O mundo desaprendeu com o Dunga

Chico Santo, bastidores da Copa do Mundo-2010

Paula Vares Valentim
jornalista responsável

Chico Santo, direto da África do Sul - Quando uma linda mulher, cabelos longos, pretos, escorridos até o ombro, olhos verdes suntuosos, boca macia, cintura fina e pele delicadamente desenhada aparece em meio ao deserto sul-africano com sua expressão jovial de descendência ítalo-portuguesa e pede com o charme de sua vuvuzela prometida "por favor pare de falar mal do Dunga?, então, de cara, você logo percebe: trata-se de uma miragem, a sombra devastadora da Copa do Mundo. Uma tentação da cobiça do jejum. A falta de gols e o pecado da abstinência da criatividade. O estado febril. O centroavante adormecido. O volante marcador e o meio de campo que só destrói. Indiscutivelmente, a metáfora se encaixa de forma poética com a Copa do Mundo de 2010. Foi, sem dúvida nenhuma, o mundial da bola quadrada. E olha que nem entramos no mérito da questão da Jabulani. Isso a gente deixa para quem entende da coisa. Ou seria para quem não entende? Mas, para quem já viu ou acompanhou ao longo da história o brilho sedutor do Garricha das Pernas Tortas, Pelé dos 1000 gols, Romário do Time nas Costas, Zico do Pênalti Perdido, Sócrates da Ordem e Progresso, Tostão da Autêntica 9, Ronaldo da Fé e Superação, Didi da Folha Seca e Dunga da Única Taça que foi parar aonde não devia, o mundial da África do Sul deixou a desejar.  Tecnicamente, foi ruim. Péssimo. Emotivamente, fantástico. Mas uma coisa é preciso dizer. O Dunga fez escola. Mais que isso. Fez universidade e especialização. Construiu um MBA em "Gestão da Falta de Qualidade?. Certamente a sua empresa vai mandar o seu funcionário demitido para lá. Mas ele ultrapassou barreiras e deveria ganhar um cargo de confiança no Ministério dos Esportes em Brasília. Ou virar funcionário do Serviço de Atendimento ao Cliente da CBF apra ver como é bom mexer com o "olho? de quem está quieto. Seja como for, ele ensinou ao mundo a arte da guerra. E o mundo aprendeu. Entendeu que no futebol o que menos importa é marcar gols. Primeiro destruir, depois defender. Se sobrar tempo, nos descontos, bico para onde estiver virado. Por fim, todo mundo para aquele lugar. O método deu tão certo que Dunga conseguiu fazer com que o Luis Fabiano, um baita artilheiro, ficasse escondido. E quando o Fabuloso fez aquele golaço que parecia que daria uma de Romário em 94, o professor egocêntrico logo cortou. ?De novo não?, deve ter pensado. "Vai ofuscar o brilho dos meus sapatos. Já chega o Romário naquela Copa?. Como se ele fosse o astro. Como se só ele tivesse espaço. Ele e seus convidados. Amigos, nem sempre, bem-vindos. Educadamente ? cavalheiro como é -, sabemos disso, quase um lorde britânico, ofereceu uma dose qualquer de alguma bebida sul-africana servida tradicionalmente no esfíncter, ao Alex Escobar. E tradição é tradição. Tem que ser respeitada. Ou toma direito ou não toma. Pobre moço de paladar fino. Parece que o competente comentarista da TV Globo não gostou muito. Como não deve ter apreciado o Luis Fabiano que com certeza teve o momento mais importante da sua carreira apagado pelo destruidor de jogadas bonitas.    
Uma pena, mas 2010 não foi o ano dos atacantes. Basta dizer que o primeiro gol da Seleção Brasileira na Copa foi marcado por um lateral. Você já pensou uma coisa dessa? A desculpa dada era que a Coréia do Norte estava jogando toda fechada. E tem gente que ainda acredita nisso. Quer dizer que se a Venezuela estiver toda atrás, a Seleção Brasileira não tem que golear? E a pergunta que fica é aonde estava o Luis Fabiano quando o Maicon fez o gol? Acredito que deveria estar no meio-de-campo ajudando na marcação. Já pensou se dá um contra-ataque? O Dunga poderia sacá-lo do time pela falta de coletividade... Viriam até as entrevistas obrigatórias: "o futebol mudou, atacante, hoje, tem que ajudar na marcação?. Não é isso que dizem? Para mim, atacante tem é que marcar gols. E volante, como foi Dunga, apenas, destruir. Da mesma forma que dois e dois são quatro.   
Mas, para a alegria brasileira ou infelicidade de todo o planeta, esse não foi um problema enfrentado somente pelo Brasil. Diz o ditado que uma laranja podre estraga as demais. Ainda mais se a laranja não for mecânica e não tiver a genialidade de Cruffy. Entretanto, se a regra vale para o futebol, então, espero que alguém tenha o bom senso de separar o Forlán do resto do mundo. Por favor, salvem o garoto. Um autêntico camisa 10. O único a honrar o talento que Deus lhe deu. E como joga bonito esse Forlán. Deveria ganhar um prêmio especial da FIFA. Mais ou menos como aquele do Ministério dos Esportes do Dunga. Mas um título que soasse com a melodia do amor. "Aquele que tratou a bola com o brilho do olhar de uma princesa valentiana?. Se o coração de um guerreiro pudesse falar...
Forlán, na realidade, fez muito mais do que os brasileiros esperavam de Kaká e os argentinos - sempre confiantes - diziam de Messi. Cada vez que pegou a bola para cobrar uma falta, levantou o estádio. Foi leal o tempo todo. Em nenhum momento chutou de lado. Não fez cara de Rambo. Não usou nenhuma metralhadora para disparar suas frustrações em quem nada tinha a ver com a história. Comportou-se com elegância. Foi calçado, derrubado e aplaudido. Fez da letra a conquista do respeito. Deu ao jogo limpo a democracia da imposição. Mostrou ao vilão como se vence. Ainda que a vitória seja apenas para dizer "eu fiz o meu melhor?.  
E no final das contas, se o que vale é o título, na filosofia do futebol mal jogado do estilo Dunga de ser, o que é menos vergonhoso? Perder de cabeça erguida, com um chute caprichosamente colocado na trave no último minuto de jogo, em uma epopéia da arte, como o Uruguai, ou sair derrotado e aniquilado pela própria arrogância como fizeram as Seleções Nacionais de Brasil e Argentina? Acredite, aposto que os uruguaios estão felizes com o futebol apresentado pela equipe Azul Celeste e que em Montevidéu ninguém precisou desembarcar pela porta dos fundos do aeroporto. Nem mesmo o Diego Lugano! Esse, aliás, um craque em destruir jogadas. Tão bom quanto um dia foi Dunga.
Mas o futebol, por si, chama a atenção. Igual a mulher bonita quando sai para passear. Pode ser aquele zero a zero mais fajuta que, mesmo assim, vira destaque mundial. Até pênalti perdido é comemorado. Aliás neste ano, bola e gol não se entenderam. Foi divórcio na certa. Cada um para o seu lado. E nenhum outro jogo traduz melhor a realidade do que o clássico dos horrores entre Espanha e Paraguai. Uma partida que, se não fosse o melhor exemplo para descrever a Copa do Mundo de 2010, deveria ser engolida pela história. Como o velho e bom educado Mário Jorge Lobo Zagallo um dia sugeriu. E que saudade do homem que deu ao Brasil quatro títulos mundiais e que com uma equipe ofensiva esteve perto da conquista na França. E volto a perguntar. Já que a vitória não veio e, sabendo que o gosto da derrota tem o mesmo paladar do lócus gênico onde o Dunga outrora enviou a taça, o que é melhor, sair de cabeça erguida com um time competente como em 1998 ou perder para a ridícula Holanda de 2010?
Eu prefiro dizer: "Bateu na trave em 1998?. Talvez se a convulsão tivesse acontecido em outro cara..., mas logo no Ronaldo! Aí é brincadeira. Nem com uma colonoscopia o Brasil pegava aquela taça. Um desarranjo sem graça a ser esquecido. Como foi o jogo entre Espanha e Paraguai. Dois pênaltis perdidos no tempo normal. Um na sequencia do outro. Um para cada time. Quanta incompetência dos atacantes neste ano.
A Copa do Mundo de 2010 foi decidida em um chute de Iniesta, quase nos pênaltis. A bola foi maltratada. A Jabulani crucificada antes da hora. A princesa jogou a toalha. Desistiu. Disse "não? aos pretendentes. Trocou o trono pela Rua da Lanterna Vermelha de Amsterdã. Foi ganhar a vida fazendo algo mais prazeroso. Perdeu a esperança de ser amada pelo futebol. O príncipe, por sua vez, virou um sapo. Como da foto ao lado. Um sapo enorme e do tamanho que o mundo inteiro teve que engolir diante da falta de criatividade de seus jogadores. Um sapo sorridente, é verdade. Com cara de assustado. Mas não deixa de ser um sapo. Sapo é sempre Sapo. Um sapo, destes, que faz a gente torcer para que no Brasil, em 2014, os vales sejam de vares diferentes e que o verdadeiro amor volte a bater no peito dos torcedores mais vislumbrantes. E, claro, que a princesa não acabe engolida pela cartilha do professor Dunga.  E como diria Romário: "que o peixe não morra pela boca?.

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