Copa do Mundo de 2006

Copa do Mundo de 2006
Por Chico Santo
Trinta e dois anos depois de sediar a Copa do Mundo de 1974, a Alemanha voltou a ter em seu território o campeonato de futebol mais cobiçado do planeta. Em 2006, entretanto, diferente do que acontecera apenas na parte ocidental do Muro de Berlim, o mundial foi organizado em todo o país do antigo império germânico. Previsto, a princípio para a África do Sul - o que acabou ocorrendo quatro anos depois -, Inglaterra, Marrocos e Brasil também estiveram na briga pelo direito de receber a competição, aberta oficialmente em Munique com a vitória por 2 a 1 da Alemanha diante da Costa Rica. Mais uma vez, a Seleção Nacional do Brasil chegou como favorita ao título após a conquista da Copa das Confederações de 2005 e a inquestionável campanha apresentada nas Eliminatórias Sul-Americanas. Para a Decision Technology, empresa especializada em prognósticos, fórmulas matemáticas e volumes de estatísticas, o título seria do Brasil com 13,1% de probabilidade ? o mais alto registro do estudo que englobou 4500 partidas de futebol desde o ano de 2002 -, colocando, apenas, as Seleções da França, Holanda e República Tcheca como ameaças ao Brasil, segundo as equações logarítmicas. Já o escritor Gary Rimmmer, autor de "Football freaking?, dizia que a final do mundial seria realizada entre Brasil e Argentina, com vitória brasileira por 2 a 1, após uma análise de 164 páginas de estatísticas que revelavam ainda que a Inglaterra derrotaria a República Tcheca na disputa pelo terceiro lugar. Os bookmakers britânicos e os milhões de clientes das casas de apostas não ficavam atrás. No portal Willian Hill, se o Brasil vencesse, o apostador receberia ? 3,25 (cerca de R$ 9,55) por cada euro especulado, enquanto para a Inglaterra, a segunda equipe no ranking da credibilidade, seriam pagos ? 7,50 (aproximadamente R$ 22,00). No site de apostas Betandwin, o Brasil além de ser favorito aparecia em cinco situações de decisão, contra Itália (? 13,00 por ? 1,00), Alemanha (? 13,00 por ? 1,00), Argentina (? 15,00 por ? 1,00), França (? 23,00 por ? 1,00) e Inglaterra (? 23,00 por ? 1,00). Na Austrália, de acordo com a agência de apostas nacional Tab Sportsbet, uma vitória brasileira renderia US$ 2,00 ao vencedor, frente aos US$ 3,75 da Inglaterra e US$ 4,25 da Alemanha.

No Brasil, pessoas de todas as idades mostravam-se confiantes com a conquista da taça. O comércio de camisas da seleção chegou a sofrer com a possibilidade do aumento de uma nova estrela e na pesquisa efetuada pela CNT/Senus, com uma margem de erro de 3 pontos percentuais, 79,8% dos brasileiros, de um total de 2 mil entrevistados ouvidos em 195 municípios do país, estavam certos de que a Seleção Brasileira seria campeã, enquanto apenas 3,4% apostavam na Alemanha e 1,1% na Argentina. A preeminência, entrementes, foi repudiada pelo jornalista Flavio Prado, em uma de suas participações no Jornal de Esportes da Jovem Pan: "Só quero falar que não é normal uma seleção ganhar a Copa do Mundo. Geralmente, não é o que acontece. O Brasil chegou a três finais seguidas, mas isso é uma exceção. O torcedor brasileiro tem que entender que o título mundial não é algo que acontece toda hora?.

O BRASIL NA COPA
Se em 2006 a Seleção Brasileira era o time a ser batido, Zinedine Zidane encarregou-se do fato. Depois de vencer a Croácia (2 x 1), Austrália (2x0), Japão (4x1) e Gana (3x0), em Dortmund, o Brasil assistiu ao desfile do meia. Com um talento absolutamente inquestionável, Zidane fez o que bem entendeu com o Brasil. Em campo, como se estivesse com o cavalo de Napoleão Bonaparte, passeou com a bola nos pés. Correu livre de marcação sob o olhar de admiração de seus oponentes e chamou para si a responsabilidade do jogo. Um peso a menos para o atacante Ronaldo, no reencontro entre os dois protagonistas da final de 1998. A dialética entre os dois, por sinal, foi evidente. Enquanto Ronaldo demonstrava falta de fôlego, Zidane distribuía chapéus e abusava de sua capacidade técnica. Atuou como se fosse um maestro, um regente de sonatas e sinfonias. Comandou sozinho pelo meio-de-campo toda a harmonia de exuberância sui generis e na mais pura tradução da realidade, flutuou pelo gramado diante de um olhar galanteador subjulgado pelo brilho de suas chuteiras. Doce romantismo.

Nas arquibancadas de Dortmund, torcedores do mundo inteiro ficaram boquiabertos. Foi à noite em que o império reinou à moda antiga. Suspiros e aplausos soaram pelo ambiente. Não houve quem desejasse trocar seu ingresso. Zinedine Zidane silenciou o futebol pentacampeão com eloqüência e compostura. Para o Brasil, nada pôde ser feito. Carlos Alberto Parreira, com o comando técnico do time, pela primeira vez desde o início da Copa do Mundo, pressentiu o pior. Ao lado de Mário Jorge Lobo Zagallo, o treinador esboçou sintomas de aborrecimento com relação ao rendimento de sua equipe. Nada funcionou naquela noite de 1o de julho de 2006. Lúcio e Juan, mais uma vez, estiveram sobrecarregados; Gilberto Silva, Zé Roberto e Juninho Pernambucano não se entenderam; Cafu e Roberto Carlos estavam cansados; Kaká machucado, Ronaldinho Gaúcho apagado e Ronaldo - aceite ou não - gordo. Tudo conspirou para a precoce eliminação dentro da Copa do Mundo, em uma desclassificação simplesmente natural. O reflexo da apatia brasileira pelo gramado chocou-se com a confiança do grupo apresentada antes do início da partida. Foi o que se observou em cada um dos depoimentos concedidos pela delegação verde-amarela nos momentos que antecederam ao confronto. Com espiões espalhados por toda Alemanha, Carlos Alberto Parreira tinha na ponta da língua as palavras a serem enfatizadas em sua última preleção. Nada adiantou: "As principais seleções, sobretudo as européias, têm bons cabeceadores. Mas nossa defesa, com Juan e Lúcio, também é forte?.

Os brasileiros sabiam como a França se comportaria dentro de campo e tinham conhecimento do esquema de jogo que seria implantado pelo técnico Raymond Domenech. Não havia dúvidas de que a França entraria em campo disposta a abusar dos levantamentos de Zidane: "Bola aérea é sempre uma jogada difícil. O negócio então é evitar os cruzamentos. Cruzamento na área é sempre uma jogada importante no jogo. Tem decidido muitas partidas do futebol mundial. A gente tem treinado muito para ficar sincronizado. É uma jogada característica do futebol europeu, onde tem grandes cabeceadores?, revelou Juan. Com a mesma linha de raciocínio, Kaká complementou: "As nossas principais preocupações são com as bolas paradas e com os lançamentos na área. Estamos vendo no começo desse Mundial que as bolas paradas podem mesmo definir as partidas. E o máximo que podemos fazer é evitar que isso aconteça contra nós. Para isso, precisamos posicionar nossa marcação mais à frente, de modo a evitarmos faltas perto da área e escanteios.? Cafu discordou: "Não tememos o jogo aéreo, já provamos isso. Acho que devemos estar atentos a todo o tipo de jogada?.

Na teoria, o Brasil teria de se preocupar apenas com os lances de bola parada, os levantamentos de Zinedine Zidane e as investidas de Thierry Henry. Bastava, em síntese, uma atenção redobrada sobre os dois atletas para que não houvesse grandes surpresas: "Eles têm o Henry, o segundo melhor atacante do mundo. Passaram por uma reformulação. Tem jogadores jovens muito bons e ainda juntaram a experiência de jogadores como Zidane?, afirmou Cris. Lúcio acrescentou: "Não temos que ter cuidado só com o Henry, mas com todo o sistema ofensivo da França. O setor de meio-campo deles é muito criativo, com o Zidane por ali. Mas é claro que todo cuidado é pouco com o Henry. É um jogador muito rápido e habilidoso. Temos que trabalhar em equipe, principalmente ali na defesa, para pará-lo?.

O gol da França era conhecido muito antes do apito inicial. Seu desenho transcendia o limítrofes do tempo. Sem nenhuma surpresa, a Seleção Brasileira foi eliminada da competição justamente através de um levantamento de Zidane, em uma jogada onde Thierry Henry entrou livre de marcação na pequena área para completar sozinho para o fundo as redes. A cena de opulento francês foi antecipada pelo meio-campista Juninho Pernambucano dias antes de sua execução: "Eles fazem muito bem essa jogada, é um grande perigo. Esses lances de bola parada, com os cruzamentos do Zidane para a área, são muito perigosos?. Apesar disso, Roberto Carlos deu às caras. No momento do cruzamento que colocaria um ponto final na campanha brasileira de 2006, ao invés de ajudar na marcação, o lateral esquerdo arrumava suas meias, agachado junto a entrada da área, como se fosse um conto de Cinderela. Roberto Carlos sustentaria a contradição de suas atitudes com o argumento de suas palavras: "Essa competição será decidida nos detalhes?, disse, de olho no relógio. O erro comprometeu o sistema defensivo brasileiro através de uma sucessão de falhas que culminou com a indecisão de Dida, na bola alçada dentro de sua pequena área: "Antes do jogo a gente combina e determina quem vai marcar cada um dos adversários. A pressão em cima dos zagueiros e do goleiro é sempre maior do que para qualquer outro atleta. O atacante erra uma, erra duas, mas ao marcar um gol, ninguém lembra mais desses erros. No caso dos zagueiros é diferente. Se a gente erra, ninguém esquece. Cada um tem a sua função e a sua obrigação. Os jogadores de ataque têm um dom que Deus deu a eles, de jogar futebol melhor que a gente?, posicionou-se Juan.

Todavia, sem o treinamento adequado, as teorias não foram colocadas em prática e os sinais de que a Copa do Mundo havia, enfim, começado, não foram entendidos: "Vai ser o jogo mais difícil para o Brasil, mais até que a semifinal e a final. Se passarmos, teremos 90% de chance de ganhar o título?, comentou Edmilson, cortado do time dias antes do início do mundial. Até aquela determinada partida, a Seleção Brasileira não havia sido testada. Dos quatro primeiros duelos realizados na Alemanha, nenhum deles servia como referência. Os jogos contra Croácia, Austrália, Japão e Gana foram superficiais e mesmo com a fragilidade das respectivas equipes, o Brasil encontrou dificuldade para vencer. Sem apresentar um bom futebol, sobravam desculpas. Muitas delas diziam que o importante eram os três pontos. Outras, no entanto, iam além: "Eu espero que na próxima fase as seleções joguem de igual para igual com o Brasil. As seleções que a gente jogou têm uma marcação sempre forte. Quando nós enfrentamos a Argentina e a Alemanha, que jogam de igual para igual com a Seleção, nós desempenhamos o nosso melhor futebol?, disse Robinho. Contra a França, o Brasil teve seu desejo realizado. Enfrentou um time forte, equilibrado e sobretudo disposto a dar show, exatamente como fez Zinedine Zidane. Não teria sido melhor se a Seleção Brasileira tivesse encontrado pela frente uma equipe que não "jogasse de igual para igual?" Palmas para Zidane.

A campeã
A Copa do Mundo de 2006 resgatou o respeito italiano. Apesar do futebol pífio, da equipe desajustada e nitidamente sem entrosamento, a Azzurra obteve resultados respeitáveis e chegou a quarta conquista mundial da história. Na fase de grupos, estreou com a vitória de 2 a 0 em cima de Gana, empatou em 1 a 1 diante dos Estados Unidos e derrotou a República Tcheca por 2 a 0. Classificada como a primeira colocada do grupo, passou pela Austrália nas oitavas-de-finais com o magro placar de 1 a 0. Na sequencia, atropelou a Ucrânia com uma goleada de 3 a 0. Contra a Alemanha, dona da casa, os italianos conseguiram o direito de disputar a final com dois gols marcados na prorrogação. O último adversário foi a França.

Foi um duelo entre Zinedine Zidane e Materazzi. Até hoje, muito se fala sobre os reais motivos que levaram a expulsão de Zizou. Em entrevista concedida à TV francesa Canal Plus, o capitão dos Les Bleus se explicou. "Tudo começou com ele puxando minha camisa. Pedi a ele que parasse e brinquei, dizendo que se ele queria tanto a camisa eu a daria a ele no final do jogo. Eu até fui embora quando ele começou a me insultar, mas não me contive. Foram coisas muito pessoais que afetavam minha mãe e minha irmã. Quando você escuta uma vez, vai embora. E foi o que fiz. Mas quando ele continuou dizendo, duas, três vezes... As palavras me atingiram no que há de mais profundo. Antes de tudo sou um homem e preferia ter recebido um soco na cara. As palavras, às vezes, são mais duras do que os gestos, mas todos prestam atenção apenas à reação. Claro, o que fiz tem de ser punido. Mas se não há uma provocação, não pode haver uma reação. É necessário castigar o verdadeiro culpado e o culpado é quem provocou. Vocês acham que numa final de Copa do Mundo, quando faltam dez minutos para minha aposentadoria, eu faria um gesto desses porque me causa prazer? Me desculpo pelas crianças que viram a cena. Meu gesto não é perdoável e, claro, não é algo a se imitar. Quero dizer isso em alto e bom som para os milhões de telespectadores que me assistiram. Sempre aceitei todas as críticas, porque considero normais as críticas esportivas. Mas quando o teor deixa o cenário esportivo, é diferente. Não há justificativa.

Materazzi, por outro lado, admitiu o insulto a Zidane, em entrevista ao jornal italiano, Gazzetta dello Esporte, mas negou qualquer tipo de ato racista. "Foi um daqueles insultos que se ouvem dezenas de vezes e que geralmente ficam no gramado. Só tenho a dizer que, para mim, a mãe é sagrada. Não lhe disse nada de aspecto racista, religioso ou político. Também não falei de sua mãe. Perdi a minha aos 15 anos e até hoje me emociono ao falar do assunto?, comentou.

Antes do polêmico lance que resultou na expulsão de Zidane no 2º tempo da prorrogação da partida, os dois já haviam sido o destaque do jogo. Aos 7 minutos da etapa inicial, com extrema categoria, Zinedine Zidane abriu o placar após converter um pênalti cometido por Materazzi. O zagueiro italiano se recuperou do erro e de cabeça deixou tudo igual aos 19 minutos. O duelo terminou empatado. Nas cobranças de pênalti, Pirlo, Materazzi, De Rossi, Del Piero e Grosso marcaram para a Azzurra enquanto Abidal, Sagnol e Wiltord assinalaram para a França. Trezeguet foi o único a perder, para tristeza da França e consagração da Itália que, ao fim das contas, saiu de cabeça erguida.
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