Na prisão de Nelson Mandela

Chico Santo, bastidores da Copa do Mundo-2010

Paula Vares Valentim
jornalista responsável

Chico Santo, direto da África do Sul - Duas décadas após a libertação de Nelson Mandela o silêncio parece imperar entre os corredores da Robben Island. Localizada há cerca de 11 km da Cidade do Cabo, no extremo sul do continente africano, a ilha foi utilizada por muitos anos como reduto de detenção de negros e ativistas sul-africanos. Foi o local em que Nelson Mandela permaneceu encarcerado por exatos 21 anos. Marcas de preconceito e discriminação que continuam vivas entre as veias abertas da nação. "O local é o mais afastado possível da África do Sul. Queriam que ele fosse esquecido e por isso o mandaram para lá. Mas o nome de Nelson Mandela superou toda a adversidade?, afirma o copeiro Malake Bechup. A Robben Island foi fundada pelo desbravador português Bartolomeu Dias no final do século XV. Inicialmente, foi utilizada como local de reabastecimento de mantimentos para marinheiros e ponto de parada para descanso da tripulação. Durante o regime do Apartheid, entretanto, foi remodelada e adaptada para receber aqueles que eram considerados os presos mais perigosos do país. Uma penitenciária de segurança máxima, localizada há poucos quilômetros do encontro entre os oceanos Atlântico e Índico. "Trata-se de um lugar tenebroso. Um lugar muito assustador. Não gosto de ir lá. Me lembra os momentos de dificuldades que nós enfrentamos no passado. Sofremos muito com o Apartheid e as leis de segregação racial. Só de lembrar a maneira em que vivíamos, já me vem algo ruim em meu peito?, diz a recepcionista Andrey Hatfield. "É um lugar muito frio lá. Algumas áreas são utilizadas pelos pingüins. É mais do que uma prisão de segurança máxima. É um lugar absolutamente desumano?, complementa a gerente de negócios Tiny Modise. Para chegar a Robben Island é necessário navegar pelas águas do Oceano Atlântico durante aproximadamente 30 minutos. O barco parte do Museu Nelson Mandela, no bairro de Walterfront, na Cidade do Cabo. Lá permanecem estampadas algumas das frases que foram imortalizadas pelo primeiro presidente negro da África do Sul e que servem como exemplo de luta e superação: "No meu pais é preciso primeiro ir para a cadeia para depois ser presidente?, diz um de seus pensamentos.

Quem vai a Robben Island, imediatamente, se comove com o que vê. Paredes estreitas, corredores longos, banheiros pequenos e cemitérios antigos dão ao local a sensação de terror dentro dos aproximadamente 15 quilômetros de extensão da ilha que se perde entre as marcas da violência. "Esta era a cama de Nelson Mandela. Foi aqui que ele dormiu durante todo o tempo que esteve detido na África do Sul?, afirma um dos guias turísticos do presídio, apontando para um pequeno tapete desgastado pelo tempo. Fotos antigas mostram a rotina vivida pelos presos do Apartheid que trabalhavam em regime de escravidão para a construção de novos pavimentos dentro da Robben Island.
Não havia folgas e tampouco qualquer tipo de recompensa pelo serviço prestado que implicitamente se tornava uma ofensa contra a luta ideológica do direito de igualdade. "É bom que as pessoas vejam isso e mostrem para o mundo o que passamos. Assim estaremos contribuindo para o fim do racismo. Hoje, não temos mais isso na África do Sul. Somos um único país, agora. Finalmente, estamos livres. Mas nem sempre foi assim?, diz a sul-africana Erin Magama. Por todos os lados da Robben Island, a sensação de indignação e desrespeito ao ser humano ainda são visíveis. Do velho farol utilizado para guiar os navegadores da era da comercialização de especiarias da Índia, sobram as cruzes das dezenas, centenas e talvez milhares de pessoas que foram mortas e sepultadas dentro do que pode ser considerado o maior antro de discriminação racial do planeta.

Quando a bola rolar no próximo dia 11 de junho entre as seleções nacionais da África do Sul e México, na partida de abertura da Copa do Mundo de 2010, Nelson Mandela terá consolidado mais uma vitória em sua vida. O ex-líder ativista foi o principal articulador junto a FIFA. Também, dentro dos bastidores do futebol, Mandela foi um guerreiro incansável, um exemplo de determinação. Por 10 anos lutou para a realização do mundial na África do Sul. Perdeu a Copa de 2006 para a Alemanha, mas depois de tanta insistência, provou para a FIFA que, mesmo se tratando de um país pobre, sem a mínima condição de estrutura, a África do Sul merecia, sim, entrar para a história da Copa do Mundo. Ainda que fosse, apenas, por respeito.

 

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