Bem vindo a África

Chico Santo, Copa do Mundo 2010
Paula Vares Valentim
jornalista responsável
O ano de 2010 representou o fim de um ciclo na carreira de Chico Santo. Presente, in loco, nas principais coberturas da imprensa internacional, tanto nas editorias de jornalismo factual quanto esporte, o repórter de guerra encerrou com a Copa do Mundo da África do Sul o período de mais de três anos de correria pelo mundo. A bem da verdade, os meses de maio, junho e julho, vividos na Terra de Nelson Mandela, serviram, acima de tudo como um período de reflexão e árduo trabalho como enviado especial do Terceiro Tempo. "Posso dizer que foram três momentos distintos. Fui o primeiro repórter setorista da Seleção Brasileira de Futebol a desembarcar em Joanesburgo. Enquanto os demais colegas estavam em Curitiba, onde o Brasil fazia o seu período de preparação para o mundial, eu já estava na África. Vivi esse momento que antecedeu a chegada do Brasil, o comenos da bola rolando posteriormente e, também, o ínterim do pós Copa. Na realidade, na final entre Espanha e Holanda, me dei conta de que havia estado em mais de 40 países, feito os terremotos do Haiti, Itália e Chile, bem como a Gripe Suína do México, Guerrilha Colombiana, Copa das Confederações, Centenário da Estônia e outras dezenas de trabalhos especiais fora do Brasil. Então, fechei, sim, um ciclo da minha vida, o primeiro como repórter internacional. Em 2011, voltei a São Paulo, fiquei na redação Terceiro Tempo e me dei, digamos, um ano de férias. Só voltei a cruzar o Oceano Atlântico em janeiro de 2012, a convite do Recursos Humanos da BBC de Londres. Sempre digo que uma vez que você tenha vivido o mundo, jamais deixará a estrada. Exatamente, onde estou hoje, depois de um 2011 tranquilo, digamos?.  Em 2010, na realidade, já com um vasto currículo internacional, Chico Santo consolidou um velho sonho de tempos de universidade,  quando o repórter especial nada mais era do que um estudante de jornalismo ousado, destemido e despojado. "Fazer um mundial de futebol da FIFA é algo indescritível. Só sabe o que é quem já viveu isso. Muito mais do que propriamente os jogos transmitidos simultaneamente a todo o planeta, há uma integração com pessoas de todo o mundo. Cada uma delas fala o seu idioma, carrega a sua bandeira, torce pelo seu país. Tudo ali, diante dos seus olhos, na sua frente. Sem dúvida nenhuma, muito mais interessante do que o trabalho de guerra, por mais necessário e importante que seja. Só que em uma Copa do Mundo você está lá para registrar a festa e, evidentemente, acaba fazendo parte dela.? Apesar disso, o que colocou o trabalho do repórter internacional em evidência na mídia foi justamente o oposto. "Segui por um outro lado de atuação. Enquanto acompanhava os passos da Seleção Brasileira, me preocupei em mostrar ao Brasil a realidade da África do Sul por trás das câmeras. Uma nação de opostos, negros e brancos, ricos ou pobres. Sem miscigenação, sem oportunidades para um dos lados da moeda, porém, com algo muito mais valioso do que o desenvolvimento econômico da nação. Aprendi, durante o longo tempo que estive na África do Sul, um pouco mais sobre uma cultura tão rica e, ao mesmo tempo, desigual.? Como enviado especial do Terceiro Tempo, Chico Santo esteve em todas as sedes entre os meses de maio, junho e julho. "Facilitou muito a experiência de ter trabalhado, em redação, nos mundiais de 2002 e 2006. Fui o primeiro repórter a chegar na África do Sul, tirando os correspondentes da TV Globo e Bandeirantes que já viviam por lá. A bem da verdade, desembarquei em Joanesburgo antes mesmo da Seleção Brasileira se concentrar em Curitiba para o período de preparação do mundial. Mais ou menos como descrevi em uma das passagens que assinei em Pretória:  A Seleção Brasileira ainda não chegou por aqui, mas nós já estamos na África do Sul. Este é o Loftus Versfeld, que vai entrar para a história dos mundiais como o estádio mais antigo das Copas??.

Para o jornalista Vagner Lima, do Portal Mídia Gols, o repórter descreveu com o título "Safari Humano? um pouco dos bastidores. "É preciso ter coragem para descer do avião em Johannesburgo./ Quem sabe o que é viver na selva entende bem o significado disso./ Melhorias estão para vir./Pelo menos, no papel./ É o que dizem./ Mas, ainda hoje, há 22 dias para a abertura da Copa do Mundo, a recepção de quem passa pela migração pode não ser das mais agradáveis para aquele que espera encontrar na África do Sul uma combinação de receptividade e segurança./ Aliás, uma antítese clara no contraste de um povo onde o bem e o mal caminham em perfeita sintonia./? No texto, o jornalista acrescenta sua primeira impressão, na volta a África do Sul. "O Aeroporto Internacional de Johannesburgo, que seja dita a verdade, lembra de perto um antro de bandidos./ Caçadores de dinheiro se aproveitam da falta de conhecimento e do precário sistema de transporte local para fazer da vida de quem chega, o regozijo da malandragem./ É impossível deixar de notar a enorme quantidade de ratos que se oferecem de forma intimidadora para transportar os visitantes./ Ao som de Welcome to the Jungle, o segredo é ser mal educado./ Sequer responder./ Olhar feio e fingir ser um conhecedor profundo ? não da África do Sul -, mas, sim, do próprio continente africano./ Rostos bonitos e palavras dóceis não adiantam./ Pelo contrário, só atrapalham./ E eu me lembro muito bem disso quando desembarquei na Copa das Confederações do ano passado./ Não havia ônibus, não havia trens./ Não que tenha mudado alguma coisa!/ Mas, se tratando de um aeroporto localizado há 20 km do centro da cidade, a única opção considerada menos arriscada, é aceitar ser roubado pela quadrilha de taxistas./ Um bando de ladrões."/
Em seu diário de bordo, o repórter resgata, também, a experiência vivida na África do Sul um ano antes, durante a cobertura da Copa das Confederações. "Em 2009, na primeira vez que pisei por aqui, a solução encontrada foi me juntar a um grupo de brasileiros que conheci dentro do avião./ Ao invés de cada um ser assaltado individualmente, optamos no menor prejuízo./ Pagar o equivalente a US$ 250 dólares ao motorista e dividir em quatro partes os gastos./ É o que se faz quando não se tem outra alternativa./ Desta vez, o desembarque foi mais tranqüilo./ Quando a gente volta a um país que já se conhece o esquema, o jogo pode ser revertido./ Às vésperas da abertura da Copa do Mundo, o trem ainda não foi inaugurado./ O sistema de transporte continua ineficiente./ E os taxistas persistem na exploração./ De qualquer forma, optei em fechar a cara e cruzar a barreira de ladrões como se fosse um sul-africano e estivesse na minha área./ Caminhei em direção ao piso superior depois de me livrar dos mercenários e fiquei cerca de duas horas sentado em um restaurante./ Só então, encarei o desafio./ Informado por um dos garçons de que não poderia pagar mais de 150 rands (50 dólares) para seguir do Aeroporto ao Terminal Rodoviário de Johannesburgo, comecei a negociação com os taxistas./ Dos 600 rands iniciais, consegui o teto de 250 rands./ Uma variação de mais de 100% que prova que o Aeroporto Internacional de Johannesburgo, definitivamente, está em péssimas mãos./ Isso para não falar que, além de ladrões, os taxistas são mal-educados e fazem piadas do tipo "se você não for comigo vai ter que ir a pé?./  Quem não quer ir a pé, arrisca sair pelo terminal caminhando em direção as lotações que ficam encostadas exatamente aonde deveria estar funcionando o trem./ As lotações fazem o papel do que os ônibus municipais, inexistentes na África do Sul, teriam de fazer./ Porém, com uma diferença./ Todas são irregulares./ Logo, não parece uma boa opção para quem chega com malas e dinheiro na carteira./ Entretanto com a ajuda de um sul-africano ? o bom samaritano, revoltado com o papelão proporcionado pela quadrilha de motoristas -, consegui deixar o aeroporto em segurança, em direção à cidade de Pretória./ Ao todo, gastei para chegar no reduto universitário de Nelson Mandela, apenas R$ 20 rands./ Muito menos do que os 600 iniciais./ Uma diferença gritante para quem opta em seguir o próprio caminho, longe dos taxímetros./ Em um país onde a Copa do Mundo vai começar em menos de um mês, era de se esperar que os organizadores, no mínimo, cuidassem da chegada de seus visitantes, o que não acontece./ É cada um por si./ E no Aeroporto Internacional de Johannesburgo vale o ditado popular: "Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come?./ De Johannesburgo, Francisco de Assis.//?

Em outra matéria, Chico Santo explicou a tradução de Welcome to the Jungle, do Guns n? Roses: "Para quem não sabe, a letra da música Welcome to the Jungle, do Guns n? Roses, não tem nada a ver com uma floresta cheia de pássaros e bosques encantados./ Pelo contrário./ Retrata a rotina das grandes metrópoles tomadas pela violência e insegurança./ Um contexto que relembra a chegada do jovem caipira de Indiana, Axl Rose, a Los Angeles em uma conversa destas que costuma assustar: "Hei cara, você sabe aonde você está?/ Você está na selva!/ Você vai morrer?./ É mais ou menos assim que me sinto na África do Sul./ A diferença é que com o tempo a gente se acostuma com tudo./ E eu me lembro da primeira vez que estive em Pretória, na capital do país./ Foi em 2009, durante a Copa das Confederações da FIFA./ A princípio, parecia algo de outro mundo./ Calçadas apertadas, ruas escuras, sujeira por todos os lados e dialetos incompreensíveis aos não nativos./ Evidentemente, para um estranho, um local considerado no mínimo perigoso./ Isso para não dizer dos manos que ficam parados na esquina./ Essa é uma boa descrição da África do Sul./ Basta dizer que no ano passado tive meu passaporte roubado em plena luz do dia./ E olha que já estive em muitos buracos./ Levando-se em consideração que escapei de terremotos, enchentes e guerrilhas, dá para dizer que não fui roubado por falta de atenção./"
Na sequencia, mostrou-se adaptado ao local: "Sou o tipo de cara que adora as ruas./ No aspecto de vida, me considero um rato de esgoto./ Gosto do perigo e me sinto atraído pela emoção./ Converso com bandidas e jamais dou as costas a um ladrão./ Não tenho medo de nada./ Nem mesmo da impiedosa fúria humana./ Uma vez, em um papo com o jornalista Nilson César, ouvi o seguinte comentário: "O ser humano é um bicho estranho?./ A frase nunca saiu da minha cabeça./ Mas voltar a Pretória foi bem mais fácil do que eu imaginava./ Para ser sincero, considero Bloenfonteim mais perigosa./ Desembarcar em uma lotação, depois de 7 horas de vôo de São Paulo a Johannesburgo, foi incrível./ Principalmente porque enquanto os tolos desconhecem o perigo, os mais experientes reconhecem uma situação adversa e a encaram com tranqüilidade./ Quando você está em um lugar inseguro, obrigatoriamente, é preciso estar ligado 24 horas./ Saber o momento de atravessar a rua ou dizer um "Hello, how are things going?? é extremamente importante./ Vi no Natgeo, tempos atrás, que os seguranças especializados aumentam o campo de visão com um simples olhar mais apurado./ Isso tudo tem de ser identificado./ Se você sabe que determinado indivíduo pode ser um obstáculo em seu caminho, então, evite cruzar a mesma calçada com ele./ Não vai mudar nada alterar por alguns passos o percurso inicial./ Essas são algumas regras básicas de um manual de sobrevivência que tem dado certo.?

Basicamente, o apreço pelo enriquecimento cultural sempre despertou a atenção do jornalista em seus trabalhos internacionais. "Nesta primeira passagem por Pretória, em 2010, procurei estar em todos os lugares ao mesmo tempo./ O que mais me agrada quando estou no mundo é a possibilidade de conhecimento constante./ Então, se você tropeça na rua e alguém lhe pergunta se está tudo bem, você já encontrou um bom motivo para aprender um pouco da cultura de um povo tão diferente./ Isso para não falar dos museus./ Imagine um reduto com ossos de diferentes espécies de dinossauros empilhados em forma de esqueleto./ É no mínimo interessante./ De um tempo para cá passei a admirar também pinturas a óleo e obras de arte./ Nesse aspecto, Pretória tem muito a oferecer./ E o detalhe: tudo muito em conta./ Somado-se a isso, é preciso ressaltar a alegria do povo sul-africano./ Absolutamente atípico./ Lembra, demais, o próprio Brasil./ Em termos de estrutura, há poucas opções de hotelaria para a Copa do Mundo./ Acabei dormindo na garagem de um consultório psiquiátrico./ Se você acha isso uma loucura, então, espere para saber que paguei pela canto de quem costuma colocar sorvete na testa o equivalente a R$ 70 reais./ É a lei da vida./?
Em meio ao clima de adversidade, Chico Santo foi ao encontro de um professor, dono de uma pousada em Pretória, que conheceu durante a cobertura da Copa das Confederações de 2009. "Quando se está só, além de identificar os inimigos, é preciso reconhecer os amigos./ Imediatamente assim que cheguei a Pretória, fui a casa de um casal que me recebeu por duas semanas no ano passado./ Lamentavelmente, com a aproximação da Copa, já estava tudo ocupado./ O jeito foi montar um dormitório na base do improviso e agradecer a Deus por mais uma noite de vida./ Vale lembrar que em Pretória, 19 horas é madrugada!/ Há uma espécie de "toque de recolher? ao cair da noite./ Não que você seja impedido de sair pela polícia após esse horário./ A questão, entretanto, é: "será que eu vou conseguir retornar??./ Desta forma, encontrar um abrigo de última hora é como marcar um gol aos 48 minutos do segundo tempo./ Sobretudo porque eu estava com toda a minha bagagem nas costas, o que além de aumentar o desgaste, inevitavelmente, chamava a atenção dos bandidos./ Tive sorte de conseguir uma garagem com uma ducha com sistema de calefação e um aquecedor para espantar o frio./ Somente pela manhã, iniciei o trabalho de produção e reportagem na África-2010./ Deixei minha mala com o casal de amigos e me mandei./ Coloquei duas ou três peças de roupa em uma pequena mochila e caí na estrada./ Algum dia volto para buscar minhas coisas, afinal de contas, não dá para ir muito longe com apenas dois pares de meia./ Pensando bem, até que dá./ Mas é melhor levar pouca coisa do que ficar por aí dando sopa com uma bagagem de 20 kg./ O importante, mesmo, é matar o leão que aparece no dia./ O resto é apenas uma conseqüência da melodia de Welcome to the Jungle, baby./?
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