Gripe Suína do México

Influenza H1N1 - 2009

Paula Vares Valentim
jornalista responsável

Pouco se sabia sobre a Gripe Suína em abril de 2009 quando a doença eclodiu no México e rapidamente chegou aos Estados Unidos e Canadá. Classificada, inicialmente, como um mal respiratório agudo causado pelo vírus Influenza A (H1N1), a anomalia se espalhou pelo mundo e não demorou a se tornar a primeira pandemia do século XXI. Ainda em sua eminência, diante do risco que representava à vida, começava mais um trabalho de alta octanagem para o repórter internacional Chico Santo. "A diferença entre você cobrir um terremoto e uma epidemia viral é simples. No terremoto você sente os tremores nos pés e enxerga o perigo através de rachaduras ou estruturas abaladas que ameaçam cair. Diferente do que ocorre em um trabalho onde a preservação da sua vida depende exclusivamente da maneira como se lida com uma partícula maligna invisível que pode estar do seu lado, dentro do próprio hotel.? Por essa razão, a cobertura da Gripe Suína do México envolvia, acima de tudo, um cuidado muito maior.  "Havia na época um clima de insegurança enorme. Sobravam dúvidas, faltavam explicações e as informações divulgadas pelas autoridades eram contraditórias. Ninguém, na realidade, sabia dizer o que era a doença. A própria Organização Mundial da Saúde deixava muitas dúvidas em relação ao contágio. A princípio, acreditava-se que o uso de máscaras cirúrgicas era o suficiente para evitar a transmissão do vírus, o que, posteriormente, como se apurou, não era verdade. Foi um momento delicado. Difícil, sobretudo para as vitimas da Influenza, ainda sem um diagnóstico comprovadamente eficaz naquele ínterim.? Segundo a OMS, 207 países foram afetados pela anomalia com casos confirmados em laboratórios. Pelo menos 8 mil pessoas morreram.  Muitas nações, em decorrência da rapidez em que se proliferou o surto, deixaram de contabilizar os registros individuais que apresentavam sintomas leves. "Cheguei da Itália e fui para Brasília cobrir o Circuito Internacional de Vôlei de Praia para o Fernando Sampaio, da Jovem Pan. Lá comecei a perceber que a Gripe Suína iria render algo. Deu na lata. Conversei com a Liana Pithan em São Paulo e topei ir para o México às escuras. Evidentemente, havia uma preocupação muito grande em relação a minha saúde. Eu não sabia sequer se voltaria vivo ao Brasil. Por incrível que pareça, naquele momento, a dúvida e o medo por parte de todo o planeta era algo de fato assustador.?
Chico Santo foi o segundo jornalista da imprensa brasileira a chegar ao México para cobrir a epidemia. Um comenos de desespero e receio. "Quando embarquei em São Paulo, com uma mala cheia de máscaras cirúrgicas, apenas o Rodrigo Bocardi, corresponde da TV Globo de Nova York estava lá. Tempos atrás havíamos jantado juntos em Palmas. Cheguei a lhe passar um e-mail, no México, mas não nos encontramos. Faz parte da correria do trabalho internacional. Pelo pouco que acompanhei do seu material, in loco, soube que ele também estava usando máscaras. Entretanto, assim como eu, se tivesse tido algum tipo de contato direto com o vírus no México, teria contraído a doença do mesmo jeito.? Durante o voo de São Paulo à Cidade do México, o repórter fechou a primeira lauda da cobertura, ainda a bordo do Boeing 777 que levou de volta a equipe de futebol do São Luiz para o México. "Como conseqüência ao cenário de terror que se espalhou pelo planeta, havia mais funcionários trabalhando nas companhias aéreas mexicanas do que propriamente passageiros nos aviões que voavam para lá. A recomendação era clara. Quem estivesse com febre, dor de cabeça ou apresentasse um quadro com tensões musculares podia estar com o vírus e era proibido de embarcar. Os mexicanos foram extremamente descriminados em muitos países, principalmente na China, acusada de colocar em quarentena 138 estrangeiros que estavam no país e só deixaram o isolamento ao serem repatriados pelo governo local. No esporte, tanto o Chivas Guadalajra quanto o São Luiz tiveram problemas com a Conmebol e abandonaram a Copa Libertadores da América. O São Paulo Futebol Clube foi um dos times a se recusar a jogar no México.?
A pandemia obrigou a Federação Mexicana de Futebol a fechar as portas do Estádio Azteca, palco do Tricampeonato Mundial da Seleção Brasileira de 1970. "Fiz uma matéria lá, em meio ao silêncio das arquibancadas do gigante mexicano. Foi um momento, indiscutivelmente, importante para mim. Eu já tinha estado no Estádio Nacional de Santiago do Chile, onde a Seleção Brasileira conquistou o bicampeonato mundial de futebol, em 1962, mas, apesar do charme da Cordilheira dos Andes, não dá para comparar a sensação de pisar no gramado em que o Brasil, com o principal time da história das Copas, levantou o tricampeonato mundial em 1970. Mesmo diante de um problema tão sério, valeu a pena ter estado lá durante aquele trabalho.? Se por um lado, as arquibancadas do Estádio Azteca estavam vazias, nos aeroportos, cada vez mais procurados por quem estava em trânsito e desejava deixar o país, a situação era outra, com filas gigantescas e câmeras de raio-x digital posicionadas nos corredores da migração. "Os aparelhos detectavam por meio de ondas de calor os eventuais sintomas da Gripe Suína no corpo. Basicamente, você era escaneado e automaticamente observado em um monitor de televisão. Muitos passageiros se sentiam constrangidos. De qualquer forma, era a única alternativa para quem queria sair às pressas do México.?
Em meio ao alerta geral, o país tentava manter a rotina. "As escolas foram fechadas e o comércio lutou ao máximo para não baixar as portas. A polícia teve de ser chamada várias vezes para impedir a circulação desnecessária de pessoas em locais públicos e o feriado do Dia do Trabalho foi marcado pela queda nas vendas e caos econômico. Tudo, de uma hora para outra, mudou na vida dos mexicanos.? Se não bastasse isso, justamente no dia 1º de maio de 2009, Miguel Angel Lezana, diretor geral do Centro Nacional de Vigilância Epidemiológica e Controle de Enfermidades do México colocou publicamente em xeque a utilização das máscaras cirúrgicas como medida de prevenção da doença. "O que ele disse era o que eu mais temia. Os cobre-bocas, como eram chamadas as máscaras no México, não eram capazes de impossibilitar a entrada de eventuais partículas contaminadas no ar. Em outras palavras, eu estava lidando com um inimigo invisível que poderia estar em qualquer lugar, livre para fazer o que bem entendesse?. Para agravar ainda mais a situação, a medida em que o tempo passava, a OMC aumentava o nível da gravidade da epidemia. Nos hospitais, consequentemente, as filas cresceram. "Era o tipo de pauta necessária. Não dava para deixar de fazer uma matéria tão básica, obrigatória e perigosa. Tive que encarar o risco. E, se quer saber, repórter tem que tomar cuidado, sim, mas jamais pode se deixar invadido pelo medo. Se isso acontecer, o trabalho perde o foco. Por isso, fui a um hospital público, entrevistei vários personagens e voltei para o hotel com a manchete de uma espera superior há 5 horas?. Na enfermaria, a falta de cuidado por parte de quem deveria educar chamou a atenção. "Técnicos, enfermeiros e médicos. Todos. Flagrei os fumantes nas dependências do ambulatório, no meio da fila de triagem, vestidos de branco com as máscaras abaixadas no pescoço. Não era um bom exemplo.?
A fim de evitar aglomerações, a Igreja Católica passou a celebrar missas sem a presença dos fiéis. As prostitutas, em contrapartida, distribuíam beijos e trabalhavam normalmente nas ruas do centro da Cidade do México. "Foram duas matérias totalmente diferentes. Em uma delas, o respeito ao pedido do presidente Felipe Calderón. Na outra o oposto, com o trabalho das acompanhantes, vendedoras do sexo. A igreja católica atendeu a recomendação das autoridades e só voltou a realizar normalmente os cultos no segundo domingo de maio, durante a festa do Dia das Mães. As meninas da noite, por outro lado, formavam suas tradicionais filas na Rua James Sullivan, na Zona Roxa. Tive que driblar os cafetões para flagrar o trabalho das garotas. Depois pedi a benção ao padre.? Em 08 de maio de 2009, Chico Santo informou direto do México a repercussão da imprensa estrangeira em relação à confirmação da chegada da Gripe Suína ao Brasil. "De uma tacada só, o Governo Brasileiro anunciou 4 casos da Influenza no país. Os pacientes eram adultos e voltavam de viagens do México e Estados Unidos. À partir daquele momento, a cobertura da primeira pandemia do século mudava o foco. Era hora de voltar ao Brasil, onde a doença já fazia parte do cotidiano dos brasileiros.?
Contestada no México, sobretudo diante da opinião pública que atribuía a "criação? da Gripe Suína à crise norte-americana como solução para a indústria farmacêutica dos Estados Unidos, a Influenza deixou ao final das contas um cenário fechado para a exploração do turismo contabilizado também em um grande prejuízo para os frigoríficos. "O porco foi quem pagou o pato. Não havia qualquer tipo de risco de contaminação humana através de suínos, porém o erro na escolha da nomenclatura popular fez com que as pessoas abolissem o consumo da carne. Estive em um frigorífico e presenciei o drama do proprietário. As pesquisas no México apontavam o alarmante índice econômico. De cada 10 pessoas que habitualmente compravam carne suína, apenas uma não tinha mudado o hábito. No que diz respeito ao setor hoteleiro, a mesma coisa. As empresas de turismo chegavam a bancar todas as despesas de transporte, hospedagem, saúde e alimentação caso o eventual turista contraísse o vírus. Indiscutivelmente, o México pagou um preço muito alto com a Influenza.? A cobertura da Gripe Suína, entretanto, havia apenas começado para o jornalista. "Depois de voltar ao Brasil, embarquei, ainda, para outros países da África, América do Sul, Ásia e Europa. Estive em umas 30 nações em um curto espaço de tempo. Andando desse jeito era natural que o contato com a Influenza, ainda que eu já tivesse fechado o trabalho, fosse maior. Não deu outra. Acabei isolado, internado e medicado no Instituto de Infectologia Emílio Ribas em São Paulo como paciente de risco, principalmente, após a constatação de uma pneumonia, que geralmente era o maior causador dos casos de morte.?
Repórter por natureza, Chico Santo viveu durante sua internação no Emílio Ribas o outro lado da profissão. "Foi irônico, perigoso e preocupante. Fiquei em um quarto fechado com câmara de gás entre a porta e o dormitório onde as pessoas só podiam entrar depois de um amplo processo de higienização. Tomei Tamiflu. Vi a cara da morte de perto e aprendi a dar mais valor a vida.? Ao todo, foram duas semanas de tratamento intenso e, ao final das contas, quando questionado sobre o risco de atuar em pautas com alto grau de periculosidade, Chico até hoje desconversa. "Não gosto de nada sem emoção, vivo a 300 km/h e nunca sei o que vou encontrar pela frente. O risco faz parte da profissão. Se eu tivesse contraído a Gripe Suína no México, logo no início, quando ainda faltava Tamiflu, a situação seria muito mais grave. Felizmente, só fui entrar para o índice de contaminação da Influenza ? se é que cheguei a ser notificado - seis meses depois, quando o cenário já estava aparentemente controlado, apesar do elevado número de mortes, sobretudo na Argentina, onde provavelmente contraí o vírus após o retorno de um outro trabalho na Europa.?
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