Hernande

Ex-atacante do Vasco

por Rogério Micheletti

O gaúcho Hernande Gomes Flores, natural de Alegrete, onde nasceu em 11 de novembro de 1974, hoje vive hoje em sua cidade natal trabalhando em uma fazenda.

Hernande cmeçou nas categorias de base do Vasco da Gama, era uma promessa do futebol brasileiro, mas acabou tendo a carreira de jogador prejudicada por um grave acidente de automóvel.Hernande perdeu o controle de seu carro após ser fechado por outro veículo (em 1995) e atropelou quatro pessoas, sem vítimas fatais. Ele cumpriu

Hernande chegou a cumprir pena em regime semi-aberto, em Bangu, por ser acusado de atropelar quatro pessoas no suburbio carioca.

"É angustiante viver na prisão", chegou a falar Hernande, atacante que atuou no Vasco da Gama ao lado de Gian, Yan, Valdir, entre outros, em 2001.

Na época, ele assinou contrato com o Botafogo e sonhava recuperar o bom futebol mostrado no começo de carreira.

Em 2004, Hernande, que também chegou a ter passagens pelo Coritiba, Oriente Petrolero, futebol mexicano, assinou contrato com o modesto time do Teresópolis (RJ). Nele, também foi jogador o goleiro Caetano, outro que começou a carreira no Vasco da Gama. Seu último clube foi o Flamengo de Alegrete.

Foto: arquivo pessoal

Em 24 de julho de 2015, em entrevista ao jornalista Vanderlei Lima, do UOL, detalhou os episódios mais importantes de sua carreira. Veja, abaixo, a matéria na íntegra.

Promessa do Vasco jogou no time do presídio. Hoje vive de bicos

por Vanderlei Lima, UOL/São Paulo

Um acidente em 1995 mudou o rumo da vida de Hernande, então jogador do Vasco. Depois de ignorar o pedido da avó, para ficar em casa, ele foi a uma festa com amigos, no Rio. No caminho, ele conta que foi fechado por outro automóvel, perdeu o controle do carro e acabou atropelando quatro pessoas na calçada. Não houve mortes, mas o acidente alterou totalmente a vida do jogador.

Tricampeão sul-americano e campeão mundial júnior em 1992, Hernande era uma promessa não somente do clube carioca, mas do futebol brasileiro. Chegou a jogar com outros atletas, que viriam a brilhar: Jardel, Amoroso, Vampeta e os goleiros Marcos e Dida.

Em alta, foi para a Europa em 1996, agradou em um teste e assinou um contrato com o Hannover, da Alemanha. Mas ao retornar para o Brasil, o seu mundo literalmente desabou.

Hernande conta que deixou o caso do atropelamento nas mãos de um advogado do Vasco, mas, sem citar o nome, diz que foi prejudicado por ele e acabou sendo detido justamente ao pisar novamente no aeroporto do Rio.

"Ele [advogado] não me avisava nada do que ocorria aqui no Rio. Faltei a três audiências, porque nem fiquei sabendo delas. Ficou à revelia e o juiz pensou que eu estava de sacanagem, pensou que eu não queria saber de nada com nada. Ele bateu o martelo para 5 anos de regime fechado. Quando retornei da Alemanha, cheguei no aeroporto e fui informado. Sorte que muitos policiais federais na época eram vascaínos e gostavam de mim. Me chamaram de lado e informaram com discrição de que seria preso", contou.

Do aeroporto, Hernande foi para Bangu 1, presídio de segurança máxima onde ficam os bandidos mais perigosos. Por ser conhecido, entrou para o time de Escadinha. Literalmente. O traficante tinha um time de futebol na prisão.

"Conheci outro lado da vida, aquilo é horrível. Se eu não tivesse cabeça, meu Deus do céu, eu saia de lá um baita marginal. É outra vida".

Hernande já se aposentou do futebol. Atualmente vive de bicos. Já foi servente de obra de um presídio e hoje trabalha em uma fazenda no interior do Rio Grande do Sul. Ganha cerca de um salário mínimo – nem ele sabe ao certo.

Hoje, com 41 anos, o ex-atacante não tem dúvida. Sua vida seria totalmente diferente caso tivesse ouvido a avó no fatídico dia do acidente. "A minha avó estava me visitando no Rio de Janeiro e eu falei que ia em um pagodinho. Ela pediu para chamar meus amigos e ficar em casa, na cobertura, na beira da piscina, fazendo o churrasquinho. Mas eu não escutei. Quem não escuta os mais velhos sempre acontece alguma coisinha."

UOL Esporte: Como está sua vida hoje?

Hernade: Estou trabalhando aqui em uma fazenda do doutor Vilson Abelardo, em Alegrete (RS). Ele está me dando uma força enquanto não arrumo emprego. Venho para a fazenda e cuido dos animais. Às vezes tem que trazer um animal de um sítio pra colocar em outro estábulo. Cuido da fazenda.

UOL Esporte: Como é sua rotina?

Hernade: Eu acho que eu ganho um salário mínimo ou até menos. Durmo aqui na fazenda e só retorno pra cidade nos finais de semana. Sou solteiro e minha mãe faleceu há 4 meses. Meu pai era separado da minha mãe e mora em outra cidade, em Uruguaiana, há uma hora e meia daqui. Tenho 4 filhos: 3 meninas (Pamela, Vitória e Tainá) e um menino, o Hernande, que começou nas categorias do Vasco da Gama, mas depois não quis mais. Agora está fazendo engenharia civil e se forma daqui a dois anos.

UOL Esporte: Antes do bico na fazenda você estava trabalhando na construção de um presídio, em Santa Catarina?

Hernade: Sim, eu estava trabalhando com construção civil, como servente de pedreiro. Trabalhei na construção deste presidio em Chapecó por 6 meses. Estava esperando o resultado de uma entrevista de emprego para trabalhar como auxiliar de produção. Demorou muito e surgiu esse emprego.

UOL Esporte: Você tem contato com seus ex-companheiros?

Hernade: De vez em quando me comunico com eles no "zap zap" (WhatsAp). A gente se fala, conversa como eu estou, como estão as coisas.

UOL Esporte: Você lembra do dia do acidente?

Hernade: A minha avó estava me visitando no Rio de Janeiro e eu falei que ia em um pagodinho. Ela pediu para chamar meus amigos e ficar em casa, na cobertura, na beira da piscina, fazendo o churrasquinho. Mas eu não escutei. Quem não escuta os mais velhos sempre acontece alguma coisinha. Quando estava indo, um maluco me fechou no trânsito, perdi a direção, subi a calçada e atropelei quatro pessoas. Graças a Deus ninguém morreu e ficou todo mundo bem. Ajudei todo mundo. Não havia bebido, não tem nada a ver. Eu seria titular contra o Palmeiras no domingo e o acidente aconteceu numa quarta-feira.

UOL Esporte: E em 1996, você chegou a assinar um contrato com o Hannover, da Alemanha...

Hernade: Isso foi em 96. Fui para a Alemanha fazer uns testes e consegui passar. Assinei um contrato de quatro anos. Enquanto isso o advogado do Vasco, que nem vou dizer o nome do desgraçado, falava pra mim ficar tranquilo que estava resolvendo todos os problemas do acidente. Mas ele não fez nada disso. Fiz os testes na Alemanha e ele não me avisava nada do que ocorria aqui no Rio. Faltei a três audiências, porque nem fiquei sabendo delas. Ficou à revelia e o juiz pensou que eu estava de sacanagem, pensou que eu não queria saber nada com nada. Ele bateu o martelo para 5 anos de regime fechado. Quando retornei da Alemanha, cheguei no aeroporto e fui informado. Sorte que muitos policiais federais na época eram vascaínos e gostavam de mim. Me chamaram de lado e informaram com descrição. Saí preso. Recorri a outro advogado, mas não teve jeito. Fui preso e o Hannover rescindiu o contrato.

UOL Esporte: O Vasco menosprezou você?

Hernade: Não digo o Vasco, pois é uma entidade. O problema foi a pessoa ligada ao Vasco [advogado]. Se não fosse o Vasco, não teria o nome que eu tenho, não tinha viajado o que eu viajei nesse mundo. O presidente era o seu [Antônio Soares] Calçada e o vice, Eurico Miranda. O Vasco me deu toda a atenção. Eu pensei que estava tudo resolvido [acidente de 95], tudo certo. Foi aí que deu tudo errado, minha decadência. Se não fosse isso eu estava bem, tinha pego até seleção.

UOL Esporte: E como foram os dias após voltar da Alemanha?

Hernade: Foi estranho porque eu nunca ia imaginar que passaria por uma coisa desta. Eu sou da fronteira e saí daqui com 13 anos de idade sem conhecer nada no Rio. Fiz as peneiras no Vasco e passei, mesmo com a família toda longe. Fui conhecendo as pessoas, pensavam que eram meus amigos, mas não são merda nenhuma. Só tapinhas nas costas e na hora que precisava ninguém chegava perto. Fiquei em Bangu 1 por três anos e foi horrível. Conheci o outro lado da vida, é outra coisa. Ainda bem que o diretor me colocou em pavilhão separado.

UOL Esporte: Os jogadores na época do Vasco foram te visitar na prisão?

Hernade: Sim, foram lá e deram apoio. Gian, Yan, Valdir bigode, Alex e Romário. Foram lá e deram uma força. Se eu não tivesse cabeça, meu Deus do céu, eu saia de lá um baita marginal. É outra vida.

UOL Esporte: Ficou amigo do traficante Escadinha, falecido em 2004. Jogou no time dele e foi artilheiro no presidio?

Hernade: Estava no pavilhão de frente ao dele e a gente conversava. Ele ficava louco com o pessoal, sem entender o que eu fazia ali. Ele era Fluminense doente. Na época o Yan jogava lá e levou um fardamento (uniforme) para ele. O Escadinha ficou louco de alegria com uma camisa autografada. Ele fez o time na cadeia e eu joguei. Às vezes tinha rebelião e a gente tinha que se esconder. O bicho pegava. Lá dentro é outra coisa, outra vida, é diferente pra caramba. Eu lembro que eu fiz 30 gols, mas colocaram 42 [risos]. No ano passado, aqui em Alegrete, teve um torneio dos veteranos e eu fui artilheiro com 28 gols. Começou agora um torneio municipal e estreamos com vitória por 5 a 0. Fiz mais dois [risos].

UOL Esporte: Neste período preso o que você viu que foi mais impactante?

Hernade: O mais impactante que eu vi foi uma rebelião lá e a polícia invadiu e quem estivesse pela frente ia levar bala. Foi um horror. Eu vi isso na minha frente.

UOL Esporte: Em regime semiaberto, assinou contrato com o Botafogo. Por que não deu certo?

Hernade: Para treinar, eles me pegavam de manhã cedo depois. Eu só retornava à tarde, depois do treino, pra dormir na prisão. Nos dias de concentração e jogos, tinha que pedir autorização para o juiz para eu poder sair, para jogar e até para viajar. Eu fiquei assim por um ano nesta época no Botafogo. Fui treinado por Paulo Autuori e Abel Braga.

UOL Esporte: E por que encerrou a carreira aos 33 anos?

Hernade: Eu encerrei a carreira por desgosto. Muita trairagem, muita falsidade. O pessoal olha assim e pensa que o futebol é mil maravilhas, mas não é . É muita coisa errada, muita falsidade. Faltou pouco para eu entrar em depressão. Meu último clube foi na segunda divisão do Gaúchão, pelo Flamengo de Alegrete.

UOL Esporte: Qual o seu maior sonho?

Hernade: Se Deus quiser eu ainda vou realizar e poder treinar a garotada. Quero passar o que eu aprendi no futebol, ensinar os garotos desde pequeno. Esse é o meu sonho. Vamos ver se eu consigo realizar. Quem me apoiava bastante era a minha mãe, mas ela faleceu. Meu pai conversa comigo de vez em quando, mas ele fica mais na outra família dele.

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