Copa do Mundo de 1994

O tetracampeonato brasileiro nos pés de Baggio
por Chico Santo

Em 1994, a Copa do Mundo voltou a ser disputada na América do Norte. Na 15ª edição do mundial a FIFA fez dos Estados Unidos a nação anfitriã da bola. No campeonato mais frio da história das copas, o que se viu por trás das câmeras foi um país em que o futebol simplesmente não teve o mesmo espaço que o baseball e o basquete, sobretudo, diante dos olhos americanos. Em outras palavras, na ponta da língua de alguns dos principais correspondentes internacionais do Brasil, o torneio se destacou como o mais frio de todos os tempos. "Concordo plenamente! Você imagina a vida de um jornalista em um país que não se fala futebol. Nos Estados Unidos o futebol só entrou para as manchetes do esporte duas semanas antes do início da Copa", afirma Ivan Zimmerman. O atual narrador da TV Bandeirantes, na época correspondente da Rádio Jovem Pan e um dos pilares da implantação da ESPN Brasil nos Estados Unidos, acompanhou todo o processo de formatação do torneio, um dos mais sem graças do ponto de vista passional. "Trabalhar nessa condição é bem complicado porque eu tinha que me virar para encontrar assuntos que não existiam. Eu arrumava notícia de jornais de língua espanhola. Do jornal americano, não aparecia nada. Era muito complicado. Eu falava muito sobre estádios, que eu conhecia bem. Os estádios eram de futebol americano. Escrevia sobre a organização, em si. Mas o futebol em si, foi muito difícil. Aprendi a ser um repórter investigador".
 
Ao todo, 24 seleções participaram da competição. Curiosamente, a Inglaterra - colonizadora dos Estados Unidos - bem como os demais países do Reino Unido, não conseguiu se classificar para a Copa. Chile, suspenso em virtude da armação de Roberto Rojas nas Eliminatórias de 1990, e Iugoslávia, proibida de jogar em decorrência das consequencias da Guerra da Bósnia, também ficaram de fora. Arábia Saudita, Grécia, Nigéria e Rússia, por outro lado, estrearam no torneio da FIFA. Foi o ano em que a Alemanha, após a queda do muro de Berlim, apareceu reunificada.

A grande decepção ficou por conta de Diego Armando Maradona. O meia argentino foi flagrado no exame anti-doping da partida contra a Nigéria. No jogo entre Estados Unidos e Colômbia, Andrés Escobar marcou um gol contra. Ao retornar a Medellín onde morava, justamente na terra de Pablo Escobar, foi assassinado em um restaurante. Tido como culpado pela fraca campanha de Camarões, Joseph-Antoine Bell teve a casa incendiada por torcedores do próprio país. Roger Milla, em contrapartida, entrou para as páginas de estatística da FIFA como o atleta mais velho a comemorar um gol. O camaronês de 42 anos de idade balançou as redes no primeiro minuto da etapa complementar no duelo contra a Rússia de Oleg Salenko, artilheiro do mundial com seis tentos anotados ao lado do búlgaro Hristo Stoitchkov. Debaixo das traves, Gianluca Pagliuca foi o destaque. O italiano foi o primeiro arqueiro a receber um cartão vermelho depois de dar um soco na bola fora da área contra a Noruega. Itumeleng Khune, da África do Sul, repetiria o feito em 2010... Sergey Gorlukovich, contudo, quebrou qualquer tipo de prognóstico. A exemplo do que já havia acontecido com o italiano Giampiero Marini em 1982, conseguiu receber o cartão amarelo antes mesmo da partida ser iniciada.
 
O Brasil na Copa
 
A Seleção Nacional do Brasil não vivia um bom momento em 1994. Basta dizer que o time de Carlos Alberto Parreira só conseguiu se classificar para o mundial na última partida das Eliminatórias da Copa. O histórico jogo contra o Uruguai, em 19 de setembro de 1993, no Maracanã, marcou a volta de Romário ao time com uma das melhores e mais importantes atuações do Baixinho com a camisa da Seleção Brasileira. Autor dos dois gols da vitória por 2 a 0, Romário convenceu o treinador que seus gols pesavam mais a favor do que a inquestionável fama de indisciplina do atleta.
 
Além de Romário, Taffarel, Jorginho, Ricardo Rocha, Ronaldão, Mauro Silva, Branco, Bebeto, Dunga, Zinho, Raí, Zetti, Aldair, Cafu, Márcio Santos, Leonardo, Mazinho, Muller, Ronaldo Nazário, Paulo Sérgio, Viola e Gilmar participaram da campanha do tetracampeonato mundial. Mário Jorge Lobo Zagallo era o auxiliar técnico. "Teve um treino da Seleção que todos os jogadores estavam liberados para a imprensa. Eu fiz uma entrevista com o Zagallo. Depois daquela entrevista eu disse para um amigo: O Brasil vai ser campeão. Era o último amistoso contra El Salvador. O Brasil venceu de 4 a 0.Teve até cavalaria dentro do estádio. Os americanos estavam assustados de tanto que eles ouviam falar em violência nos estádios. E o contato da imprensa no futebol é direto, mais pessoal. E com os americanos é tudo diferente. Na coletiva. Eu fiquei com aquele feeling que o Zagallo passou, de que o Brasil sairia mesmo campeão", recorda Ivan Zimmerman.

O Velho Lobo, na histórica entrevista exclusiva concedida ao Terceiro Tempo no dia em que completou 80 anos, falou sobre a conquista da taça. "Para mim, você participar de uma Seleção Brasileira, é de grande importância. Eu tive essa felicidade. Eu participei de 7 Copas do Mundo, com 4 títulos e um vice-campeonato. Eu me vanglorio, digamos assim, porque eu sou um brasileiro e que teve o maior número de títulos mundiais no mundo todo. Para mim é importante. Massageia o meu ego".

A bem da verdade, a Seleção Nacional do Brasil não levantava a Copa do Mundo desde 1970. Um jejum de exatos 24 anos que começou a ser quebrado em 20 de junho de 1994, na cobrança de escanteio de Bebeto seguida pelo toque de peito de pé de Romário para o fundo das redes do goleiro Dimitri Kharine. Vitória com placar enganoso, diante de um jogo truncado e marcado, também, pelo pênalti bem batido de Raí aos 50 minutos do 2º tempo na única partida em que o meia revelado pelo São Paulo não foi substituído.

Quatro dias mais tarde, contra Camarões, a Seleção Brasileira abriu o placar em uma jogada construída por Dunga. Depois de destruir um lance de ataque do time africano, o então capitão brasileiro, quase que instintivamente, esticou a bola para Romário no comando ofensivo. Na cara do gol, o camisa 11 chutou com categoria na saída de Joseph Bell. No segundo gol, Dunga foi mais uma vez decisivo. O volante deu a assistência para o cruzamento de Jorginho na cabeça de Márcio Santos. Bebeto, aos 28 do 2º Tempo fechou o placar e garantiu a classificação para as oitavas-de-final.

Na última partida antes da fase eliminatória, em 28 de junho de 1994, a equipe de Carlos Alberto Parreira sofreu contra a Suécia. K. Andersson abriu o placar para o time escandinavo ao encobrir Taffarel aos 23 minutos da etapa inicial. O gol de empate brasileiro, evidentemente, saiu dos pés de Romário. Aos 46 minutos, nos descontos do primeiro tempo, o atacante carregou a bola pela intermediária e de bico evitou que a Seleção Brasileira deixasse o estádio Pontiac Silverdome com a derrota. Até porque, nos 45 minutos finais, os times abdicaram do espetáculo.

Em 4 de julho de 1994, exatamente no dia em que os Estados Unidos comemoram a independência, naquela que é considerada a data de maior patriotismo americano, o Brasil encarou os donos da casa. Cerca de 84 mil pessoas lotaram o Stanford Stadium de São Francisco. Quando a partida se aproximava do final, aos 28 minutos do 2º Tempo, Galvão Bueno, o lendário narrador de esportes da TV Globo, descreveu o gol que carimbou o passaporte brasileiro para as quartas-de-final. "Com 28 (minutos) serão 17 para o final. Lá vem Brasil. Cadê o gol? Romário, parte o Baixinho, a esperança é sempre você! Vai Romário! Vai Romário! Acredita! Faz Bebeto! Faz Bebeto! Faz Bebeto! Gol, gol, gol, Gooooool...".

Contra a Holanda, em 9 de julho, entretanto, a Seleção Brasileira teve o compromisso mais difícil do mundial. Aos 8 minutos do segundo tempo, Aldair enfiou uma bola com extrema categoria da defesa para o comando de ataque com Bebeto. O camisa 7, em posição legal, cruzou para Romário abrir o placar. Aos 18 minutos, Bebeto comemorou o famoso gol dedicado ao seu filho Matteus em homenagem ao alemão Lothar Matthäus. Um minuto mais tarde, entretanto, Bergkamp diminuiu. Os holandeses, então, chegaram ao empate aos 31 minutos. Na cobrança de escanteio, Winter deixou tudo igual. Aos 35 minutos, Branco soltou a bomba na cobrança de falta da intermediária. A bola, mais uma vez, procurou Romário. O atacante se esquivou do lance para não atrapalhar o chute do companheiro e comemorar o gol da vitória por 3 a 2.

A exemplo do que já havia ocorrido na primeira fase, Brasil e Suécia se encontraram na semifinal. O time do norte europeu, responsável pela perda de dois pontos da Seleção Brasileira, no empate em 1 a 1, mais uma vez deu trabalho. No duelo de 13 de julho a partida só foi decidida aos 40 minutos do segundo tempo. Jorginho cruzou da direita, Raí passou batido e Romário fuzilou. Foi o último gol do Brasil na Copa do Mundo. A Seleção estava, fim, de volta a uma final de mundial.

Em 17 de julho de 1994, Brasil e Itália chegaram na Califórnia com a certeza de que uma das duas equipes atingiriam a hegemonia do futebol mundial. Empatadas na época, com três títulos cada, a taça do mundo valia a conquista inédita do quarto título. Durante o empate em 0 a 0, os dois times tiveram chances claras de matar a partida no tempo normal. Na mais clara delas, Mauro Silva chutou da intermediária, Gianluca Pagliuca falhou e a bola beijou caprichosamente a trave. O jogo, então, foi levado para a prorrogação e decidido nos pênaltis. Pela primeira vez na história das Copas, o vencedor de uma final saiu das penalidades.

Na abertura da série, Franco Baresi isolou a bola. Na sequencia, Gianluca Pagliuca pegou o chute de Márcio Santos. Demetrio Albertini, Romário, Alberigo Evani e Branco converteram. Daniele Massaro, não. Dunga, então, colocou o Brasil na frente. Na última cobrança, Roberto Baggio chutou por cima e deu ao Brasil o título mundial. A comemoração ficou marcada pelo xingamento do capitão brasileiro. Ao levantar a Copa do Mundo, Dunga emendou o nada polido "vai tomar no...". A cena correu o mundo.
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