De Constantinopla a Istambul

O origem de Drácula, pela rota do conde...
Paula Vares Valentim
jornalista responsável
Se o objetivo era sobreviver, Chico Santo jamais deveria ter aterrissado em terras muçulmanas com uma camisa dos Estados Unidos. "Gosto de provocar. Além do mais, queria mostrar às pessoas que os dois povos podem conviver pacificamente. Sinto isso por parte dos norte-americanos que conheço. Quero acreditar que toda aquela história de 11 de setembro pode ser superada com inteligência. Evidentemente, não de quem atacou, mas, sim, pela parte mais inteligente, que arcou com centenas de vidas inocentes que se perderam em um gesto absolutamente desnecessário e hediondo. Estar com a camisa dos Estados Unidos em Istambul era como dizer o que vocês fizeram foi simplesmente algo deplorável e repudiado por qualquer cara que tenha um pouco de bom senso. Foi por isso que usei as cores da bandeira norte-americana desde o momento em que cheguei na Turquia até a partida para a Bulgária.? Situada às margens do Rio Negro, Istambul ainda hoje apresenta os traços do Império Otomano, combatido pelas forças de Vlad Tepes III durante o século XV. Construções antigas e palácios históricos podem ser vistos tanto na parte asiática quanto na porção européia da cidade. O comércio também respira as lembranças da idade média. É impossível comprar algo sem pechinchar. A influência bizantina fica evidenciada através dos cemitérios construídos com pilares trabalhados e lápides que datam de 1785. O cultivo aos mortos é reverenciado de acordo com a importância que as pessoas exerceram durante a vida. Algumas necrópoles se assemelham a um grande acampamento, onde os corpos repousam em tendas que transmitem a sensação da luxúria. "Indiscutivelmente, falamos de um lugar atípico no mundo. Istambul é a única cidade do mundo que está presente em dois continentes.? Com um turbante na cabeça e a camisa dos Estados Unidos no peito, o repórter chamou a atenção por onde passou. "Para um povo cujo fanatismo religioso muitas vezes se reflete nos mais bárbaros crimes do terrorismo, evidentemente, não era de se surpreender se um maluco tirasse um revólver do peito e me desse um tiro. Até porque o que teve de gente me olhando torto não foi brincadeira. E eu nem ligava. Nenhum mulçumano poderia me condenar por defender a paz, ainda que em forma de deboche.? Na velha Constantinopla, as sinagogas se perdem entre as centenas. Igrejas e capelas, no entanto, não fazem parte da arquitetura local. "Nenhuma religião, além do islamismo é permitida por lá. As autoridades não autorizam a construção de igrejas. Encontros de orações que não pertençam ao islamismo são proibidos também. Se você quer rezar tem que orar com cuidado para que ninguém te escute?, afirma Matthias Grenzer, professor e doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Apesar do espírito de imposição muçulmana, a entrada nas sinagogas, indiferente à religião, é permitida a todos. "Estive em várias sinagogas. Sempre com a camisa dos Estados Unidos. Uma das que mais me chamou a atenção foi a Mesquita Azul, construída entre 1609 e 1616.? Algumas regras, entretanto, são obrigatórias aos turistas. Para não ferir os costumes islâmicos, quem vai ao local tem que seguir à risca as normas impostas pela tradição. "Todo mundo se lembra do caso do jornalista iraquiano Muntazer al-Zaidi que atirou um sapato no ex-presidente dos Estados Unidos George Bush. O que as pessoas não sabem é que não foi apenas um simples arremesso de um objeto qualquer. O sapato, dentro da religião islâmica, é considerado algo extremamente impuro. Mas ou menos como a escória do corpo humano. Então, quando você vai a uma sinagoga, obrigatoriamente, você tem que entrar descalço. Em alguns lugares, há a opção de ensacar o calçado. Se você desrespeitar isso, certamente, estará cometendo algo tão grave quanto entrar em uma mesquita de turbante na cabeça com a camisa dos Estados Unidos?.
A crença ao islamismo chega ao que, para muitos, pode ser considerado um ato de radicalismo. "Mais do que as filas que se formam do lado de fora entre os muçulmanos que se recusam a entrar no templo sagrado sem que os pés sejam limpos, o que me chamou a atenção foi a impotência das mulheres dentro do próprio país. Elas são obrigadas, por exemplo, a cobrir os cabelos. Em muitas regiões sequer podem mostrar os rostos. Nas praias, diante de temperaturas altíssimas, são as únicas a estarem vestidas de preto. Fico imaginando a Marta Suplicy vivendo em um lugar como aquele...?. Outro ponto de grande visitação pública é a Hagia Sophia, traduzida ao português como Basílica de Santa Sofia. "O edifício ecumênico foi construído entre 532 e 537 pelo Império Bizantino para ser a Catedral de Constantinopla. Em 1453 foi convertido à mesquita e meio século depois, em 1935, se tornou um dos mais preciosos museus do mundo. Está situado exatamente a frente da Mesquita Azul.? Do lado asiático, o destaque fica por conta da Torre de Gálata. "É o cume da cidade, com uma altura de 66,9 m. Foi construída em 1348 e está em uma região, de fato, muito bonita, com bondes vermelhos e comércio de especiarias.?

Não foi por acaso que a Turquia se tornou um dos alicerces de embasamento da obra de Drácula. A briga entre cristão e muçulmanos, presente, em dias atuais, de forma implícita, em Istambul, se tornou o presságio na obra de Bram Stoker. "Não é de hoje que observamos essa dificuldade de interação entre as duas religiões. Há uma dificuldade grande na Turquia. Sabemos de casos de pessoas que tiveram problemas por andar com bíblias debaixo do braço em Istambul?, afirma o professor doutor Matthias Grenzer da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tido, historicamente, como um grande guerreiro, Vlad Tepes III participou da luta contra os turcos após a queda de Constantinopla. A batalha é descrita no livro através do famoso combate entre cristãos e islâmicos. "O romance, cujo início e o próprio desfecho se dá na Romênia, começou a ser redigido em 1890, mas só foi publicado quase uma década depois, em 26 de maio de 1897. Segundo o autor, Drácula carregou a cruz de Cristo e se revoltou após a morte de sua mulher, vista centenas de anos depois, na Inglaterra. O conde, então, deixa a Valáquia e no Reino Unido, durante sua caçada, se vê obrigado a voltar à Transilvânia. Esta é a rota de Drácula. Ele deixa a cidade de Londres pelo Rio Tâmisa à bordo do navio Czarina Catherine e desembarca no Porto de Varna, na Bulgária, passando pelos mares Mediterrâneo, Mármara e Negro.?
Seu rascunho original tem como personagem central a jovem Lucy Harker, que, na imaginação de Stoker, é a reencarnação de Elisabetha, a amante de Vlad Tapes III. "Histórias misteriosas, contos mal assombrados e uma combinação de medo, misticismo e romance. São algumas das estacas que sobrevivem ao tempo e permanecem intocadas entre as lendas e os mitos que cercam a vida de Vlad Tepes III, o príncipe da Valáquia conhecido pelos romenos como O Empalador?, opina Santo. Da verídica história do cavaleiro cristão, que lutou contra o expansionismo islâmico na Europa e acabou morto pelos turcos em dezembro de 1476, entretanto, nenhum outro atributo melhor o identifica do que o sombrio codinome que lhe deu a imortalidade artística através do apelido de Conde Drácula. "As pessoas sempre associam Vlad Tepes a figura do Drácula. Era essa a intenção do próprio Bram Stoker. Evidentemente, ele não era um vampiro. Sabemos que ele era uma pessoa temida na Romênia principalmente pela crueldade que matava seus opositores, mas evidentemente, não era um cara com poderes sobrenaturais?, acrescenta Chico. 

Em relação ao seu fascínio pela morte, segundo os próprios romenos, são muitos os registros que atribuem ao conde a característica de crueldade exercida em seus inimigos. "Ele empalava vivo quem quer o desobedecesse, o que, conseqüentemente, fazia dele o personagem ideal para inspirar um conto de terror, como fez o escritor irlandês Bram Stoker cerca de quatro séculos após a sua morte?, acrescenta o repórter. A origem do nome Drácula vem da Ordem do Dragão e foi criada em 1431 pelo rei da Hungria para, entre outras funções, garantir proteção à família real. "Era um movimento religioso que tinha Vlad II Dracul, pai de Vlad Tepes III, como um dos seus membros da cúpula. Por aí podemos entender porque Vlad Tepes III passou a se chamar `Draculea`. Na realidade foi uma homenagem ao seu pai, já que, por sangue, ele era mesmo o filho de Drácula, que em romeno significa diabo?.
Vlad Tepes III nasceu em Sighisoara, na Transilvânia, em 1431 e alcançou o trono pela primeira vez em 1448, espalhando terror pela Europa durante parte da segunda metade do século XV: "Em síntese, os romenos dizem que ele foi um grande governante para o país e que o mundo não conhece a sua história verdadeira. Obviamente, ele não era um vampiro. Nunca foi um vampiro. Usava sua brutalidade para intimidar o crime ou possíveis invasões, Dizem que quem era correto não tinha problemas. Em contrapartida, quem desobedecesse as regras era castigado....?
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