Chico Santo, Londres - meia noite

Pela rota do conde Drácula
Paula Vares Valentim
jornalista responsável
Não foi uma recepção calorosa. "Fiquei quase uma hora na migração.? Basicamente, o que as autoridades inglesas queriam saber era o motivo que levara o repórter internacional a chegar em Heathrow, depois de sair do Leste Europeu e percorrer toda a Escandinávia, como um aventureiro. "Definitivamente, o bicho pega na Inglaterra. Sempre soube de muitos casos de brasileiros que não puderam entrar. Então, não ajudou em nada o fato da minha passagem de volta para São Paulo partir de Frankfurt, na Alemanha. Sendo sincero, eu fiz exatamente tudo aquilo que é desaconselhado para quem chega em Londres. Mas a verdade é que, diante de um sorriso verdadeiro e um bom coração, não existem portas no mundo que se fechem.? O visto de permissão de estadia de 8 dias só lhe foi concedido diante de sua espontaneidade. "A policial me disse que tinha todos os motivos do mundo para me deportar ao Brasil. Então, me perguntou, porque ela não deveria fazer isso. Respondi, de forma curta e grossa, que eu era uma boa pessoa. Então, ela me questionou indagando ironicamente: "ah, você é uma boa pessoa e por isso vou te deixar entrar aqui?? Conclui que sim. Ela balançou a cabeça e me pediu para que não lhe decepcionasse...?. Foi exatamente o que o jornalista fez. "Eu não queria encrenca. Estava com pouco dinheiro e achei que seria possível rodar pelo Reino Unido sem nenhum tostão. Para ser sincero, tinha apenas nota de 100 euros na carteira. Tão logo deixei a migração, fui ao caixa automático e tentei sacar uma prata. As máquinas lá, além de não fazerem milagres, ainda são irônicas em suas mensagens. "Você tem 2 libras na sua conta e quer sacar 50, how?? Não tive outra alternativa além de pegar o primeiro ônibus em direção ao centro de Londres e dormir como mendigo. O problema era que quando olhava para fora da janela, não via sequer um morador de rua entre as praças da cidade.? A solução encontrada pelo jornalista foi montar o acampamento ao lado do Rio Tâmisa, na rua. "Quando a gente está com o dinheiro contado, a primeira coisa a fazer é evitar gastos desnecessários, como hotel, por exemplo. Até que o pessoal do Brasil pudesse me mandar uma grana, eu tinha que me virar com menos de 100 Libras durante 8 dias. Dormi no melhor lugar do mundo. Encontrei um banco de praça em frente ao Big-Ben e matei à noite lá. Depois iniciei a Rota do Conde Drácula, desde o subúrbio de Carfax até o seu castelo na Romênia.?

A bem da verdade, nenhuma outra aventura desperta mais o fascínio dos leitores apaixonados por contos de vampiros do que a oportunidade de cruzar a Europa pelos desfiladeiros da romântica Rota do Conde Drácula. Uma viagem imperdível que, diante do clima sombrio que cerca o horizonte cinzento e até certo ponto melancólico do Velho Continente, não poderia deixar de ser iniciado em outro lugar além daquela que - não por acaso - é tida como a mais misteriosa de todas as cidades do mundo: "Pelo que conheço do meu estilo de vida, da minha maneira de ser e do que projeto dentro de mim, não há outra região, no mundo, que me desperte tanto interesse quanto Londres. Ainda tenho planos de passar um tempo lá. Talvez quando a Rádio Terceiro Tempo abrir a sua redação na Inglaterra...?
Considerada uma cidade moderna, com um dos mais vastos cardápios de opções culturais do planeta, Londres possui cerca de 15 milhões de habitantes em sua área metropolitana e dispõem, ainda, da maior malha metroviária subterrânea da Europa. Por dia, cerca de 300 idiomas são falados em seu território, tido como um dos mais importantes centros econômicos do Velho Continente: "Se você der uma chance, Londres pode te agradar?, comenta o inglês Mark Hodking. "A cultura, a história, as oportunidades e a música fazem dela uma cidade diferente. Londres tem um ar diferente, capaz de inspirar escritores e influenciar histórias. Toda cidade tem uma característica própria, alguma inspiração diferente. Londres é famosa pelo fog. Acho que isso é uma boa inspiração para romances de mistérios?, complementa o lorde. 

Fundada pelos romanos às margens do Rio Tâmisa, Londres é o palco escolhido por Bram Stoker para desenhar através da imaginação dos leitores o romance de Drácula. Um lugar singular que ainda hoje, cerca de dois séculos após o lançamento da obra, é capaz de fazer com que os amantes da trama respirem entre as névoas da madrugada o que restou do charme de outrora, enfatizado diante do estarrecido estilo de vida de seus personagens centrais. "A ligação do autor irlandês com o romântico município londrino vai além do que se pode ler em sua obra. Imortalizado pelos personagens do livro, exatamente em Londres, o escritor passou boa parte da sua vida. Foi também na capital do Reino Unido, em 20 de abril de 1912, que o irlandês faleceu. Bram Stoker, diagnosticado com a doença de Bright, foi vitima de um acidente cardiovascular seguido por complicações nos rins?, diz Chico Santo.
Do subúrbio de Carfax, local adotado como residência de Drácula depois de matar a tripulação que o transportou pelos mares da Europa, sobram sinais de mistérios para aqueles que caminham pelas ruas da capital inglesa inertes ao clima sombrio que cobre a cidade: "Tenho um amigo, o músico Daniel Giffoni, que quase foi roubado em Londres. Ele tinha tomado alguma dose de Jack Daniell?s e estava trançando as pernas com um colega inglês na região do Big Ben quando dois caras barbudos apareceram para lhe roubar. O Daniel, que é uma figura, estava barbudo e entendeu que o ladrão tinha lhe chamado de "Jesus? e então colocou a mão na cabeça do bandido e lhe disse "sim, meu filho, que Deus lhe abençoe.? Os malandros ficaram com medo e foram embora. Coisas que só acontecem em Londres?, relembra Chico.

Evidentemente, por trás do tempo que esconde a transformação do município londrino, as carruagens já não são mais vistas com a mesma freqüência dos séculos passados. Alguns cavalheiros ainda saem de madrugada à procura do ouro trazido em espécies por turistas. O mesmo pode ser dito em relação aos ladrões. Seja como for, pelas esquinas, as luzes dos postes dão a sensação de iluminar apenas as sombras. Passos apertados podem até ser ouvidos nas mentes mais criativas e a neblina que cai com poesia pelo Rio Tâmisa, por sua vez, também chega a despertar a atenção. "Jamais vou me esquecer da vez que fui o mendigo em Londres, zanzando de um lado para outro, sem teto para dormir, enquanto esperava o dia clarear.?
Durante o comenos de dificuldade econômica, o repórter - chamado a Inglaterra 3 anos depois, em janeiro de 2012, pelo R.H. da BBC de Londres para discutir um salário de 61 mil libras - se deparou com o badalar do Big-Ben. "Comecei a chorar porque depois de ter vivido um momento muito difícil na migração, tentando entrar na Inglaterra realmente sem dinheiro, ao ouvir o toque do carrilhão britânico senti uma paz interior muito grande porque estar em Londres, naquele momento, não era algo tão simples para um cara que tinha os bolsos vazios e ao mesmo tempo era assumidamente um apaixonado pelo mundo. Um filme se passou na minha cabeça. Sem dúvida nenhuma, um dos momentos mais felizes da minha vida diante daquela que considero a mais atraente sinfonia do tempo, interpretada pelos amantes da noite, os boêmios da vida, com a sincronizada badalada do carrilhão do Big Ben. Algo como um arranjo composto ao acaso pelo melífluo da pontualidade de um manuscrito cuja harmonia se traduz no alto da Tower Clock como o romântico ópus da meia noite. Mais ou menos como costuma me dizer a restauradora dos Bens Naturais de Firenze, Janina vaz Guisato: diante do Big Ben, todos os relógios se sentem atrasados?.

Do sino de não mais do que 13 toneladas situado no topo do Palácio de Westminster soam os primeiros toques da madrugada de Londres. Pela obra de Bram Stoker, exatamente à meia noite, Van Helsing, o professor metafísico criado para identificar o autor como um dos seus personagens, decapitou a cabeça de Lucy e transpassou seu coração com uma estaca no interior de uma necrópole londrina. A exumação da morta-viva representa a caçada a Drácula que se estende pelo leste europeu quando, da Inglaterra, o Príncipe da Valáquia, se vê coagido e, em uma tentativa de fuga, recua em direção a Transilvânia, onde, suas forças se tornam rejuvenescidas. Exatamente por essa rota, Chico Santo seguiu pela Europa. "Na história criada por Bram Stoker, Drácula deixa a Inglaterra da mesma forma que chegou, de barco. Seus caçadores, no entanto, cortam praticamente todo o continente de ponta a ponta, saindo do Reino Unido, passando pelos Alpes Suíços, Rio Danúbio até chegar à região dos Montes Cárpatos, onde está situada a Transilvânia, e é feito o desfecho do romance, na Romênia Foi o caminho que resolvi seguir.?
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