Perambulando por aí

Chico Santo, bastidores da Copa do Mundo-2010
Paula Vares Valentim
jornalista responsável

Foram ao todo 63 dias de África. Tempo demais para o que deveria ter sido apenas mais uma cobertura na carreira internacional de Chico Santo. Entretanto, para o jornalista, acostumado com a estrada, o longo período fora de casa poderia ter sido ainda maior. "Estive na África do Sul por duas vezes, em 2009 durante a cobertura da Copa das Confederações e, também, em 2010, na Copa do Mundo. Evidentemente, quanto mais se conhece um país, maior se torna a sensação de que há algo a ser explorado, sobretudo nestas regiões onde os aspectos naturais, bem como as condições sócio culturais, se tornam verdadeiros poços de pautas. Hoje vejo que eu deveria ter emendado os anos de 2009 e 2010, como farei na Rússia, terra do amigo Pedro Basan, nos anos de 2017 e 2018. A idéia é embarcar pelo Terceiro Tempo para Moscou durante a Copa das Confederações e só voltar após a Copa do Mundo. Já estou buscando os investidores que queiram bancar o projeto.? Em 2010, durante os 63 dias que trabalhou como correspondente internacional, Chico Santo esteve mais na estrada do que propriamente no quarto de um hotel. Dentre os trabalhos que mais chamou a atenção no Brasil, o jornalista se recorda da viagem que fez para o Zimbábue de ônibus, saindo de Pretória, em direção as fronteiras do Kruger National Park: "Foram mais de 40 horas de estrada, sentado em um degrau na porta da bumba. Aquilo, sim, foi uma aventura. Até porque não sabia o que iria encontrar em Harare. Foi o local escolhido pela Seleção Brasileira para fazer o penúltimo amistoso antes da estreia na Copa do Mundo. Naquela altura eu já parecia um africano. Lembro de ter levado uma bronca daquelas do Milton Neves. Ele me disse que eu parecia um morto de fome e iria acabar morrendo na África do Sul. Mas, de fato, só fui entender bem onde eu estava me metendo quando o Caco Barcellos, um repórter acostumado com guerras, me pediu para eu ter cuidado, na beira do gramado onde o Brasil enfrentou o Zimbábue: `Chico, isso não é brincadeira, não. Volta para a África do Sul e para de se aventurar por aqui...`. Quando um repórter acostumado a encarar o mundo lhe diz algo assim, então, é porque, definitivamente, você está de cara com a morte.? Exatamente no Zimbábue, Chico Santo viveu o momento mais delicado da cobertura:  "Passei por muitas situações desagradáveis. O continente africano é extremamente perigoso para quem se aventura a viajar por ele sozinho. Em Pretória, na África do Sul, um grupo de 10 homens, mais ou menos, me levou uma carteira recheada da rands e minha máquina fotográfica. Mas, isso não foi nada perto do que tive que enfrentar em Harare, antes da abertura da Copa do Mundo. É que às vezes a gente só se dá conta do perigo quando a emboscada já está feita. Foi exatamente o que aconteceu ao fim da partida entre Brasil e Zimbábue. Como eu não estava no avião da CBF, com os demais colegas da imprensa, tive que passar à noite por lá, para então retornar de ônibus para a África do Sul no dia seguinte. Só que eu não esperava encontrar em 2010 uma capital sem iluminação pública. Estamos falando de um país onde não há luz nas ruas à noite. Aquilo tudo mexeu comigo porque eu simplesmente não sabia o que fazer. A princípio, segui em direção à rodoviária, mas no meio do caminho um guarda percebeu que eu era de fora e me disse: `Você está louco cara? O que faz aqui? Você não pode andar sozinho por aqui. Vai morrer!`. O cara era de uma família de indianos e me levou para dormir na casa dos seus pais, uma mansão em Harare. Aquilo, para mim, foi Deus.?

A aventura não parou por aí. De volta à África do Sul, vivendo literalmente como um sul-africano, Chico Santo dormiu na periferia de Durban, palco da partida entre Brasil e Portugal, para descrever a rotina de vida de quem via a Copa do Mundo de perto mas não tinha dinheiro para participar. "Não sei o que a FIFA passou para o mundo porque eu estava in loco, no mundial. Pelo que ouvi dos meus colegas da imprensa internacional, sobretudo diante dos elogios que tive pelo trabalho de reportagem diferenciado, já que fui realmente o único a mostrar durante todo o tempo o lado social do país, dentro de suas raízes, respirando como um nativo, o que sei é que a África do Sul está muito além do que as agências de turismo mostram em seus catálogos tentadores de viagem. Conheço bem a África do Sul e, na minha opinião, trata-se de um dos países mais miseráveis do mundo, mesmo diante de seu crescimento econômico. Até porque classe média é algo simplesmente inexistente na terra de Nelson Mandela. Das duas, uma: ou você é milionário ou, então, passa fome.? Em outro texto de seu diário de bordo, chamado de "Nos trilhos da África, pelos caminhos do mundo?, Chico Santo descreveu mais uma de sua interminável jornada. "Foram vinte e sete horas./ Apenas, tudo isso./ Parece pouco e suportável, quando se está com um bilhete de primeira classe./ Mas acreditem, é tempo que não acaba mais./ Vinte e sete horas são vinte e sete horas./ Isso é ponto./ Tudo bem que eu sou um apaixonado por trens, mas é preciso muita disposição para embarcar em uma aventura como essa./ Se você é o tipo de pessoa que não tem paciência, então, desista./ Vai perder uma boa oportunidade de curtir uma das melhores experiências da vida./ Agora, se você não dispensa um pouco do romantismo dos trilhos, então, se prepare para degustar um pouco da sensação de que o tempo parou e você continua vivo em um caminho sem volta./ É, simplesmente, incrível./?
Uma rotina traduzida, mais uma vez, entre os compassos da música: "Faz-me lembrar, mais uma canção do Guns and Roses./ Essa, chama-se Nightrain e conta em sua letra uma história muito parecida com a minha./ Trata-se de um cara que vive em um caminho sem volta, um cara que bebe gasolina e só tem mais uma entre sete vidas de gato./ Um cara que pede para uma garota ligar o seu motor e diz para essa mulher: `acorde tarde, vista suas roupas, pegue o seu cartão de crédito e vá para a loja de bebidas./ Desta vez, será uma para você e duas para mim`. Nightrain, na melhor expressão do velho rock and roll, significa `Trem da Noite`, mas foi criada em tempos em que a grana andava apertada, em um contexto bem diferente do que se pode entender./ Devo até explicar./ O famoso Rainbow, outrora reduto de encontro dos Beatles, é considerado um dos bares mais caros e atraentes do mundo./ Nele, foram gravados, entre outros clips, partes dos vídeos de Don`t Cry, Estranged e November Rain./ Por volta dos anos 80, havia lá uma bebida forte e barata que se chamava "Nightrain?./ Em outras palavras, um vinho meia boca tipo sangue de boi que custa pouco e sobe rápido./ Mais ou menos como o velho Natal que eu tomava durante a adolescência antes de ser apresentado ao Bolla Italiano./ Nightrain era a única bebida que os integrantes do Guns and Roses tinham dinheiro para comprar na época./ Daí surgiu a música em que Axl Rose canta `I`m on the Nightrain, never to return`./ Gosto desta música porque me sinto parte dela./ Sou um cara solitário na estrada, chutado como um mendigo pelas ruas, tomando Nightrain pelo caminho e seguindo em uma curva sem volta./ Acho que a vida é isso./ Você entra na estrada e quando vê a estrada já te consumiu./ Você passa a fazer parte da estrada e ela passa a te querer cada vez mais./E você, algumas vezes, até tenta ficar de fora, mas quando vê está dentro de um trem noturno, bebendo gasolina, vivendo sua última das sete vidas de gato./ E, acredite, eu já gastei todas as minhas outras seis./?

Do trajeto entre a Cidade do Cabo e Joanesburgo, sobram ainda as lembranças de uma viagem inesquecível. "Dito isso posso contar os detalhes destas 27 horas./ Não foi a primeira vez que embarquei em um trem sozinho pela África do Sul./ Em 2009, após a Copa das Confederações, segui para o norte do país para entrar no maior safári do mundo, chamado de Kruger National Park./ Aquela viagem de trem foi complicada porque só havia classe econômica dentro do expresso./ Então, embarquei junto com os bêbados no vagão./ O detalhe é que o consumo de bebida alcoólica é permitida dentro do trem./ Lembro de um cara mala que toda hora ficava falando Never and ever. / Pela janela, ao amanhecer, deu para ver elefantes e outros tipos de animais em seu habitat natural./ Maravilhoso./ Vai estar no meu livro./ (A obra, com os bastidores do jornalismo internacional, em uma viagem por mais de 40 países no mundo, está em processo de produção). Em 2010, me recordo de ter embarcado na Cidade do Cabo pontualmente às 12 horas./ O trem partiu às 12h29, com um minuto de antecedência em relação ao horário marcado./ A estação ferroviária de Cape Town estava um bagaço./ Só para você ter idéia, havia até carro estacionado na plataforma!/ Nunca vi isso em lugar nenhum do mundo./ Paguei pouco mais de 400 rands pelo bilhete de primeira classe./ Mas primeira classe na África do Sul não significa muita coisa./ Porém, que seja dita a verdade: foi bem divertido./ Foi a primeira vez que viajei de primeira classe dentro de um trem e que tive que tive que dividir o meu compartimento com outro passageiro.../ Era um cara de 30 metros de altura que mal cabia sozinho no quarto.../ Mas o sujeito era engraçado./ Ele tomava brand com coca-cola para esquentar./ Evidentemente, tomei um trago para brindar a vida./ Adoro uísque./ E tomar uísque no trem é bem legal./ O curioso é que o gerente de operação do trem, quando veio conferir a passagem, fechou a porta e ficou tomando uísque com a gente./ Aí quando liguei a câmera perguntei se ele estava tomando um  `café`.../ Foi bem engraçado./?
Amante dos trilhos, Chico Santo fez da aventura na África do Sul uma viagem ao passado: "Em 27 horas, você tem tempo, também, para ir ao vagão restaurante./ Afinal de contas, são 27 horas./ A comida é barata./ Aliás, na África do Sul, em si, as refeições não são caras./ O vagão restaurante, no entanto, deixa a desejar./ É melhor que o Argentino./ Fiz uma viagem uma vez de Buenos Aires a Córdoba de trem, e apesar de gostoso, o expresso era bem decadente./ Mas aconselho quem quiser fazer./ Vale a  pena porque as coisas na Argentina são bem em conta e o lugar também é bacana./ Aliás já que estamos falando de trem... aconselho também o Trem da Morte que sai de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, e vai até a fronteira com Corumbá, no Brasil./ O Trem da Morte é um capítulo especial./ É sem dúvida nenhuma o pior trem que já viajei./ Foram cerca de 24 horas em um assento de madeira não reclinável e duro./ Talvez você não acredite... mas vou explicar porque se chama Trem da Morte./ Durante a viagem, além de presenciar uma criança sendo atropelada pelo meio do caminho, ainda sofri um descarrilamento na madrugada./ Mas foi algo pequeno, de umas duas horas de paralisação apenas./ Não foi como nos filmes em que os vagões voam e as pessoas morrem./ O trem descarrilou dentro da estação ferroviária de uma das cidadezinhas que passa./ Não tenho a mínima idéia do nome./ Tirei fotos./ Foi um susto grande, para mim, mas eles já estão acostumados com isso... e colocam o vagão nos trilhos rapidamente./ Dizem, também, que se chama Trem da Morte porque transportava pacientes com tuberculose em carros especiais.../ Muito doentes chegavam mortos ao término da viagem./ De qualquer forma, o Trem da Morte é uma experiência fenomenal./ Você viaja com porcos, galinha e tudo o que imaginar./ Outra viagem de trem que fiz foi para Machupicchu./ Esse, um trem careiro, cheio de turistas./ Diferente do Trem da Morte, corta um dos cenários mais exuberantes que já vi./ Aliás, no quesito paisagem, nenhuma outra viagem que fiz, mesmo pela Europa, foi tão espetacular quanto os trilhos de Machupicchu./ E olha que conheço bem a Europa./ No Velho Continente fiz várias viagens de Trem./ Duas em especial./ Uma pelo famoso Orient Express, o trem mais antigo do mundo que ligava a Turquia a Londres, cortando toda a Europa./ É uma viagem incrível./ A outra foi de primeira classe no TGV de Roma a Milão./ Sem comentários./ Somente fazendo para saber./ Também fiz uma viagem de Trem da República Tcheca a Alemanha./ Aquela foi interessante porque, na classe econômica, dividi o compartimento com uma francesa e um casal de finlandeses./ Em outras duas ocasiões, cruzei o Canal da Mancha, pelo EuroStar que liga Londres a Paris. É tão rápido que parece o metrô da linha verde da Avenida Paulista. Se comparado com ele, a viagem de Trem da África do Sul que parte da Cidade do Cabo a Johannesburgo é bem mais interessante./ Você não passa por baixo do oceano, como acontece no trecho da Inglaterra a França, mas há um túnel de 13 km por baixo da savana./ Também cortamos a região das vinícolas sul-africanas./ E, enfim, chegamos a região metropolitana de Johannesburgo, que lembra muito o trem de subúrbio de São Paulo, com aquelas paisagens devastadoras./ Nesse momento, o melhor a fazer é fechar a janela e dormir./ Mesmo porque o vagão restaurante passa a maior parte do tempo fechado.../?
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