No início, ele não queria. Achava que aquilo não era futebol. Quando tentou a primeira vez, foi pior ainda

No início, ele não queria. Achava que aquilo não era futebol. Quando tentou a primeira vez, foi pior ainda

Alex Sabino

Do UOL, em Newcastle (Inglaterra)

Paul Matheson, 51, grita para seus jogadores à beira do campo em Newcastle, no norte da Inglaterra. Seria uma cena comum no futebol, mas chama a atenção seu assistente estar o tempo inteiro ao lado, dizendo coisas no ouvido do treinador.

Assim que escuta alguma coisa, Matheson pensa por alguns instantes e berra instruções para algum atleta que supostamente não está cumprindo suas ordens. As determinações são acatadas prontamente.

Matheson perdeu a visão há dez anos por causa de um dano no nervo óptico. Consequência do glaucoma. É o único técnico de futebol deficiente visual certificado pela Federação Inglesa.

"Acho que no início, os jogadores ficaram um pouco desconfiados. O que eu poderia dizer para eles sem ver o jogo? Mas com as informações que recebo, posso enxergar com a mente. Creio que eles perceberam isso", disse ele, em entrevista ao UOL Esporte.

O futebol deprimiu Matheson. Obcecado pelo esporte e boleiro amador, demorou a assimilar que não poderia mais entrar em campo e nem assistir aos jogos do seu amado Newcastle United no estádio Saint James Park, que frequenta desde que tinha cinco anos.

"Foram meses ruins. Muito ruins. Você pensa em muitas coisas que não gosto nem de lembrar", confessa.

O futebol salvou Matheson. Convidado pela Henshaws Society for Blind People, entidade voltada a deficientes visuais na Inglaterra, começou a praticar a modalidade paraolímpica, em que a bola tem um dispositivo que emite sons para que os jogadores saibam onde ela está.

No início, ele não queria. Achava que aquilo não era futebol. Quando tentou a primeira vez, foi pior ainda.

"Eu ficava parado em campo, esperando a bola chegar em mim, em vez de seguir o som", conta.

Aos poucos, foi se acostumando e se reencontrando com a paixão de infância. Com a ajuda da Newcastle United Foundation, começou a treinar futsal para crianças em uma quadra aos pés do estádio que ainda frequenta religiosamente todas as temporadas do time profissional.

Com o tempo, passou da molecada aos adultos. Partidas amadoras, mas é quando ele se prepara para outros cursos que pretende fazer na própria federação nacional e na Uefa.

"Futebol me deu a vida de volta e agora eu quero retribuir. É muito mais do que apenas um jogo."

Matheson quer se especializar no esporte voltado para deficientes visuais. Também como técnico. Garante ter muitas ideias para contribuir com o desenvolvimento da modalidade. Não possui qualquer pretensão profissional no futebol "normal" de 11 contra 11.

"Acho que eu quero retribuir para o futebol tudo o que ele me deu. Eu quero estar dentro do esporte de alguma forma", conclui Matheson, enxergando além da visão.

Foto: UOL

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