Em entrevista à BBC Brasil, o zagueiro do Corinthians, Paulo André, líder e porta-voz do movimento, deixou claro que, caso não haja pelo menos o diálogo para discutir as mudanças propostas, a greve dos atletas será inevitável

Em entrevista à BBC Brasil, o zagueiro do Corinthians, Paulo André, líder e porta-voz do movimento, deixou claro que, caso não haja pelo menos o diálogo para discutir as mudanças propostas, a greve dos atletas será inevitável

Renata Mendonça
Da BBC Brasil, em São Paulo

No início, o discurso adotado pelo Bom Senso FC - movimento com mais de mil jogadores que reivindica mudanças no futebol brasileiro - com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) era cauteloso. Os atletas afirmavam não querer brigar ou bater de frente com a entidade e a greve era uma possibilidade bem distante.
Dois meses depois, os jogadores mudaram de vez o tom do discurso. Protestos têm sido organizados a cada rodada do Campeonato Brasileiro, com os atletas manifestando de alguma forma sua insatisfação dentro de campo - seja cruzando os braços por um minuto, ou sentando no gramado após o apito inicial das partidas.
Agora, eles já admitem até a possibilidade de uma greve geral na primeira divisão do torneio nacional.
Em entrevista à BBC Brasil, o zagueiro do Corinthians, Paulo André, líder e porta-voz do movimento, deixou claro que, caso não haja pelo menos o diálogo para discutir as mudanças propostas, a greve dos atletas será inevitável.
"Eles estão brincando com o fogo, e os atletas estão chegando no limite de sua paciência. Não sei se a greve é para agora, mas se continuar desse jeito, ela vai acontecer", afirmou.
Conforme o Bom Senso FC foi ganhando força, a postura da própria CBF com relação ao movimento também mudou. Se antes a entidade aceitava dialogar com os atletas e até elogiava a iniciativa deles, hoje o discurso é diferente.
O vice-presidente da confederação, Marco Polo Del Nero, aconselhou os atletas a conversarem com os clubes para pedir um "revezamento no elenco", caso queiram jogar menos. Já o presidente da entidade, José Maria Marin, pediu ao Bom Senso para pensar nos times de divisões inferiores, que não têm calendário para jogar a temporada toda e sobrevivem dos longos estaduais no início do ano.
Restando ainda uma rodada para o término do Campeonato Brasileiro, o Bom Senso FC ainda aguarda um posicionamento da CBF com relação às reivindicações para definir os próximos passos do movimento.
Leia abaixo a entrevista de Paulo André à BBC Brasil:
BBC Brasil - Entrevistamos Alex (meia do Coritiba e um dos líderes do movimento) em outubro, quando o Bom Senso FC estava começando e, naquela época, o discurso de vocês ainda era de diálogo com a CBF. O que mudou de lá para cá?
Paulo André - No início, a gente buscou o diálogo, a gente buscou ser o mais transparente possível nas negociações com a CBF, fomos recebidos duas vezes na sede da entidade e na segunda reunião ficou claro que a CBF não tinha nada a acrescentar ou a discutir nos pontos levantados pelo Bom Senso. E essa falta de vontade de buscar um produto melhor para todos incomodou o Bom Senso e fez com que a gente começasse a se manifestar antes dos jogos para chamar a atenção do público e da própria CBF.
BBC Brasil - Como está o diálogo com a CBF agora?
Paulo André - Nós não tivemos mais reuniões, nossa comunicação com eles agora tem sido por meio de notas oficiais. Nesta semana as coisas esquentaram um pouco mais, a gente vê as declarações dos dirigentes, primeiro não reconhecendo a legitimidade do Bom Senso e num segundo momento dizendo que é impossível mudar isso, mudar aquilo, que não adianta só olhar pela visão dos atletas...ou seja, eles não têm a menor ideia do que nós estamos falando, realmente não estão preparados para estarem no cargo em que eles estão. E nós mais uma vez - com os protestos aumentando a cada rodada - estamos tentando encontrar um senso comum que possa atender as nossas demandas, ou que possa pelo menos argumentar contra elas de forma eficiente, que nos convença para que a gente fique quieto e vá trabalhar.
BBC Brasil - A CBF tem argumentado que "se os atletas querem jogar menos, eles devem pedir um revezamento do elenco nos seus clubes". O que você acha disso?
Paulo André - Essas declarações dos dirigentes da CBF demonstram toda a incapacidade técnica que esses políticos têm de tratar o futebol, a gestão do futebol profissional. Queria perguntar pra eles quem é que paga a conta de um elenco mais inchado pra que se limite o número de jogos dos jogadores, mas não do clube. Eles estão indo completamente na contramão de tudo o que é lógico e que é racional, de tudo o que é praticado em outros países e têm obtido sucesso. Infelizmente eles vivem nos tempos das pedras, onde eles acreditam que ninguém tem nada a acrescentar ao conhecimento que eles possuem.
BBC Brasil - Quantos jogadores estão no movimento agora?
Paulo André - Temos mais de mil assinaturas, praticamente todos os clubes das séries A e B aderiram. Temos também o apoio de seis clubes da Série A, o que é muito importante, e a gente acredita que os clubes serão o diferencial num momento de tomada de decisão pela CBF.
BBC Brasil - Quais são esses clubes?
Paulo André - Minha cabeça está um pouco ruim agora, mas são Bahia, São Paulo, Flamengo...tem mais três, mas não estou lembrando agora.
BBC Brasil - Vocês têm feito protestos em todas as rodadas ultimamente. Como surgem as ideias desses protestos?
Paulo André - As ideias surgem do bate-papo dos atletas, de forma inusitada, engraçada, porque cada um tem uma manifestação, uma vontade, e a gente tenta escolher a votada pela maioria, só que com alguns princípios básicos, de se respeitar o torcedor, de respeitar o espetáculo e o clube e só tentar demonstrar nossa insatisfação com a CBF. Eles devem aumentar na próxima rodada, e a gente não descarta a greve na semana que vem. A greve não tem nenhum tabu, não tem nenhuma dificuldade, é simplesmente uma posição de bom senso do movimento de aguardar até o último momento.
BBC Brasil - Até quando vocês vão esperar uma resposta da CBF sobre as reivindicações do movimento?
Paulo André - Essa cronologia é fundamental, lógico que não dá para mudar o futebol, o fair play e o calendário de um ano para o outro, mas é necessário que a gente sente numa mesa e resolva: em 2014 vai acontecer isso, em 2015 isso, em 2016 aquilo, dando prazo aos clubes, às federações e aos atletas para que se preparem. É evidente e eles não podem negar que as mudanças são urgentes. O problema é que eles fingem que elas não são urgentes e que não são necessárias. Eles estão brincando com o fogo e os atletas estão chegando no limite de sua paciência. Não sei se a greve é para agora, mas se continuar desse jeito, ela vai acontecer.
BBC Brasil - Não seria grande o impacto de uma greve em pleno ano de Copa do Mundo no Brasil?
Paulo André - Grande é o despreparo dos nossos políticos do futebol, que não previram que em 2014 teria a Copa do Mundo e não adaptaram o calendário. Grande é o despreparo deles para organizar a Copa do Mundo. A greve é o menor dos problemas deles e reflete essa incapacidade de gerir o futebol brasileiro.


Foto: UOL

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