A TV no bar do seu Mário não passa novela nem Faustão. Está sempre tingida de verde com a bolinha quicando, de lá para cá

A TV no bar do seu Mário não passa novela nem Faustão. Está sempre tingida de verde com a bolinha quicando, de lá para cá

O Bar do seu Mário é um boteco do tipo pé-sujo, em Pinheiros, bairro de classe média-alta em São Paulo. Na verdade, é um pé-sujo disfarçado. Acolhe uma clientela de intelecas e mezzo hippies atrás do bolinho de bacalhau e da cerveja em garrafa de 600. Muito honesto, enfim. Sem queixas ou mau julgamentos. Expoente da comida anti-gourmet.   

Há pelo menos vinte anos, atarraxo meu bigo no balcão do seu Mário (sem trocadilho, por favor). Refúgio ideal tanto para uma feijoada gordurenta como para assistir aos jogos da Champions no meio de uma tarde vagabunda. A TV é bem localizada, meio de esguelha. Ela dá atenção caprichada aos fregueses que preferem o balcão às mesas, mais afastadas.

O aparelho do seu Mário não passa novela nem Faustão. Está sempre tingido de verde com a bolinha quicando, de lá para cá. Devido à sua angulação estratégica, concede prioridade aos pinguços que apreciam os mistérios das quatro linhas. Quer assistir ao joguinho? Se abanca no balcão. A mesa serve para outros assuntos, porra!

Sábado à tarde, não fui para Itaquera. Compromisso familiar. Vencido o ramerrão do almoço, consegui calhar o segundo tempo de Corinthians e Inter no seu Mário. Comigo, aboletado no lombo, carregava meu moleque de nove meses. Era lhe tascar um naco de pão para distrair o enfado e ensinar o pivete a sofrer.

E sem querer me gabar, no seu Mário é reduto. Só tem corintiano. Cheguei patrão, no intervalo. Mal me serviram a gelada, reparei no azar. Em vez do jogo do Timão, por trás das 40 polegadas de LED, corriam atrás do couro São Paulo e Chapecoense.

Tudo bem, sou democrata e respeito o direito de precedência. Quem pede primeiro, tem primazia. Paciência. Por desencargo de consciência, chequei à direita, à esquerda: nem um tricolor para dar pitaco. Cléber Machado, coitado, se esgoelava para o vácuo.

Chamei o garçom na intimidade:

-- Aê, Juca, bota no Timão.

E então veio o primeiro disparate: “não posso, tem uns gringos assistindo”.

De fato, a vinte metros dali, na curva do bar, meia-dúzia de pingalhados conversavam absortos num sotaque enrolado. Não davam a mínima para o Rogério Ceni.

-- Não fode, Juca! Não tem ninguém vendo...

Mas o motivo torpe logo se revelou: “patrão, é mesa de mil reais... não vou mudar o canal”.

A lâmina da traição entrou doída. Jogados no lixo vinte anos de freguesia por um punhado de dinheiro estrangeiro. E o fair play financeiro? E a síndrome de vira-lata? Pior foi o seu Mário, no caixa, que meteu aquela cara de paisagem.

Que remédio: catei o moleque, a ampola e minha honra ferida. Parti buscar guarida na concorrência. Confesso não fui embora sem despejar um desaforo homofóbico-clubístico mirando a vil gringalhada. Não devia.

No seu Mário, nunca mais!

 

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