Do terror de Hitler ao chopp de Frankfurt

Chico Santo, pela rota do Conde Drácula
Paula Vares Valentim
jornalista responsável
Apreciador de chopp, como é, Chico Santo não poderia encerrar o giro pela Europa em um lugar mais apropriado. "Ah Alemanha... Eles servem a cerveja quente, em uma temperatura natural. Muito mais encorpada do que a nossa. Tem um sabor bem diferente do que estamos acostumados a beber no Brasil. O curioso é que, mesmo sem gelo, o chopp alemão é incrivelmente saboroso?, afirma o repórter. Quem vai a Frankfurt, de cara percebe o espírito de receptividade alemã. Sobretudo, se tratando de uma região que, claramente, luta para se desvincular do histórico passado nazista. "Nos últimos anos, tive a oportunidade de desembarcar em três dos mais terríveis aeroportos da Europa. Tanto em Bajaras, na cidade de Madrid, quanto Heathrow, em Londres, ou em Charles de Gaulle em Paris, as migrações costumam ser bem chatas para quem vem da América do Sul. Por mais que, para nós, tenha dado uma amenizada com o crescimento do Brasil. Conheço alguns casos de empresários que, mesmo com suas cédulas de euros e cartões internacionais, tiveram que voltar. O que, dificilmente, ocorre no aeroporto de Frankfurt, onde você não precisa abrir carteira, falar para onde vai ou dar algum tipo de satisfação. Das vezes que passei por lá, o máximo que precisei fazer foi mostrar o passaporte e dizer Danke schön! Com o tempo descobri que a Alemanha, hoje, quer mostrar ao mundo que todas as pessoas são bem-vindas. Uma forma de tentar apagar a própria história.? Situada às margens do rio Meno, Frankfurt é considerado o maior centro financeiro da Europa continental e foi utilizada como base dos Estados Unidos durante a segunda guerra mundial: "Não posso dizer que é a minha pátria, afinal de contas, a minha geração não conheceu muito este sentimento de patriotismo. Por causa da guerra, por causa dos erros do nazismo, jamais carregamos uma bandeira da Alemanha. Eu jamais cantei o hino nacional do meu país?, afirma o professor e doutor Matthias Grenzer da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.  Do conflito militar que resultou na morte de cerca de 50 milhões de pessoas, podem ser observadas as lembranças negativas de uma época que poderia ter ficado de fora das páginas da história, mas que, em dias atuais, ainda permanece viva na memória de quem foi julgado culpado muito antes de nascer: "Éramos a geração que nasceu após a segunda guerra mundial. Por isso a nossa responsabilidade foi sempre muito grande e qualquer coisa poderia ser interpretada errada?, complementa Grenzer.  

A Segunda Guerra Mundial foi declarada em 1o de setembro de 1939 logo após a invasão das tropas Hitler na Polônia. Itália e Japão incorporaram as chamadas Potências do Eixo e junto com a Alemanha espalharam o terror em uma luta armada contra as forças aliadas, defendidas por Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra e França: "Eu não tive nenhum dos dois avôs. Os dois faleceram na guerra. Sobreviveram apenas as duas avós. Tanto as minhas avós quanto os meus pais nunca falaram abertamente sobre o nazismo comigo. Era muito difícil. Eles sentiam vergonha daquela época?, diz emocionado. Dados históricos apontam que, somente durante o Holocausto, cerca de 6 milhões de judeus foram assassinados pelas forças de Hitler: "Visitei praticamente todos os campos de concentração na Alemanha. Digamos que, diretamente, eu não sinto culpa do que aconteceu porque meus pais nasceram durante a guerra e meus avós não cometeram diretamente os crimes porque um era músico e o outro morreu nos primeiros dias da guerra. Então não tiveram muito tempo de cometer crimes. Mas o fato de ser alemão, mesmo sem ter participado da guerra, aumenta a minha responsabilidade com o mundo?, diz o doutorado Matthias Grenzer.
A guerra que arrasou a Europa e destruiu também o Japão durou exatamente 6 anos e o cessar fogo só foi adotado em 2 de setembro de 1945, após a rendição das nações que compunham o Eixo Alemão: "Eu me lembro que eu fui com um amigo para Londres um dia e à noite fomos tomar uma cerveja em um pub. Então, um senhor percebeu que conversávamos em alemão e sem sequer dizer boa noite se dirigiu ao meu colega e lhe deu uma bofetada no rosto. Ele disse que era porque os soldados alemães haviam matado o irmão dele na guerra. Não reagimos. Pelo contrario. O convidamos a tomar uma cerveja conosco e fizemos uma amizade naquela noite. Para ele era importante desabafar e de repente descobrir que os jovens alemães não tinham nada a ver diretamente com aquilo, mas estavam dispostos a sentir a responsabilidade?, relembra.

Quem vai a cidade de Frankfurt, hoje, encontra na região do antigo império germânico um povoado em estado de recuperação. Cerca de um milhão de pessoas habitam a área de aproximadamente 248 quilômetros quadrados. O turismo reage bem ao fantasma da guerra e ao inadmissível genocídio provocado pelo Holocausto: "Sempre digo: quem nasce como alemão, por causa da história do seu país, tem que sentir uma responsabilidade bem maior pela paz no mundo, pela luta contra qualquer tipo de racismo, pela luta contra o anti-semitismo?, afirma  Grenzer. Cerca de 70 anos depois, a tranqüilidade impera em Frankfurt. Pelos cantos da cidade, livres de qualquer tipo de medo, crianças brincam em praças e debaixo das fontes sem a preocupação de que o país possa voltar a ser alvo de mísseis ou bombas. Um sinal de esperança para os jovens que começam a escrever o futuro da nação: "Existe uma culpa coletiva. De certa forma carregamos a culpa dos nossos pais. Não é difícil aprender isso. Não. Basta estudar um pouco a história e dizer: não, eu sou capaz de aprender um pouco. É a tarefa de qualquer povo. Eu sou capaz de construir uma coisa diferente se eu quiser. Nesse sentido, a culpa se torna menor porque a culpa dos nossos antepassados oferece a possibilidade de aprendizado na história?, complementa o alemão. 
Prova maior não poderia ter sido dada além da comemoração dos 20 anos da queda do muro de Berlim que simbolizou o fim da disputa ideológica na Alemanha com a reunificação da nação: "Eu cresci ao lado do muro que separava a Alemanha. Da minha janela eu via os alemães tentando pular o muro. Eram baleados e morriam. Os soldados, às vezes, deixavam as vitimas sangrarem até a morte. Era horrível. Cresci vendo isso?, relembra Grenzer.  O muro de Berlim, que dividiu a Alemanha por 28 anos, começou a ser derrubado em 9 de novembro de 1989 durante o processo de reunificação das partes orientais e ocidentais do país: "Ainda bem que não existe mais. Eu me lembro da festa que foi quando o muro caiu. Os soldados venderam suas roupas e foram para casa de cuecas. Foi uma forma de ganhar dinheiro, já que à partir daquele momento, tudo fazia parte da história, inclusive o fardamento. As crianças da parte oriental imediatamente foram conhecer o outro lado e se surpreenderam com o que viram. Elas  diziam: mãe, como o capitalismo é bom. Por aqui os pés de maçãs dão frutos até no inverno. Não entendiam que as frutas eram importadas e vinham de outras partes do mundo?.

Um ano depois, em 3 de outubro de 1990, a Alemanha comemorou a reunificação definitiva do estado: "Hoje, somos uma única nação. Não há mais restrições para quem está lá dentro. A Alemanha, como país moderno, integra por ano algo em torno de um milhão de pessoas. Isso se reflete nos centros urbanos e faz com que cidades como Frankfurt se tornem multiculturais?, finaliza o professor doutorado da PUC-SP Matthias Grenzer. Para Chico Santo, um país que deixa saudade: "Na Alemanha você é bem tratado desde o momento que desembarca no aeroporto. Por terra a fiscalização é um pouco mais intensa, com cães farejadores e armamento pesado, em alguns lugares. Mas, de todos os países desenvolvidos que estive, na Europa, a Alemanha é a que melhor sabe receber seus turistas, indiferente as cifras que estejam na carteira. Sem falar do chopp, que é iniqualável.? Da Alemanha, depois de percorrer a Europa de ponta a ponta, o jornalista retornou ao Brasil. Ficou em São Paulo menos de 24 horas. Tempo suficiente para tomar um banho e embarcar para a cidade de Rosário Central, terra natal de Che Guevara, Lionel Messi e Maradona. Lá, a Seleção Brasileira conseguiria, diante dos donos da casa, sua classificação para a Copa do Mundo da África do Sul.
ver mais notícias

Selecione a letra para o filtro

ÚLTIMOS CRAQUES