A Copa dos Recordes

O fim da geração brasileira de 1994
Por Chico Santo

A Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, representou o fim de uma era de vitórias para a geração do tetra e pentacampeonato mundial. A seleção que, coincidentemente, iniciou sua trajetória de conquistas sob o comando de Carlos Alberto Parreira, em 1994, se preparava para adormecer entre os contos de glórias e enlevos da história do esporte. Na Alemanha, havia a certeza de que o soneto composto pela equipe que comandara os sonhos de mais de 180 milhões de brasileiros chegava ao fim, com a regência do mesmo compositor que criara a sinfonia doze anos atrás. Entre o pensamento do grupo entendia-se que muitos dos atletas que viveram as claves da bola junto à harmonia dos campos jamais voltariam a vestir a camisa verde-amarela ao término do mundial de 2006. A Copa da Alemanha foi o marco final para a geração reverenciada pelo toque de Emerson, Juninho Pernambucano, Roberto Carlos, Ronaldo, Dida, Rogério Ceni, Ricardinho, Zé Roberto e Cafu. Não havia dúvidas que aquela era a despedida. O que ninguém queria era que o desfecho ocorresse no Arco do Triunfo, a exemplo do que já havia acontecido em 1998, em Saint-Denis.
Diante de tantas conquistas, era impossível não atribuir o status de supremacia à Seleção Brasileira. Os números eram incontestáveis. O elenco disputara a final dos últimos três mundiais e acumulara no currículo, além do vice-campeonato de 1998, os títulos de 1994 e 2002, que, somando-se às bem-aventuranças de 1958, 1962 e 1970, garantiam o opulento do futebol com uma vantagem de duas Copas com relação às seleções de Itália e Alemanha, principais ameaças da hegemonia brasileira: "Nós já mostramos que somos capazes de superar tudo. Nos últimos 12 anos, só não conquistamos a Copa América da Colômbia (em 2001), e foi porque levamos jogadores que tinham pouca experiência de seleção. O Brasil é como o Real Madrid. Só vale vencer, o empate não serve, e até no treino há pontuação. Ser segundo é como ficar em último?, disse Roberto Carlos em uma de suas muitas coletivas.
Os recordes eram notados e não passavam batido aos olhos da imprensa. Com a eminência de novas marcas, a Seleção Brasileira entrarou em campo no dia 13 de junho de 2006 com a possibilidade de um novo registro. Se vencesse a fraca seleção da Croácia, o Brasil, além de manter a escrita e estrear em mundiais com vitórias, tradição que se repetia desde a Copa do Mundo da Espanha em 1982, se tornaria a equipe com o maior número de vitórias consecutivas assinaladas na história dos mundiais, superando a Itália, que registrara sete vitórias durante os campeonatos de 1934 e 1938, nos confrontos frente à Espanha (1 a 0), Áustria  (1 a 0), Tchecoslováquia  (2 a 1),  Noruega (2 a 1), França (3 a 1), Brasil (2 a 1) e Hungria (4 a 2). O Brasil, que também possuía 7 vitórias seguidas, não perdia uma partida desde à tarde de 12 de julho de 1998, data em que a França de Zinedine Zidane, o carrasco brasileiro, conquistara sua primeira taça ao derrotar o Brasil de Zagallo pelo convincente placar de 3 a 0. Após o fracasso em Paris, no entanto, a Seleção Brasileira não conhecera mais o gosto do desvario. Em 2002, sob o comando de Luis Felipe Scolari, o Brasil triunfou em todos os duelos, com uma campanha arrasadora, diante da Turquia (2 a 0), China (4 a 0), Costa Rica (5 a 2), Bélgica (2 a 0), Inglaterra (2 a 1), Turquia (1 a 0) e Alemanha (2 a 0).
Com tantas marcas, pressagiadas pela continuidade de um trabalho levado, em alguns momentos, a sério, era de se esperar, entrementes, que surgissem também as possibilidades de quebra de recordes pessoais, por mais que o individualismo não se fizesse presente no espírito de grupo, conforme a pauta das repentinas entrevistas concedidas aos jornalistas. Todavia, seria de se estranhar se isso não ocorresse. Ao contrário da tese sustentada por alguns críticos, na qual os atletas não deveriam se preocupar com seus respectivos ensejos individuais, estarrecidos ficariam os céticos se não houvesse esse interesse, afinal, não havia quem não desejasse assinar o nome na história do futebol. Ainda que em entrelinhas, estava mais do que claro o desejo de conquista subjetiva, explicado pelo ensejo da solicitude, no ápice dos recordes. 
Naquele ínterim, em especial, dois jogadores brigavam pela realização de seus sonhos: Cafu, o capitão recordista em número de jogos com 143 participações com a camisa brasileira, e Ronaldo, o artilheiro da Copa do Mundo de 2002 que, com 12 gols marcados, permanecia ao lado de Pelé na briga pela artilharia da história dos mundiais, encabeçada pelo alemão Gerd Muller, com 14 gols efetuados, sendo dez os registros na Copa do Mundo do México em 1970 e quatro os gols assinalados na Copa do Mundo da Alemanha em 1974. Se tudo seguisse dentro dos parâmetros de normalidade, dificilmente os atletas brasileiros deixariam de conquistar suas metas: "Ser o único que pode chegar a quatro finais de Copa do Mundo, bater recordes, e ser o jogador com maior número de jogos com a camisa da Seleção Brasileira é algo que me motiva muito?, afirmou Cafu, em Weggis, na Suíça, antes do início da Copa do Mundo.
Com uma história riquíssima dentro da Seleção Brasileira, três vitórias nos Estados Unidos, 4 na França e 7 na Coréia e Japão, o capitão poderia, ainda, se tornar o jogador com o maior número de participações disputadas em Copas com a camisa verde-amarela. Com 16 jogos acumulados, treze vitórias, um empate e duas derrotas, deixaria para trás os compatriotas Taffarel e Dunga e atingiria a inédita marca de 19 partidas se disputasse pelo menos três jogos pela Seleção Brasileira em 2006. Os registros, entretanto, não paravam por aí. Na Copa do Mundo da Alemanha, o Brasil teria pela frente, na primeira fase da competição, três equipes consideradas fracas. Caso atuasse com vitória nos confrontos contra Croácia, Austrália e Japão, o lateral quebraria ainda o recorde do alemão Overath e passaria a ser o atleta com o maior número de vitórias de todas as Copas. Com relação ao número total de jogos disputados, todavia, o brasileiro dificilmente superaria Matthaüs, que assinou por 25 vezes a súmula da FIFA entre os anos de 1982 e 1998.
Assim, atento aos cinco mundiais de Lotthar Matthaüs, o capitão brasileiro, com 35 para 36 anos, recuperado de uma cirurgia no joelho, estava longe de pensar em aposentadoria: "Sempre me perguntam se poderei estar na Copa do Mundo da África do Sul - 2010. A verdade é que não sei, talvez possa. No momento, apenas penso em atuar bem na Copa do Mundo da Alemanha, depois verei. Vamos pensar nessa Copa primeiro. Eu, sinceramente, não estou competindo com ninguém, apenas gosto de estar na Seleção Brasileira. Nunca me propus a quebrar recordes nem a ser o melhor, não sei onde está o limite.?
Ronaldo, por sua vez, em um índice que englobava também os números estabelecidos pela equipe Pré-Olímpica, possuía 67 gols com a camisa do Brasil, dentre os quais quatro haviam sido marcados na Copa do Mundo da França e oito na Copa do Mundo
da Coréia e Japão. O atacante estava há apenas dois gols de Zico e muito próximo de se tornar o maior artilheiro da história das Copas, como de fato ocorreu. O artilheiro, no entanto, fora do peso, mostrava-se, de certa forma, ansioso: "Tomara que esse recorde seja quebrado o quanto antes, até para tirar essa pressão extra. Mas esse não é o objetivo principal. O objetivo é ajudar a Seleção Brasileira a conquistar o título no final da competição?.
Se a Seleção Nacional do Brasil demonstrasse em campo todo o favoritismo que lhe era atribuída antes do início da Copa do Mundo, Ronaldo e Cafu, recordistas em finais, poderiam chegar à disputa do quarto título seguido. Na história de todas as Copas, pelos números de 2006, apenas 264 jogadores dos 4365 que haviam entrado em campo por pelo menos um minuto, tinham tido o privilégio de saborear a conquista de um mundial. O índice, entretanto, caía para 12 na estatística daqueles que se sagraram bicampeões, sendo que apenas Pelé obteve em sua carreira a marca de três títulos mundiais (1958, 1962 e 1970). Cafu, a exemplo de Ronaldo, levantara a taça por duas vezes, nos anos de 1994 e 2002. Entretanto, Ronaldo, em sua estréia em 1994, com apenas 17 anos, não chegou a entrar em campo sequer uma única vez durante a vitória nos Estados Unidos, quando posou para a foto como reserva de Romário.
De olho nas marcas de Cafu, Roberto Carlos disputaria sua terceira Copa do Mundo: "Estou querendo que o Cafu pare o quanto antes para eu bater o recorde dele. Mas o mais importante é que eu sou o segundo com mais jogos e muitos grandes jogadores passaram por aqui, como Pelé, Tostão, Gérson, Rivelino. Faço parte desta história maravilhosa da Seleção Brasileira. Estive a ponto de ir aos Estados Unidos em 1994, mas o Parreira me disse que era muito jovem e preferiu levar o Leonardo porque podia jogar como lateral e meio-campo. Pode ser meu último Mundial, e minha cabeça me diz que pode ser o melhor. Estou me preparando muito bem para superar minha atuação em 2002?, revelou o lateral com 127 partidas disputadas com a camisa do Brasil: "Sempre quero vencer. Gostaria de ficar com a seleção por mais dois anos, conquistar uma Copa América e outra Copa das Confederações. Mas meu último desafio será chegar ao mesmo número de jogos de Cafu pela Seleção.?
O recorde negativo do grupo ficava por conta do Ronaldinho Gaúcho. Considerado o melhor atleta do mundo pela FIFA nas temporadas de 2004 e 2005, o meio-campista que se auto-definira como "um jogador de nível muito bom? e apontara os companheiros da Seleção Brasileira Ronaldo, Robinho, Adriano e Kaká, além dos estrangeiros Andriy Shevchenko, Filippo Inzaghi, Zinedine Zidane e Lionel Messi entre os melhores jogadores do mundo, em uma entrevista concedida ao jornal português Record, passou em branco na Copa do Mundo da Alemanha e se tornou a decepção para aqueles que lhe creditavam o status de a "esperança brasileira?, como destacou o ex-jogador de futebol campeão do mundo em 1986, Diego Maradona: "Para mim é sempre um prazer ver o Ronaldinho jogar. Gosto muito dele como pessoa e desejo o melhor para ele. Tomara que depois deste Mundial ele se torne o melhor de todos os tempos, mas depois do Mundial, que agora deixe para Messi?. Ronaldinho Gaúcho desembarcou na Alemanha como a principal estrela da competição, entretanto, não parecia se mostrar preocupado com os gols: "Nunca foi a minha buscar a artilharia. Minha função é fazer com que os nossos atacantes marquem gols. Estou me preparando neste sentido. Na realidade, quero que seja o Mundial do Brasil, que nossa Seleção seja campeã do mundo. Só estou preocupado em poder dar o máximo para que a equipe retorne ao Brasil com a taça. É minha motivação principal?. Em um bate-papo com Galvão Bueno, Carlos Alberto Parreira apontou o astro do Barça como um jogador com o "mesmo nível de Zidane, Maradona, Zico e Cruyff.?. Entretanto, com atuações abaixo do normal, viu seu índice de credibilidade junto à torcida cair para apenas 12%, na pesquisa realizada pelo Datafolha que o colocara atrás de Ronaldo (27%) e Kaká (14%) no ranking de atletas com o melhor desempenho apresentado na competição. O jogador foi obrigado, ainda, a sustentar a falsa promessa de que voltaria a marcar depois de um ano de jejum: "O meu gol vai sair na hora certa. Sei que na hora em que o time mais precisar, vai sair?. Para o lateral Roberto Carlos, a solução era simples: "O importante é que ele (Ronaldinho Gaúcho) mantenha a calma para voltar a jogar bem, mas a gente vai tentar ajudá-lo?. O último registro de Ronaldinho Gaúcho com a camisa da Seleção Brasileira acontecera em 29 de junho de 2005, durante a final da Copa das Confederações, data em que o Brasil goleou a Argentina pelo placar de 4 a 1. Ronaldinho Gaucho, no entanto, não voltou a balançar as redes em nenhuma das nove partidas seguintes, incluindo os cinco jogos disputados na Copa do Mundo da Alemanha.
No final das contas, o hexacempeonato não veio. Todavia, os recordes individuais foram quebrados. Carlos Alberto Parreira igualou-se a Mario Jorge Lobo Zagallo e Bora Milutinovic e, como técnico, atingiu o posto de segundo maior participante de jogos eliminatórios em diferentes Copas com vinte atuações em fases finais de mundiais, tendo sob suas mãos o comando das Seleções do Kuwait (1982), Emirados Árabes Unidos (1990) e Brasil (1994 e 2006). O técnico Helmut Schoen manteve o primeiro lugar da lista dos melhores treinadores com 25 partidas.
Sem ter o seu trabalho colocado a teste desde o dia 9 de outubro de 2005, quando o Brasil empatou contra a Bolívia por 1 a 1 em La Paz, o zagueiro Lucio foi considerado um dos principais atletas da Seleção Brasileira na Copa de 2006 e também entrou para o Guinness Book. O atleta chegou a ficar 384 minutos sem cometer faltas e superou em pouco mais de um minuto a marca de Carlos Gamarra, tornando-se o defensor menos faltoso em um cronômetro transcorrido. O recorde de minutos sem falta, em mais de uma Copa, no entanto, continuou com Gamarra. O paraguaio tem em seu poder o índice de 500 minutos sem infrações, sendo, ainda prejudicado por um erro da FIFA, que lhe atribui uma falta cometida por um outro jogador.
O gol de número 200 da Copa do Mundo foi marcado por Adriano Imperador na partida contra a Seleção de Gana. Entretanto, o destaque do comando de ataque foi de Ronaldo que, com os magros e justos três gols, ultrapassou Gerd Muller na artilharia das Copas e se tornou o mais importante artilheiro da história dos mundiais. No mesmo dia em que conquistou a façanha, teve o nome comentado em todo o planeta, a começar pela ironia do diário argentino Olé: "E o Gordo supera o recorde de gols convertidos em um Mundial, ultrapassando o alemão Gerd Muller?. O atacante brasileiro, acima do peso, também teve seu feito menosprezado pelo rival alemão: "Eu sempre disse que eu não era o recordista. O verdadeiro goleador de uma Copa do Mundo não somos eu nem ele (Ronaldo) e, sim, Fontaine, pois ele fez 13 anotações em uma só edição. Eu marquei 14 gols em duas edições, 1970 e 1974. Ronaldo precisou de três para anotar seus 15, enquanto Fontaine conseguiu os seus em um só campeonato. Para mim, este é o recorde?. Gerd Müller, entretanto, reconheceu a competência do matador: "Na minha opinião, ele é o melhor, o atacante mais completo no momento. O Brasil precisa de Ronaldo. Eles não têm ninguém mais rápido do que ele na frente. Ele não estava em seu melhor nos dois primeiros jogos, mas contra o Japão poderia ter marcado uns cinco (gols). Mesmo antes de o torneio começar, era óbvio que ele (Ronaldo) conseguiria pelo menos dois gols e igualaria, se não fizesse três e registrasse um novo recorde. Não foi uma surpresa.? Gerd Müller, entretanto, equivocou-se em seu comentário final, com uma declaração contestável: "Os brasileiros precisam muito dele. Se não é Ronaldo com sua velocidade, quem penetrará na defesa do time de Doménech (técnico da França)??, indagou o alemão antes do confronto entre Brasil e França.
A resposta ao segundo maior artilheiro das Copas não tardou a chegar e se tornou também um peso para Cafu. Com a desclassificação nas quartas de final, o lateral não disputou sua quarta final consecutiva e tampouco levantou pela segunda vez, como capitão, a Taça de Campeão do Mundo. Entretanto, outras marcas se evidenciaram diante da derrota. O capitão brasileiro ampliou para 147 o número de jogos com a camisa verde-amarela, com o reconhecimento de 142 jogos pela FIFA, ultrapassou Dunga e Taffarel com 20 partidas disputadas pela seleção em Copas do Mundo e se tornou com os três triunfos obtidos frente às equipes da Croácia, Austrália e Gana, o atleta com o maior número de vitórias, com o êxito em 16 duelos. As marcas, contudo, seriam maiores se Carlos Alberto Parreira não o tivesse sacado do time principal no confronto contra o Japão, contrariando o desejo do atleta mediante a entrevista concedida após a partida contra a Austrália: "Posso até entrar (como titular) e sair depois para dar espaço para o Cicinho. Tenho recordes para bater a gostaria de quebrá-los?, disse na Zona Mista o lateral que estreou na Seleção Brasileira na derrota por 3 a 0, em 12 de setembro de 1990.
O recorde com sabor de vitória, no entanto, foi assinado por um outro brasileiro, temido fora do campo pelo espírito de garra e coletividade. Luis Felipe Scolari, com o comando da Seleção Nacional de Portugal se tornou o técnico com maior número de vitórias seguidas na história da Copa do Mundo. Com as 7 conquistas com a Seleção Nacional do Brasil e as 4 heróicas vitórias com o selecionado português na primeira fase e nas oitavas-de-final da competição, o treinador obteve o recorde de 11 vitórias, sendo que o empate nas quartas-de-final, diante do triunfo nos pênaltis contra a Inglaterra, o deixou com uma invencibilidade de 12 partidas. Luis Felipe Scolari, todavia, ao contrario dos antigos comandados do Brasil, claramente não se importava com os recordes e chegou inclusive a poupar os jogadores pendurados com cartão amarelo e com problemas musculares na partida de Portugal contra o México, quando já havia garantido matematicamente sua classificação à fase subseqüente do mundial. A meta de Felipão ia além de seus recordes pessoais, como se pôde observar na entrevista coletiva concedida após a vitória por 2 a 1 frente ao selecionado mexicano, captada pela Rádio Jovem Pan através do microfone do repórter internacional Luis Carlos Quartarollo "Eu nem sabia disso. Obrigado por me informar?. Diante de tantas metas subjetivas, ficou mais do que comprovado que os recordes pessoais contribuíram para o fracasso brasileiro na Alemanha. As marcas foram atingidas, o título, porém, sucumbiu-se entre o apogeu das conquistas.
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