Petraglia apresentou moeda virtual ao mercado brasileiro

Petraglia apresentou moeda virtual ao mercado brasileiro

Napoleão de Almeida
Colaboração para o UOL

"Um negócio muito novo, muito moderno, que entra agora no esporte. Complexo explicar em poucas palavras do que se trata". Assim o presidente do Conselho Deliberativo do Atlético Paranaense, Mario Celso Petraglia, apresentou o que considerou uma "inovação, vanguarda" nas operações financeiras no futebol: a entrada do IVI, uma criptomoeda ligada a clubes da modalidade. O Furacão foi o primeiro clube a oficializar a parceria, mas o UOL Esporte confirmou que o Corinthians também está no projeto e que mais agremiações devem aderir – o Santos foi citado nominalmente pelo dono do empreendimento, o franco-tunisiano Fernand Danan, de 66 anos, dono da Inoovi.

Criptomoedas são artigos virtuais com valor financeiro real, existentes desde a invenção do Bitcoin, pioneiro no mercado lançado em 2009. Se baseiam em tecnologia criptografada para serem criadas. Algumas bolsas de valores tradicionais, como a de Chicago, passaram a aceitar o ingresso dessas moedas como parte da lógica de mercado, o que despertou um aumento de interesse no mercado. A Inoovi aparece agora como parceira de clubes e atletas de futebol e, com Atlético e Corinthians, quer operar no Brasil.

Entretanto, o tema causa furor no mercado das criptomoedas. De difícil compreensão e sem grande detalhamento na primeira explicação, a criptomoeda "IVI", apresentada pelo Atlético e que irá também correr no Brasil com o apoio do Corinthians, recebeu críticas de especialistas do mercado. O UOL Esporte conversou com Danan por telefone buscando esclarecer as supostas lacunas apontados no ainda incerto terreno do empreendimento.

Danan é um ex-piloto de aviões que se apresenta como "pretendente ao cargo de presidente da Air France KLM", uma das maiores companhias aéreas do mundo, em sua página no LinkedIn. Ele está em campanha para o cargo. O empreendedor da Inoovi, a empresa das criptomoedas que estabelece laços com os clubes brasileiros, não esteve no Brasil para o lançamento. Quem representou a empresa foram o francês Loic Lacan, que se apresentou como fundador da companhia, e o brasileiro Marcelo Amoretty, advogado e filho do ex-presidente do Internacional, Paulo Rogério Amoretty Souza, falecido no acidente do vôo TAM 3054 em Congonhas em 2007.

Lacan mantém um perfil incompleto no LinkedIn, sem fotos, mas no qual se identifica como consultor de empresas aéreas. É uma das conexões de Danan no site.

Especialistas questionam credibilidade do projeto

Divulgado na coletiva como o canal certo para que os interessados comprem o IVI, o site Infinivi.io – a extensão .io representa o Território Britânico do Oceano Índico, também conhecido como uma das ilhas do arquipélago de Chagos, paraíso fiscal repleto de off-shores – apresenta elementos que chamaram a atenção dos consultores do "Guia do Bitcoin", site brasileiro especializado no segmento.

Sob o título "Dossiê Inoovi: Atlético Paranaense pode ter sido vítima de um grande golpe envolvendo a criptomoeda IVI", uma reportagem do Guia do Bitcoin mostra o que diz ser uma série de incorreções para quem se aventurar a fazer a compra do IVI. A primeira delas é de que, a despeito de ser uma moeda internacional, o formulário de compra exige a disponibilidade de um CPF, documento tipicamente brasileiro. O site ainda enumera uma série de atletas ligados à França que estariam juntos no projeto e promete "melhorar a tributação de rendimentos e conceder rendimentos livres de qualquer impostos".

"Qualquer pessoa pode criar uma moeda. A tecnologia já está pronta. Isso cria um fenômeno bastante complicado. A principal razão pela qual a gente entende que essa moeda é uma furada é o cenário como um todo, aliado com um extremo amadorismo que é o site dessa empresa", contou ao UOL Esporte um dos analistas do Guia, Ezequiel Júnior.

Um dos pontos que chamam a atenção é a identificação do estafe da Inoovi: exceto pelo rosto de Fernand Danan, identificado como CEO da empresa, todos os demais "funcionários" são falsos. Os modelos são os mesmos de um site padrão para empresas de criptomoedas, o Crypto, com fotos de bancos de imagens.

"Pelo tipo do site ali, dá a entender que depois que você compra, só em 90 dias você vai saber o que comprou. Os caras apertaram um botão, emitiram um milhão das moedas e resolveram que custa US$ 1,20 casa. Um negócio muito obscuro", contestou Ezequiel.

O UOL Esporte levou as denúncias a Danan, que deu sua versão. "Um artigo infame. Mandamos um comunicado a eles. Nós assinamos no Brasil há apenas três semanas", justificou o CEO sobre o site, que ainda estaria em construção.

A Inoovi ainda não tem um escritório no País: "Estamos planejando ter um escritório em São Paulo", contou Danan. O responsável pelo "Guia do Bitcoin" confirmou que recebeu um pedido para tirar o artigo do ar, mas se recusou. "Não tem porquê, estamos muito seguros da análise".

O professor universitário Sérgio Siqueira, torcedor do Atlético, foi um dos primeiros a comprar a moeda. Ele adquiriu 20 IVIs, o que equivale a cerca de R$ 84, por meio de um sistema de pagamento terceirizado. "Eles te mandam por e-mail um recibo da compra dos IVIs, mas não dizem onde está isso, é meio esquisito. O Mercado Pago também manda um recibo de pagamento comprovando o envio do dinheiro para a Inoovi", explicou.

"A gente tem que ajudar o clube. Eu mantenho três cadeiras no estádio. Eu não concordo com tudo que essa diretoria faz, mas a minha intenção em comprar esse bônus foi contribuir. Se por um acaso isso se mostrar algo que não ajude a ninguém, esse valor é um valor perdido. Mas não é significativo", completou.

O UOL Esporte também foi atrás dos atletas que aparecem como parceiros da empresa no site. Campeão olímpico de futebol com a França em 1984 e ex-jogador do Lyon, Philippe Jeannol é um dos citados. Hoje ele é comentarista esportivo no Canal+, uma das principais emissoras do seu país. Ele confirmou que faz parte do projeto. "Estou desde janeiro junto com outros jogadores. Conheço todos os envolvidos, somos todos oficialmente membros da IVI Inoovi", disse, via Facebook. Questionado se poderia explicar mais sobre o projeto, sugeriu que a reportagem procurasse informações no site da Inoovi.

Criador da empresa defende e detalha ideia

Em meio às dúvidas que surgiram, a rejeição ao IVI é contestada por Danan. "Já assinamos com Corinthians e Atlético. É uma mistura de patrocínio com o uso da nossa criptomoeda para qualquer uso que ela possa ter, substituindo reais, dólares ou euros por ela, onde ela for aceita. É uma nova moeda criada para o futebol, será algo mundial e começamos pelo Brasil", justificou.

A relação econômica da moeda com o mercado é a aposta de Danan e dos clubes. "Quando tivermos nossa rede de parceiros, você pode pagar tudo com ela. Ou manter a moeda enquanto o valor pode crescer conforme nossa audiência se torne maior e maior", projetou.

Na entrevista coletiva concedida em Curitiba, Petraglia afirmou que o Atlético pretende usar a moeda em tudo. "Vamos utilizar essa moeda na contratação de atletas, no pagamento de salários, de luvas, nos direitos econômicos. Faz parte do nosso escopo promovermos junto à nossa diretoria, os nossos atletas, os nossos sócios e a nossa torcida para que nos ajudem e invistam com seus recursos de poupança. Com essa participação da nação atleticana, o Atlético terá um lucro, uma vantagem financeira e econômica".

Entretanto, a Fifa não permite nenhuma movimentação financeira que não envolva moeda tradicional em suas transações de mercado. Além disso, vetou tentativas anteriores de criação de ações de direitos de atletas. Os direitos só podem ser negociados entre clubes ou jogadores, sem que algum terceiro agente tenha participação – no caso, nenhuma compra de jogador poderá ser feita em IVIs como investimento.

Questionado sobre a contradição, Danan deu sua versão. "Se você compra ou vende algum jogador com a criptomoeda, essa moeda ganha em valor que pode dobrar ou triplicar. Mas atrelar o uso dela a compra será uma decisão das diretorias dos clubes". Em outras palavras: os dirigentes é que, internamente, irão decidir se o dinheiro real usado em uma transação é parte ou não do que foi arrecadado com a criptomoeda.

Clubes evitam questionamentos aprofundados

Tanto Atlético quanto Corinthians foram procurados pela reportagem para esclarecer a parceria. Foram sete as questões enviadas para suas assessorias de imprensa:

Se o modelo da parceria é de um patrocínio simples ou de participação acionária

Se, em caso de patrocínio, o valor pelo uso da marca e outros benefícios dados pelos clubes é feito em criptomoeda ou dinheiro convencional

Se, em caso de participação acionária, a decisão foi aprovada em conselho

Como os clubes pretendem operar com a moeda no mercado do futebol

Se pretendem transformar os IVIs em "commodities"; ou seja, aplicar em compra e venda de jogadores trazendo lucro aos compradores da moeda, mesmo que em gestão interna, e como pretendem, em caso de resposta positiva

Como pretendem justificar os aportes nos balanços

Como se daria a ideia de pagar os salários dos jogadores e funcionários com essa moeda, o que é contrário ao que prega a Lei Trabalhista no Brasil.

Em nota, o Corinthians respondeu que "O Sport Club Corinthians Paulista informa que possui contrato assinado com a empresa `Inoovi Ltd´ para participar no mercado de criptomoedas. A agremiação divulgará um posicionamento da empresa sobre os fatos imputados a ela pelo Guia do Bitcoin e reitera seu compromisso com as melhores práticas em qualquer mercado que atue direta ou indiretamente".

A reportagem não recebeu as respostas do Atlético até a publicação deste texto.

Foto: Reprodução/TVCAP

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