Na meninice, meus heróis estavam nas revistinhas da editoral EBAL e nos gramados dos estádios, principalmente no pequeno Juvenal Lamartine, onde um dia Garrincha lançou um sorriso para a arquibancada de madeira do velho campinho de Natal

Na meninice, meus heróis estavam nas revistinhas da editoral EBAL e nos gramados dos estádios, principalmente no pequeno Juvenal Lamartine, onde um dia Garrincha lançou um sorriso para a arquibancada de madeira do velho campinho de Natal

Na meninice, meus heróis estavam nas revistinhas da editoral EBAL e nos gramados dos estádios, principalmente no pequeno Juvenal Lamartine, onde um dia Garrincha lançou um sorriso para a arquibancada de madeira do velho campinho de Natal.

Nos primeiros contatos com coleguinhas vindo do Sudeste, era impossível enaltecer o talento de Véscio, Talvanes, Pancinha, Oziel Lago, Pedrinho, Icário, Burunga, Marinho Chagas, Gonzaga, Alberí. Eram nomes inexistentes na realidade de onde eles vinham.

Para os meninos sudestinos que conheciam Pelé, Ademir da Guia, Rivelino, Dida, Gerson, Samarone, Jairzinho, Pagão, não era fácil compreender minha louvação pelos craques potiguares. Para eles, não havia registro histórico, nem memória afetiva.

Casos assim são exemplares para não deixar morrer no esquecimento dos deuses da bola o brilhantismo individual de jogadores que não conseguiram se tornar figuras estelares em grandes equipes, como o britânico Robin Friday, um gênio das divisões secundárias.

Virou uma lenda do futebol inglês com sua vida conturbada pela indisciplina, pelas drogas, o álcool e um temperamento de bad boy. Nos poucos anos de carreira, só se profissionalizou aos 21 anos e encerrou aos 25, fez coisas mirabolantes nos gramados.

Era um atacante fabuloso e de uma velocidade extraordinária, variando com raça de um infante e com uma técnica tão apurada quanto os grandes craques da Premier League. Começou a jogar ainda criança, se incorporando aos quadros do Queens Park Rangers.

Adolescente, surgiu a chance de seguir no poderoso Chelsea, mas quando todos o aguardavam por lá, tomou o rumo do modesto Walthamshow Avenue, de onde saltou para o não menos humilde Hayes, da quarta divisão. Os motivos justificam seu perfil.

É que o Hayes ficava bem pertinho de Hammersmith, na margem norte do rio Tâmisa, e ao lado do clube vendia a cerveja mais barata de Londres. O time era formado por operários da região e Robin Friday saía direto do pub para decidir as partidas, bêbado.

Às vezes cambaleava, as pernas entrameladas na bola, mas, de repente, fazia uma jogada genial, mágica, e levantava os torcedores com gols indescritíveis. Das embriaguezes nos pubs e dos sonos em bancos de praças se reerguia para a glória.

Em 1972, foi achado na sarjeta, totalmente alcoolizado, quase morto, o estômago e os pulmões perfurados por objeto metálico. Passou por seis horas de cirurgia, e o milagre dos médicos o colocou de volta aos gramados apenas três meses depois.

As bebedeiras e os baseados não o impediram de fazer mais gols e de receber uma proposta de renovação do clube, um contrato de 750 libras por mês. No ano seguinte, 1973, aos 21 anos, o Reading o levou para a terceira divisão, onde só não fez chover.

Os três anos no “royal team” foram suficientes para ser eleito pela torcida e pelos dirigentes o melhor jogador de todos os tempos da equipe. Em março de 1976, marcou um gol no Tranmere Rovers que é considerado o melhor da história do futebol inglês.

A finalização pareceu coisa de acrobata de circo, fazendo uma rotação de 180 graus para colocar a bola no fundo das redes, enlouquecendo as arquibancadas e fazendo o próprio árbitro do jogo a colocar as mãos na cabeça num gesto de incredulidade.

Quanto mais fazia gols, mais investia na cerveja e na marijuana, e sempre com surtos de indisciplina e loucura. No verão de 1975, estação profícua para o rock britânico que instigou viagens lisérgicas no craque, Robin desapareceu durante várias semanas.

Foi encontrado numa comunidade hippie, instalada no condado da Cornualha, puxando baseados e experimentando outras drogas da moda ao som dos novos discos de Lennon, Rolling Stones, Led Zeppelin, George Harrison, Deep Purple, The Who e Supertramp.

Em 1976 foi jogar no Cardiff City, da segunda divisão, estreando contra o West Ham da lenda Bobby Moore, marcando dois gols e iniciando outra sequência de atuações que levaram os torcedores a elegê-lo o maior craque do time em toda a sua história.

No conjunto da obra, entre loucura e magia, tornou-se um ícone pop no Reino Unido, um quase cover do irlandês George Best, de melhor sorte e senso profissionais. Ganhou uma biografia escrita por Paul “Guigsy” McGuinan, ex-baixista da mítica banda Oasis.

Outra banda de sucesso, a galesa Super Furry Animals, referência do ritmo indie-rock, estampou uma imagem de Robin cheio de ira na capa do single “The Man Don’t Give a Fuck”, música composta especialmente em louvação ao jogador, ídolo do grupo.

Um dia perguntaram a David Coles, diretor do World Sport Service da rede BBC, quem eram os dez maiores jogadores da história. Listou Pelé, Bobby Charlton, George Best, Beckenbauer, Maradona, Cruijff, Rivelino, Bobby Moore, Yashin e Robin Friday.

Enquanto eu compunha esta crônica, o ator Sam Claflin, de Piratas do Caribe e Jogos Vorazes, era convidado pelo diretor Henry-Alex Rubin para interpretar Friday no filme baseado na biografia e cujo título será algo como “O craque que ninguém viu”. (AM)

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Foto: Arquivo pessoal do colunista

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