Treinador revelou sonho de treinar a seleção brasileira: "Não tenho pressa"

Treinador revelou sonho de treinar a seleção brasileira: "Não tenho pressa"

Jeremias Wernek
Do UOL, em Porto Alegre

O Grêmio campeão da Copa do Brasil e que joga ofensivo em 2017 não é fruto do acaso. O trabalho do time é reflexo do treinador e o comandante está mais focado do que nunca. Em entrevista ao UOL Esporte, Renato Gaúcho revela que fez uma promessa à esposa, Maristela Bavaresco, e à filha, Carol Portaluppi, antes de voltar a Porto Alegre: ser o melhor técnico do Brasil.

Mais do que isso. A condição na profissão faz parte de um plano de carreira a médio e longo prazo. O sonho de Renato é chegar ao cargo de treinador da seleção brasileira.

"Eu falei para elas: vou voltar, vou ser o melhor e vou para a seleção brasileira. E eu sei que tenho capacidade para isso", diz Renato. "O Tite é um dos melhores do mundo, então nem penso nisso agora. Mas sei que minha hora vai chegar", completa.

Confinado em um hotel de Porto Alegre, Renato confessa que devora jogos pela TV. No Grêmio, interage com toda a estrutura do departamento de futebol. Do jogador ao médico. Do dirigente ao funcionário do almoxarifado. Tudo para proteger o elenco.

"A vida de treinador é muito estressante, você não tem noção. No Grêmio, por exemplo, eu tomo milhares de decisões por dia. Me meto em todos os setores por saber que tudo estoura no campo. Então eu vou ao departamento médico, na parte física, na nutricionista, vou até a diretoria, vou ao presidente, ao jogador. Eu vou por me garantir. Eu converso. Eu me preocupo com tudo. Uma área que não andar vai entrar no campo e estourar no treinador", comenta.

Confira a entrevista completa:

Tem de ter coragem para ser treinador onde é ídolo

É muito vantajoso. Eu me orgulho de ser ídolo do Grêmio, me orgulho ser treinador do Grêmio. Me orgulho ter sido campeão como jogador e treinador. Agora, para aceitar como eu aceitei, tem de ter muita capacidade, muita coragem. Não é fácil ser ídolo e aceitar ser treinador. Principalmente na primeira vez, que eu cheguei e o time era 19º na tabela. Acabamos com vaga na Libertadores, mas e se o Grêmio tivesse caído? O meu nome seria manchado?  Eu seria o culpado. Vou até falar um exemplo de quem admiro, sempre vai ser ídolo e não terá a imagem arranhada, mas desgastada. O Rogério Ceni. Eu vim para o Grêmio em situação muito pior que ele lá. Vim no meio da temporada, conhecendo poucos jogadores e tinha só o segundo turno pela frente. Tem de ter muita coragem e capacidade para aceitar. Tudo que eu construí poderia ter colocado a perder. É muito bom ser ídolo, mas para isso tem de se garantir. Ter coragem. Eu tenho muita confiança dentro de mim e por isso sempre aceitei vir para o Grêmio.

"Muita gente fala que mando em tudo. Não é isso"

É maravilhoso. O meu relacionamento aqui só não foi bom com o Paulo Odone [ex-presidente do Grêmio]... Eu sei o porquê, mas é melhor deixar para lá. Certo deu, mas o relacionamento não deu. Tanto deu certo que eu peguei em 19º lugar e fomos à Libertadores. Com todos os outros, o relacionamento foi e é maravilhoso. Com Fábio Koff, com Duda [Kroeff], que era o presidente em 2010, com Romildo [Bolzan Jr.] agora. Com Odorico, vice-presidente, doutor Saul. Com o Alberto Guerra. Não tenho do que me queixar, bem pelo contrário. O que vale é a franqueza, confiança. A gente joga aberto, não tem sacanagem e nem traíragem. Lógico que sou mais experiente que eles, por ter convívio mais ali. Mas eles são meus chefes, tem hierarquia. O relacionamento é como se fosse uma família, sempre entre quatro paredes. Se eu tiver alguma dúvida, ligo direto para o presidente. E sempre falo que quatro ou cinco cabeças pensam melhor que uma. Eu procuro sempre trocar ideias para fortalecer minhas decisões. Ouço muita gente falar que eu mando em tudo, que decido tudo. Não é isso. Eles são meu chefes? São. E quando decido, se quero fortalecer, falo com eles. Troco ideias, chego à minha decisão e compartilho com eles.

"Pode passar cinco anos na Europa e não aprender nada"

Com o passar do tempo a pessoa aprende. Tenta errar menos, conta até dez. A experiência dá sabedoria maior, mas dá conhecimento melhor no dia a dia. Muita gente fala: `o Renato não estuda, não vai para Europa´. Cada um tem seu conhecimento. Às vezes tem um cara super inteligente que não fez faculdade. Eu trabalhei com os melhores treinadores do Brasil, fiquei dez anos na seleção. Joguei com os melhores da minha geração. E tenho meu próprio conhecimento. Não é me elogiar, mas eu venci na minha profissão, ganhei muitos títulos, joguei com os melhores, sempre fui inteligente dentro do campo. Não tenho nada contra quem vai até a Europa estudar, não tenho mesmo. Muita gente acha que indo para Europa volta muito melhor. Depende, depende... Se passar um ano lá, vai voltar melhor. E depende da tua inteligência. Pode passar cinco anos lá e não aprender nada. Eu tenho meu conhecimento e sempre aprendo mais.

Confinado em hotel, vive vendo futebol

Todo mundo chega ao hotel e estou vendo futebol. Ninguém acredita, mas estou lá. Vendo futebol o dia todo. Isso não quer dizer que `ah, o Renato estuda porque fica vendo futebol´. Depende de cada um, tem gente que pode ver 30 jogos e não aprende nada. É de cada um. Eu vejo jogos, eu vivo em um hotel e chamo de Alcatraz. Eu não saio, fico no hotel, então o que eu faço? Vejo jogos. Vejo Séria A, Série B, da Europa... Vejo tudo. Copa do Brasil, Libertadores... Eu fico lá em Alcatraz, como eu chamo. É o que eu tenho...

Renato se vê "mais ou menos" parecido com Tite

[Pausa] É difícil até. Me vejo com conhecimento grande. Um cara que enxerga muito no futebol. Tenho tomada de decisão rápida, algo que o futebol exige, e eu acerto quase todas. Então isso me dá confiança muito grande e é fundamental ser gestor. Não é fácil ter 30, 35 jogadores e ter todos eles na mão. A melhor qualidade para ser treinador é ser gestor e os exemplos estão aí. O cara pode ser um grande treinador, um bom treinador, mas ele só vai conseguir vencer na profissão sendo gestor. Se tiver qualidade e souber gerenciar, ninguém segura. Ninguém. O cara que cito como exemplo nesse aspecto é o Tite. Ele é mais ou menos parecido comigo no modo de trabalhar, de gerir o grupo. No momento que não tem o grupo, não vai a lugar nenhum. Pode até ser campeão, mas não fica muito tempo. Lógico que depois vem o conhecimento, mas digo que não cai de paraquedas no futebol... Você pode ser um grande treinador sem ter jogado futebol. E pode ser um grande treinador tendo sido jogador de futebol. A diferença entre um e outro dá vantagem de um planeta. Ele tem experiência, vivência nas quatro linhas. Uma coisa é saber a teoria, outra é ter teoria e prática.

Promessa para mulher e filha de voltar e "levar mais a sério"

Você tocou em um bom assunto. Agora estou levando mais a sério. Quando voltei, prometi à minha esposa e à minha filha: eu vou voltar e vou ser muito bom. Ano passado, antes de voltar ao Grêmio, falei que quando voltasse ia levar mais a sério. Não que eu não tivesse levado a sério antes. Digo que daria continuidade ao trabalho. A vida de treinador é muito estressante, você não tem noção. No Grêmio, por exemplo, eu tomo milhares de decisões por dia. Me meto em todos os setores por saber que tudo estoura no campo. Então eu vou ao departamento médico, na parte física, na nutricionista, vou até a diretoria, vou ao presidente, ao jogador. Eu vou por me garantir. Eu converso. Eu me preocupo com tudo. Uma área que não andar vai entrar no campo e estourar no treinador.

Renato Gaúcho quer treinar a seleção um dia

Eu me dediquei mais no dia a dia, estou levando muito a sério porque quero chegar à seleção brasileira. O Tite é um dos melhores do mundo, então nem penso nisso agora. Mas sei que minha hora vai chegar. E tenho de estar pronto, preparado, fazendo bons trabalhos. Hoje a seleção está muito bem servida. Talvez, se o Tite não estivesse lá, eu poderia ser cogitado, mas agora nem quero. Nem passa pela minha cabeça. Eu bato palmas, o Tite resgatou a alegria da seleção e do torcedor. Inclusive a minha. Dá prazer ver a seleção jogar, ele é um dos melhores do mundo. Mas eu sei que se estiver bem no clube que eu estiver, a hora vai chegar. Não tenho pressa. E foi isso que falei para elas (esposa e filha). Vou voltar, vou ser o melhor e vou para a seleção brasileira. E eu sei que tenho capacidade para isso. Mas tenho de demonstrar nos trabalhos. Não é falar e só ficar falando. Eu tinha 18 anos quando cheguei ao Grêmio e falei que meu sonho era ser campeão e ir para seleção. No ano seguinte foi campeão e fiquei 10 anos na seleção.

Renato Gaúcho é um personagem?

Não, não. Esse é o Renato. Muita gente acha que sou mascarado para c... Não. Eu sou tímido demais. Quem me conhece e vê o dia a dia sabe. Eu uso óculos por me sentir mais protegido. Uso boné para as pessoas nem me reconhecerem. Às vezes consigo passar despercebido. Sou tímido. Não é personagem, não mesmo. Por que eu inventaria um personagem? Eu tenho tudo na vida. Acima de tudo, tenho sucesso, não falta nada. O personagem o cara inventa por ser artista. O cara que faz teatro, o cara que não se garante e aí inventa, mas nem tenho nada contra. Monta um tipo e tal. Mas eu sempre fui assim, antes mesmo do futebol. Não tem personagem, nada disso.

Ser subestimado como treinador pelo estilo e personalidade

Quem é bom treinador? O cara que vai ao microfone e fala bonitinho, se porta bonitinho, que veste terno e gravata? O cara que prepara discurso? O cara que é bom, falo na minha profissão, dá resultado. Ponto. Não quero saber o que ele fala, como ele fala. O bom dá resultado. E por onde passei, dei resultado. Para esse tipo de gente, pessoas que comentam na maldade, por inveja e ciúmes, digo que tenho pena. Elas reconhecem meu trabalho, mas atacam. Tem que ter jeito para ser treinador? Mas elas não fazem parte do meu mundo. Eu adoro ver uma crítica construtiva, adoro. Gosto de aprender, mas no momento que tem maldade, ciúmes, eu sinto pena. Pena, pena, pena. É 1%, mas tem. Eu sei. Nem o homem lá de cima agradou todo mundo e eu vou agradar? Não, né?

Status do Grêmio: o melhor time montado por Renato

O Grêmio de 2017 é muito bom. O Grêmio de 2010 também era muito bom, tinha jogadores de muita qualidade. O esquema de jogo hoje, eu acredito, pela valorização da posse de bola, é melhor. O Grêmio nunca jogou nesse sistema, valorizando tanto a bola, e sendo agressivo. Isso é muito bom para o futebol gaúcho, principalmente o Grêmio, por sempre ter tido jogo competitivo. Não que não exista qualidade, mas eu consegui introduzir no Grêmio a alegria de jogar. Valorização da posse. Hoje em dia o meu time se desgasta menos na parte física por valorizar a bola, algo que o Grêmio não tinha feito. Joguei vários anos aqui e gosto desse sistema. O Grêmio tem um sistema que nunca foi aplicado aqui.

A montagem do time atual e da ideia do jogo ofensivo

Essa filosofia vem desde o ano passado. Trocamos várias peças, mas a ideia continua. Só não teve mais dessa ideia pelo pouco tempo de trabalho. Tive três meses e estávamos na Copa do Brasil e Brasileiro. Por isso fomos com time principal na Copa do Brasil, era o caminho mais fácil de conquistarmos um título. Fomos com intuito de ganhar, mas nem tínhamos tempo de treinar. Esse ano nós tivemos um pouco mais de tempo, mudamos alguns jogadores e podemos trabalhar a filosofia de jogo. O time mantém o mesmo padrão sempre.

O que mais agrada no atual time do Grêmio?

Alegria que tem para jogar e confiança. Eu falo para eles terem alegria para jogar. Lógico que com responsabilidade. Mas essa confiança, essa liberdade, faz com que eles entrem em campo livre, leves e soltos. E eu seguro todas aqui fora por eles. Eu não fico cobrando, dou confiança. Trato eles como a minha filha: dou conselhos, mostro o melhor caminho. Converso individualmente com cada setor, depois junto todo mundo e falo da parte tática geral. A pressão vai chegar se a gente não conseguir os resultados, mas para conseguir os resultados é preciso deixar todos livres, leves e soltos. Eu prefiro que eles errem tentando do que venham a se omitir. Por eu ter sido jogador sei o quanto é importante a confiança que o chefe tem e passa.

A relação de Carol Portaluppi com o futebol

Ela é Renato Futebol Clube, mas ela gosta do Grêmio. Ela vê os jogos, todos eles. Ela corneteia, agora não tenho dado muita chance... Nos últimos 12 meses, né? Proíbo ela de dar entrevista, uma vez ou outra ela dá uma escapada. Sabe como é, né? Os caras jogam verde para ela, não tem malandragem, então uma palavra fora de lugar o cara monta e vende uma página no jornal. Indiretamente, vai me ferrar. Por isso não deixo ela dar entrevista. Uma ou outra, quando eu estou do lado, até vai. Eu estou protegendo minha filha. Onde eu estou, ela veste a camisa. Aqui ainda mais. Por ela, estaria aqui em todos os jogos. Eu que travo ela. Não tenho máquina de fazer dinheiro, não dá para viajar para cá todo dia. Ela briga comigo, me xinga por querer vir. Mas falei para vir só nas finais e esquentar o pé. Agora ela joga na minha cara que veio e fomos campeões.

Foto: Lucas Uebel/Grêmio

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