegui. Não tive dúvidas. Fui para o Aeroporto de Guarulhos e embarquei no primeiro avião que partiu para a Europa, com destino a Madrid, na Espanha. Depois segui para Roma, na Itália, e de ônibus cheguei em L?aquila, menos de 24 horas após o tremor. O Terra só tomou conhecimento de que eu estava na Europa quando desci em Bajaras. Conseqüentemente, somente ao voltar ao Brasil, quase um mês depois, consegui assinar o contrato especial da cobertura do abalo sísmico da Itália. Por esse tipo de coisa passei a ser chamado na redação, em São Paulo, de "sonho de consumo de qualquer editor?. Em 06 de abril de 2009, enquanto o jornalista paulista cruzava o Oceano Atlântico pela primeira vez, sem qualquer tipo de carta de referência migratória, o faro da notícia batia mais forte em seu coração. "Aquele trabalho me colocou em evidência como correspondente internacional. Foi o início, também, de uma longa parceria no exterior, com o histórico Jornal do Brasil, que, além de tudo o que representou durante o combate à ditadura, se tornou depois, na era pós moderna, o primeiro jornal da imprensa brasileira a ter uma página oficial na internet. Se já era fantástico fazer uma cobertura da Europa para o Terra, imagine assinar, também, para o JB. Foi incrível.?
Na correria, entretanto, o repórter cometeu um erro considerado básico para um jornalista acostumado com a estrada. "Eu não tive tempo nem para arrumar a mala, quanto mais para pensar que eu estava trocando o calor tropical por um vale nevado na Itália. Só fui me dar conta disso em L?Aquila, quando vi a neve no chão. Uma repórter da Rai me chamou no canto, tirou a blusa que usava e me deu de presente. Para matar o frio, cheguei a usar 8 camisas sociais, uma em cima da outra.? Em L?Aquila, Chico Santo encontrou uma cidade completamente tomada pelo clima de insegurança. "Todas as casas estavam vazias. O desalento era geral. Uma mistura de tristeza e revolta. Era um pequeno povoado de menos de 100 mil habitantes, dentre os quais 292 estavam mortos. Um número alto demais se for levado em consideração a pequena população da região dos Abruzos. Como em todo lugar do mundo, alguns espertalhões foram ao local para tentar roubar os pertences que tinham sido abandonados nas residências. Como medida de segurança, a polícia decretou Toque de Recolher às 20 horas e colocou os seu carabinieris em vigilância constante e eficaz. Aquilo, sim, me chamou a atenção. Cheguei a ser parado, à noite, umas 10 vezes em menos de meia hora. Felizmente, o meu registro de jornalista internacional, expedido em Genebra, na Suíça, valeu mais do que o meu próprio passaporte.?
Durante os dias em que esteve em L?aquila, no trabalho de cobertura do terremoto da Itália, o correspondente internacional se hospedou, junto com a imprensa estrangeira, em um hotel em estado de ruína. "Frederico II, jamais vou me esquecer de lá. Jack Nicholson teria adorado gravar o Iluminado naquele 5 estrelas, com paredes trincadas, vidros quebrados, pedras desalojadas e tudo aquilo que faz parte de um abalo sísmico. Em outras palavras, era preciso ter alguns parafusos a menos para pagar os 120 euros de diária, se bem que ganhei algumas de graça. O risco de desabamento era muito grande. Mesmo assim, os principais jornalistas da Europa estavam no prédio. Tinha gente da CNN, Rai, BBC, AFP, Reuters, EFE e, claro, do Mega Portal Terra. O único dos grandes que não estava no Frederico II era a TV Globo. Encontrei com a Ilze Scamparini, no cemitério da cidade, e ela me disse: "Soube que você está no Frederico II, você é louco, aquele hotel vai cair. Estamos dormindo no carro. Procure um local mais seguro?. Sinceramente? Me arrependi profundamente de não tê-la ouvido.?
Na noite de 08 de abril de 2009, um novo tremor de 5,3 graus na escala Richter por pouco não o matou. "Hoje tenho, com a Itália, Haiti e Chile, 3 grandes terremotos nas costas. Mas em 2009, em L?aquila, aquele era o primeiro e eu ainda estava me acostumando com a idéia de sentir replicas em intervalos periódicos. Mas eu aprendi uma grande lição. Quando alguém te fala alguma coisa, ainda mais se tratando de uma Ilze Scamparini, você obrigatoriamente tem que escutar. Vacilei em não ter deixado o hotel. Quase morri, junto com os demais jornalistas que estavam hospedados no Frederico II.? A cena, descrita por Chico Santo é impressionante: "Eu me lembro de estar cochilando, no saguão do hotel, ao lado dos funcionários Lorenzo di Nardes e um russo chamado de Yuri. Acordei com a terra tremendo, as paredes pulando, os vidros rachando. Foi algo absolutamente apavorante. Se estivesse no quarto não teria tido tempo para sequer descer. Se bem que só não morremos naquela noite porque, não me pergunte como, a estrutura do prédio suportou um tremor com aquela magnitude. Algo absolutamente incrível. No meio de todo o pavor, corremos, os três, para fora do hotel e ao chegar do outro lado da rua, deu para ver a dimensão do que eu estava vivendo. O prédio parecia uma gelatina se mexendo, de um lado para o outro. Fui o primeiro jornalista do mundo a informar, pelo Terra, que a Itália havia sofrido um novo terremoto.?
O pesadelo real já havia sido presenciado, antes, pelo próprio repórter. "Se você um dia pensa em cobrir um terremoto, é importante saber que durante o primeiro tremor muitos outros acontecerão ao longo de todo o trabalho. São as chamadas réplicas. No início você se assusta, mas depois acaba se acostumando com aquela sensação de flutuar na terra. Esse é o grande perigo. Afinal de contas, uma réplica "pequena? pode se tornar um "grande? terremoto. No próprio Frederico II, vivi várias réplicas, antes do abalo de 5,3 graus na escala Richter. Em uma delas, eu estava no meu apartamento e quando acordei as paredes estavam rachadas. Quando isso acontece, a coisa muda de figura. Você olha para o lado e não sabe se é seguro pisar em determinado lugar. Fica com receio de atravessar o quarto para pegar o notebook. Não sabe se abandona o recinto ou pega seus pertences. Você tem a chance de refletir sobre a morte. É muito mais difícil do que você correr em busca da sobrevivência com o prédio desmoronando. Vivi os dois lados da história.?
Em meio aos trabalhos de apuração jornalística, outro momento também ficou gravado em sua memória. "Eu estava fotografando o centro histórico de L?aquila, projetado pelo imperador Frederico II, em torno de 1230. Um patrimônio mundial da humanidade reduzido a escombro. Evidentemente, a polícia havia isolado a área. Mesmo assim, por minha conta e risco, discretamente, entrei no local, obviamente, sem autorização da polícia. Durante o trabalho ouvi a voz do que poderia ser uma criança pedindo socorro. Aquilo se tornou um grande problema. Primeiro porque eu não poderia deixar uma pessoa morrer sem chamar o resgate. Segundo porque eu sabia que ao entrar em contato com a polícia eu teria que me explicar junto as autoridades italianas, já que eu não estava autorizado a pisar na área. Fiz o que a minha consciência mandou. Liguei para a polícia.?
Cerca de 15 minutos depois, o local estava tomado por médicos e socorristas. "É impressionante o valor de uma vida na Europa. Foi tudo muito rápido. Em pouco tempo, uma mega operação com helicópteros, ambulâncias e até um aparelho capaz de ouvir a respiração de um ser humano entre os escombros, havia sido montada. O problema é que depois que a polícia chegou, a voz que eu tinha escutado no provável soterramento tinha desaparecido. Naquele momento, ninguém encontrou nada. O capitão de polícia me chamou no canto, disse que poderia me deportar pela desobediência em ter entrado em uma área proibida, mas que, pela minha coragem, sobretudo por ter entrado em contato com a polícia, ele iria me dar mais uma chance, desde que eu respeitasse as recomendações de não voltar a pisar em áreas proibidas. No fundo, fiz a minha parte como repórter?. Dois dias depois, dezenas de corpos foram encontrados no local. "Passei a madrugada inteira ao lado da reportagem da CNN de Paris. Quando a equipe de resgate começou a retirada dos corpos, o capitão de polícia se aproximou de mim e me disse com tristeza. "Você estava certo. Nós falhamos. Chegamos tarde demais.? Na seqüência, Chico Santo se encontrou com Silvio Berlusconni. "O premiere italiano compareceu na cerimônia religiosa celebrada pelo Vaticano em L?Aquila. Conversei com ele rapidamente enquanto descia do seu automóvel blindado, na parte reservada à imprensa. Depois fui convidado, de forma nada elegante por parte da sua comitiva, a deixá-lo a sós. Mas só saí depois de registrar o momento.?
O funeral, presidido pelas autoridades de Roma, não escondeu as dimensões da catástrofe. "Nunca vi nada igual. Trezentos caixões colocados lado a lado, no pátio da base militar. As urnas brancas foram destinadas às crianças. O silêncio foi absoluto. Somente, de vez em quanto, se ouvia um grito de choro. Havia um certo controle por parte dos parentes e amigos, combinado com a tradicional frieza do povo europeu e a indiscutível dor do momento.? A cerimônia fúnebre se estendeu por toda a cidade. "Quando o Vaticano abençoou os corpos, uma fila de carros funerários se espalhou por L?aquila. Os rabecões formaram um congestionamento em meio ao cortejo. Pense, estou falando em três centenas de guarda-corpos se movendo em um povoado de menos de 100 mil de habitantes. Simplesmente, muito triste. É a melhor maneira para descrever o que aconteceu em L?aquila?. Ao fim da cobertura, amante indiscutível do mundo, Chico Santo entrou em contato com a redação em São Paulo e estendeu a viagem na Itália por mais algumas semanas. "Pra variar, liguei para a Liana. Queria saber se havia alguma previsão de pauta para os próximos dias. Como eu estava liberado, fiz aquilo que qualquer cara normal faria. Botei a mochila nas costas e saí pela Itália.?
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