O giro pela América

Do esporte para a editoria internacional de jornalismo
Paula Vares Valentim
jornalista responsável
Foram mais de 40 países em 3 anos. Duzentas das principais cidades do planeta espalhadas pela América, África, Europa e Ásia. Só faltou a Oceania e a Antartida. Somente com o Terra, Jornal do Brasil e Jornal O Dia, Chico Santo cobriu os terremotos do Haiti, Chile e Itália, além da Gripe Suína do México, Guerrilha Colombiana, Eleições dos Estados Unidos (La Paz), Caos da Bolívia, entre outros assuntos de alta octanagem. Em todos eles, jamais se esqueceu de um velho amigo. "Senhor Pedro Basan, com um "s? só, diferente do filho, que leva dois.? Graças ao pai do correspondente da TV Globo na Europa, revelado, também, pela Rádio Jovem Pan, o jornalista de projetos ambiciosos atingiu o posto de Repórter Internacional. "Nada disso teria acontecido sem o Pedro Basan. Foi ele quem bancou alguns dos muitos hotéis que me hospedei pelo mundo. Ele me chamou no canto, uma vez, e disse: "Chico, você é diferente. É extremamente competente no que faz e tem um futuro grande pela frente. Tem que ser internacional. Não sei como, mas vai a luta. Sei do que estou falando porque, modéstia a parte, meu filho entende um pouquinho disso. Conte comigo para o que for preciso.? A bem da verdade, se não fosse por Pedro Basan, os 35 anos do Golpe Militar de Augusto Pinochet em Salvador Allende, no Chile, jamais estariam no currículo de Chico Santo. "Eu estava em Santiago, cobrindo a Seleção Brasileira pelo Terceiro Tempo, naquela goleada de 4 a 0, quando o Sr. Basan me disse que eu precisava explorar algo além do esporte. Estávamos hospedados em um hotel 5 estrelas na Plaza Italia e aí os recepcionistas disseram que era melhor não perder o avião de volta para o Brasil. O receio dos conflitos de 11 de setembro era grande. Foi quando o Pedro Basan me disse que se estivesse no meu lugar não voltaria para São Paulo e que, se eu desejasse, poderia ficar no hotel por sua conta?.
De Santiago, ainda como correspondente da editoria "estado?, o repórter entrou em contato com a chefia de redação, em Porto Alegre. "Peguei o telefone e informei que estava em Santiago e que poderia fazer a cobertura daquele momento histórico no Chile. Havia muitos tanques nas ruas e a situação realmente não tendia em nada para o clima de paz. Fechei um contrato como enviado especial por boca e acertei o valor das diárias no Chile. O trabalho foi visto com bons olhos pela diretoria em São Paulo e me abriu todas as portas para outros projetos internacionais. Diante do clima de guerra que se instalou em Santiago, Chico Santo aprendeu na prática a melhor maneira para a sobrevivência. "Por natureza, tenho um estilo de trabalho ousado. Não dá para mudar isso. Não tenho medo de nada e entendo que o risco faz parte da profissão. É preciso estar sempre atento a tudo para evitar o pior. O resto vai do felling do repórter. Particularmente, sempre carrego comigo um pedaço de limão no bolso. Vai que a tropa de choque resolve atirar uma bomba de gás lacrimogêneo?.
O êxito na cobertura internacional, a primeira fora da editoria de esportes que o repórter assinou, influenciou Chico Santo a tomar a decisão mais arriscada de sua carreira. "Eu tinha 28 anos, morava com a minha mulher, Angela Zerbielli em Palmas, no Tocantins, e estava completamente satisfeito do ponto de vista financeiro. Basta dizer que, naquele ínterim, eu era repórter da TV Globo local, editor responsável pelo conteúdo de jornalismo da CBN, produtor de dois programas independentes da SporTV e correspondente do Tocantins para o Terra. Evidentemente, não foi tão simples, assim, pedir a conta de tudo e voltar em definitivo para São Paulo sem nada em vista. Ainda mais porque não havia nenhuma garantia por parte do Terra que eu seria contratado. De qualquer forma, enxerguei um raro espaço que poderia dar certo na base da garra. Mas, para isso, obrigatoriamente, eu precisaria estar ao lado do Aeroporto de Guarulhos, pronto para embarcar a qualquer hora. Conversei com a Angela, ela me chamou de louco, me apoiou na decisão e assim, repentinamente, sem nenhum planejamento, trocamos toda a nossa renda por zero. A única coisa que eu tinha era a possibilidade de conseguir me lançar pelo Terra. Minha carreira se resumia, a partir daquele momento, em um contrato de correspondente com o Terra que seria encerrado em três meses com a possibilidade de renovação apenas se eu estivesse no Tocantins. Tinha pouco tempo para tentar convencer a minha chefia a manter o meu contrato assinado como repórter especial. Para isso,  fiz aquilo o que qualquer pessoa normal jamais faria. Caí na estrada e gastei o pouco dinheiro que ainda restava.?
O novo projeto consistia em dar uma volta completa pela América do Sul de ônibus e se meter nas maior quantidade de problemas possíveis. "Quanto vale o conhecimento? Não tem preço. No terremoto do Chile, por exemplo, dois anos mais tarde, em 2010, já consolidado como repórter no Terra, o aeroporto de Santiago estava fechado e eu precisava chegar ao epicentro do tremor no sul do país. Meu editor me perguntou, ainda no Brasil, como eu faria para desembarcar em Santiago. Como eu já havia cruzado a América por terra eu sabia exatamente o caminho a fazer. E isso, nessas horas, vale mais do que qualquer outra coisa. Essa foi uma das muitas coisas boas que me rendeu o giro pela América. Em busca de conhecimento. Uma maneira de adquirir novas experiências e, ao mesmo tempo, mostrar a minha chefia que eu era um cara destemido e pronto para guerra.?
A rota, que começou na Cordilheira dos Andes, saindo de Santiago, passando pelo Aconcágua, na Argentina, durou mais de um mês. "Foi uma viagem incrível. Do Chile voltei ao Tocantins, passando pela Argentina, de Belém do Pará peguei um avião até Manaus, segui pela Floresta Amazônica até Roraima e entrei na Venezuela de lotação pela Grand Savana. Depois iniciei a descida pelo Pacífico.? Em poucos dias o repórter já estava com um furo internacional debaixo dos braços, como mostra a foto acima, em meio a Guerrilha Colombiana. "Mais engraçado do que passar pela fronteira da Venezuela com a Colômbia sem dinheiro, de carona com o repórter internacional Wellington Campos e o produtor Rodrigo Marinho, depois de cobrir o jogo da Seleção Brasileira em San Cristobal, foi cair na Rota do Tráfico. Estive nos antigos cartéis de Medelín e Cali. Visitei a casa em que Pablo Escobar foi morto e o túmulo onde está sepultado o seu corpo. Quando vi estava no meio da Guerrilha Colombiana, parado no meio do nada?.
Era, exatamente, tudo, o que Chico Santo queria. "Olhando pelo mapa, eu estava na província de Santander, em uma estrada em direção ao Equador, no sul da Colômbia, perto de Tulcán. O exército tinha invadido a pista e de onde estávamos era possível ouvir as rajadas das metralhadoras. Tirei o máximo de fotos que pude com uma câmera dessas de praia e entrevistei personagens. Depois rodei cerca de duas horas, para trás, afim de tentar vender o material. Quando o Terra, em São Paulo, soube que eu era o único jornalista do mundo naquele capítulo especial da Guerrilha Colombiana, evidentemente, comprou a cobertura na hora. Recebi US$ 100,00 por matéria, mas, naquele momento, o que menos importava era o dinheiro, mesmo porque o que estava em jogo era a renovação do meu contrato.?
Da Colômbia, Chico Santo seguiu pelo Equador, Peru e Bolívia. "Estive no Deserto de Sechura, pisei com um pé em cada hemisfério na Metade do Mundo, vi um homem morrer nos meus braços, olhando para mim em um acidente na Rodovia Pan-Americana, respirei Cuzco e escalei Machu Picchu. Enfim, visitei alguns sítios arqueológicos e o Lago Titicaca, o mais alto do mundo. De ônibus, nessas estradas da Cordilheira dos Andes, quase morri um milhão de vezes. No Peru, cheguei a me perder quando os camponeses fecharam a estrada. Passei frio, fome, mas continuei enviando sugestões de pautas interessantes. Principalmente, na Bolívia, que vivia o caos com a tentativa do golpe norte-americano em Evo Morales. A situação não era das melhores. Ainda mais as vésperas das eleições de Obama. Com isso deixei a minha marca, da Bolívia, também, na cobertura que o Terra fez no pleito e posse do atual presidente americano.?
Com todos os países da América do Sul debaixo dos braços, o jornalista voltou ao Brasil. "Só não estive na Patagônia e Atacama, ainda. Irei em breve. O Ednilson Valia, coordenador do Terceiro Tempo, brinca que estarei em um daqueles botes de corredeiras sendo puxado por um navio. Sei lá. Eu não duvido. Hoje, conheço por terra cada cantinho da América do Sul. Tenho muitas histórias para contar. Coisas que para um turista nomal, desses que só querem saber de tirar fotos em hotel, não importa. Para mim, no entanto, é diferente. Sou o tipo de cara que quando está na exterior passa longe dos brasileiros. Gosto de vivenciar a cultura estrangeira. Incluindo suas dificuldades". Amante incondicional da vida, apaixonado de corpo e alma, Chico Santo, entretanto, só voltou a São Paulo depois de realizar um sonho de infância. "Cresci ouvindo as pessoas falarem do Trem da Morte. Então, antes de facer o check out, toquei It is Alright no piano, em Santa Cruz de la Sierra, e encarei a aventura. Foram mais de 20 horas em um expresso nada confortável. Quando, enfim, toquei a campainha da casa dos meus pais em São Paulo, barbudo, parecendo o Forrest Gump depois daquela corrida, minha mãe não me reconheceu e me mandou embora, achando que eu era um mendigo...".
De qualquer forma, com a barba em dia, depois de superar todos os desafios de sua aventura pela América do Sul, o tão sonhado contrato com o Terra foi tirado da gaveta. "Liguei para a Liana e fui informado de que o Terra tinha interesse em contar comigo por mais um ano. Estendi o contrato, na verdade até dezembro de 2010. O melhor de tudo, entretanto, foi ouvir da boca da chefe de reportagem que daquele momento em diante, por motivos judiciais, eu só não poderia assinar matérias em Porto Alegre e São Paulo, o que significava que todos os países do mundo e as demais cidade brasileiras estavam a minha espera. Bastava, como sempre, apenas usar a criatividade.?
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