Copa do Mundo de 1978

O mundial que escondeu a ditadura da Argentina
Por Chico Santo
Em 1978, a exemplo do que já havia ocorrido em 1934 na Itália, diante da realidade fascista de Benito Mussolini, a FIFA ignorou as manifestações populares políticas da Argentina, conforme citou o repórter Andrew Jennings da BBC - tido como o inimigo número 1 da entidade ? em sua obra investigativa intitulada de "Jogo Sujo, o Livro que a FIFA tentou proibir?. Mergulhada em uma ditadura avassaladora, o mundial de futebol foi disputado em meio ao período histórico que ficou conhecido como "Guerra Suja?.
O termo, designado para denominar a onda de violência indiscriminada, perseguições, repressões ilegais, tortura sistemática, manipulação e terrorismo do Estado esteve longe de ser o foco principal da competição. Dados oficiais da Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas estimam uma variação de 9 a 30 mil desaparecidos de acordo com o número de denúncias apresentadas. Pelo levantamento da Secretaria de Direitos Humanos da Nação Argentina o índice aponta para 13 mil casos. Um número muito maior do que os 102 gols marcados em todo o mundial com a inexplicável goleada da Argentina sobre o Peru por 6 a 0.
Foi a Copa em que Johan Cruijff se recusou a jogar. Uma forma de protesto contra a falta de bom senso. O mesmo tentou, sem êxito, a Seleção Nacional da França. O motivo está ligado à associação do assassinato de freiras francesas pelo Regime Militar. Os "azuis? protagonizaram um dos episódios internacionais que mais marcaram a carreira do árbitro Arnaldo César Coelho. No duelo contra a Hungria, os Le Bleus, em um claro sinal contra a fraca atuação do quadro de arbitragem da FIFA entraram vestidos de branco. A tonalidade era a mesma utilizada pela equipe húngara e a partida só foi iniciada quando os franceses trocaram o uniforme alvo pelas cores do vestuário do Kimberley, time amador da Argentina que cedeu a indumentária de última hora.
O próprio Brasil sentiu na pele o problema. Na partida contra a Suécia, Zico fez de cabeça o gol que daria a vitória brasileira nos acréscimos. O juiz galês, Clive Thomas, anulou a jogada, misteriosamente, após ter autorizado a cobrança do escanteio. No mesmo mês o jornal inglês Sunday Times denunciou, ainda, que os argentinos estavam manipulando os testes antidoping.
A organização, supostamente tendenciosa, também deixou a desejar. Enquanto a Argentina jogou praticamente todos os jogos em Buenos Aires, percorrendo ao longo da Copa 618 quilômetros, o Brasil, por exemplo, registrou a significativa milhagem de 4659 quilômetros em sua excursão esportiva. Nas partidas decisivas, a FIFA alterou o horário dos duelos de forma que a Seleção Portenha saiu beneficiada. O motivo alegado pela instituição máxima do futebol era que as redes de televisão nacionais precisavam se adaptar ao sistema de transmissão à cores, utilizado pela primeira vez na Copa do Mundo do México, oito anos antes.
O resultado mais questionado da competição ocorreu na vitória por 6 a 0 da Argentina diante do Peru. Em 24 de junho, no Estádio Gigante de Arroyito, em Rosário, a dona da casa precisava vencer por um placar superior a 4 gols para se classificar à final contra a Holanda. O primeiro tempo terminou com a vitória parcial da Argentina por 2 a 0. O Peru, do goleiro argentino naturalizado peruano, Quiroga, tomou quatro gols na etapa complementar. O Brasil, que não disputou a partida no mesmo horário que a Argentina, perdeu a vaga no saldo de gols e terminou a Copa do Mundo de 1978 como a única equipe invicta da competição. O título argentino acabou com os protestos das "Mães da Praça de Maio?, cuja manifestação tinha o intuito de buscar informações sobre o desaparecimento dos respectivos filhos.

Mais do que uma equipe recheada de bons jogadores, com a presença do matador Mario Kempes e do zagueiro Daniel Passarela ? tido como o principal atleta portenho da posição, em 1978 a Seleção Nacional Argentina ficou marcada, acima de tudo, pela ausência de Diego Armando Maradona. Um jogador considerado acima da média desde as categorias de base, mas que na Copa da Argentina ficou de fora da equipe de César Luís Menotti por ser "jovem demais?.
Um erro grave que, diante da comprovada qualidade técnica de Maradona, poderia ter feito com que a Argentina ganhasse o mundial sem a influência indireta de seus ditadores. De qualquer forma, apesar de toda a controvérsia, a equipe portenha estreou com a vitória por 2 a 1 contra a Hungria em 2 de junho de 1978. Nos demais jogos da primeira fase, ambos em Buenos Aires no Estádio Monumental de Nunes, a Seleção Argentina apresentou dificuldades e, além da vitória apertada por 2 a 1 diante da França, saiu derrotada por 1 a 0 contra a Itália.
Sem um futebol significativo, extremamente abaixo do que o mundo conheceria em 1986, no México, o time de César Menotti terminou a fase de grupos em segundo e, com o nítido favorecimento da tabela, precisou disputar a vaga para a final em Rosário Central. Exatamente na terra em que nasceram Che Guevara, Messi e Maradona, a Argentina derrotou a Polônia por 2 a 0, empatou com o Brasil em 0 a 0 e, sabendo do resultado que precisaria para disputar o título mundial, goleou o Peru por 6 a 0 em um jogo iniciado às 19h15, quando a bola já havia parado na partida do Brasil diante da Polônia.
No saldo de gols, com 3 tentos a mais que a equipe brasileira, a Seleção da Argentina conquistou com a ajuda do regulamento o direito de disputar a final da Copa em Buenos Aires. Mais uma vez no Estádio Monumental de Nuñes, de onde não teria saído se tivesse terminado a primeira fase na liderança do grupo, a equipe portenha venceu a Holanda na prorrogação pelo placar de 3 a 1. Um título manchado, no mínimo, pela falta de coerência da FIFA.

Em 1978, a Seleção Nacional do Brasil esteve perto de conquistar o tetracampeonato mundial. Teria ido mais longe, a bem da verdade, se fossem levados em conta os critérios de bom senso e igualdade esportiva por parte da FIFA. Basta dizer que ao contrário da Argentina - nitidamente favorecida pela tabela - o Brasil precisou excursionar pelo país portenho para cumprir os compromissos da Copa.
Com um time amadurecido após o fracasso na Alemanha Ocidental, a Seleção Brasileira desembarcou na Argentina com uma equipe recheada de craques, entre os quais, se destacavam Roberto Dinamite, Zico, Toninho Cerezo, Edinho, Zé Maria e Reinaldo. Cabeça de chave do Grupo 3, o time do técnico Claudio Coutinho, empatou os dois desafios iniciais em Mar del Plata com o placar de 1 a 1 contra a Suécia, gol de Reinaldo, em 3 de junho de 1978 e 0 a 0 diante da Espanha. Na partida seguinte, frente a Áustria em 11 de junho, quatro dias depois do duelo frente a Fúria, vitória por 1 a 0 contra a Áustria. Roberto Dinamite foi quem balançou as redes.
A Seleção Brasileira terminou com a vice posição da chave, com o mesmo número de pontos que a Áustria. A equipe europeia, entretanto, mesmo em igualdade de gols com o Brasil, levou a melhor no critério de gols marcados. O expresso canarinho seguiu, então, para Mendoza, ao pé da cordilheira dos Andes para vencer o Peru por 3 a 0. Dirceu (2) e Zico, de pênalti, fizeram os gols.
Contra a Argentina em Rosário Central, sede fixa da equipe portenha, eqüidistante a 1085 quilômetros a oeste, empate em 0 a 0. O Brasil, então, retornou à região do Aconcagua, o pico mais alto da América do Sul para bater a Polônia por 3 a 1 com dois gols de Roberto Dinamite e outro de Nelinho. O Brasil, entretanto, deu adeus a taça de campeão do mundo por uma diferença de 3 gols de saldo para a Argentina que entrou em campo contra o Peru sabendo do resultado que precisaria para se classificar.
Na disputa pelo 3º e 4º lugar, em Buenos Aires, no Estádio Monumental de Nuñes, em 24 de junho de 1978, a Seleção Nacional do Brasil se despediu da Copa com uma vitória por 2 a 1 frente a Itália. Quatro anos mais tarde, o time canarinho apresentaria na Espanha uma das melhores seleções da história. O título, contudo, seria apenas um detalhe diante do futebol apresentado pelos subordinados de Telê Santana.
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