Brasil x Holanda, só mais um jogo...

Chico Santo, bastidores da Copa do Mundo-2010

Paula Vares Valentim
jornalista responsável

Chico Santo, direto da África do Sul - Do grito de dor, isolamento e desespero social à comemoração de um gol. Por trás dos bastidores do esporte, diante de um ângulo mais profundo, a Copa do Mundo chega, com sua bandeira de luto, a Port Elizabeth, tida na África do Sul como um dos leitos do preconceito racial entre brancos e negros durante o Apartheid. "Cada uma das esquinas daqui tem uma história diferente para contar. Os muros de Port Elizabeth guardam um passado de violência e segregação. Muita gente desapareceu. A maior parte, para sobreviver, se calou. Quem não ficou quieto morreu. Esta era a única opção que tínhamos?, diz a moradora d Makihane Skuza. Palco da partida entre as Seleções Nacionais de Brasil e Holanda, um dos mais preciosos clássicos da história das Copas, Port Elizabeth foi utilizada como uma espécie de "campo de concentração de negros? durante o regime racista adotado pelos governos sucessivos do Partido Nacional da África do Sul de 1948 a 1994. "Eles não queriam a presença de negros no país. Por isso alguns lugares foram destinados para a população não-branca da África. Port Elizabeth foi um dos lugares criados para os negros?, complementa a sul-africana Perla Zuan. As recolocações de negros, trazidos de outras partes da África do Sul, foram iniciadas em 1962 e perduraram até meados de 1975. Muitos dos bairros construídos antes do início do regime de segregação racial foram desocupados para que servissem de abrigo à população discriminada pelo país. Em um claro sinal de crueldade, os negros foram amontoados como criminosos. Casas e condomínios de luxo, como o distrito de South End, que na época possuía um alto valor imobiliário, foram desapropriadas e demolidas. Tudo para que ficasse claro a intenção dos brancos de fazer de Port Elizabeth uma cidade-penitenciária. "Um dos homens que lutaram junto com Mandela durante o regime do Apartheid foi Steve Biko. Ele foi preso em 1977 e foi espancado até sofrer traumatismo craniano. A polícia, no entanto, alegou que ele morreu após fazer greve de fome?, conta a estudante Makuele Muccula.
O abuso de autoridade por parte da polícia sul-africana pode ser visto também nas paredes da casa que nasceu aquele que leva o nome do estádio de futebol da cidade. Em Soweto, há cerca de 500 km da cidade, na terra de Nelson Mandela, as marcas de bala estão por todos os lados. Quem vai a casa do ex-presidente da África do Sul, pode observar o sofá em que o principal líder do movimento anti-apartheid se sentava, bem como a cama em que seus filhos dormiam.
Entretanto, o pequeno pavimento de três cômodos, utilizado hoje como uma marca de vitória pelo direito de igualdade no país, dá a impressão de guardar em seu lócus a alma das vitimas do racismo, como aconteceu com Hector Pieterson, o garoto de apenas 13 anos que se tornou o símbolo do massacre policial que custou a vida de aproximadamente 300 crianças em Soweto. "O levante de Soweto foi um dos maiores massacres da história da África do Sul. Era uma manifestação pacífica. Ocorreu em 16 de junho de 1976. Cerca de 10 mil estudantes negros marchavam pela cidade em virtude dos problemas de desigualdade que enfrentavam na escola. Não fizeram nada demais. Estavam apenas cantando pelas ruas. Mas a polícia apareceu e saiu atirando em todo mundo?, acrescenta Muccula.
A luta contra o Apartheid se estendeu de Soweto para as demais regiões da África do Sul, chegando, também, a Port Elizabeth. Atualmente, a cidade possui cerca de um milhão de habitantes. O local ainda é conhecido pelo alto valor imobiliário dentro da realidade sul-africana. Escolhida como uma das sedes da Copa do Mundo de 2010, trás entre os alicerces da estrutura do Estádio Nelson Mandela, um pouco do que a história pode esconder entre os bastidores de uma grande partida de futebol. Indiscutivelmente, para o festivo povo sul-africano, entretanto, muito mais do que a possibilidade de ter uma partida de quartas-de-final da Copa do Mundo de 2010, Port Elizabeth e seu estádio Nelson Mandela, representam a vitória de um jogo complexo, desigual e sangrento. Uma partida onde milhares de pessoas perderam a vida.

 

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