Quando iniciou a carreira, em 1959, tinha uma cabeleira densa sempre tratada com brilhantina Coty

Quando iniciou a carreira, em 1959, tinha uma cabeleira densa sempre tratada com brilhantina Coty

A seleção brasileira só repetiria o fiasco da Copa de 1966, na Inglaterra, quarenta anos depois, na Alemanha, e mais na frente na hecatombe do Mineirão de 2014. Em outubro de 1967, o cartola Paulo Machado de Carvalho, chamado de “marechal da vitória” em 1958, elegeu um culpado do vexame em Liverpool: Gérson.

Meia esquerda do Botafogo, oriundo do Flamengo, o jogador quanto mais tratava bem a bola, mais era mal tratado por dirigentes, imprensa e até os árbitros. Nos anos 1960, apesar de já ser um dos nossos gênios, Gérson era fichado como um mau-caráter.

Paulo Machado apelou na mídia para que o craque fosse barrado na próxima copa, a do Méxio, em 1970. “Ele levará ao escrete nacional os problemas disciplinares que cria no seu clube”, decretou o fundador da Rádio Record e chefão da CBD, atual CBF.

A palavra e o vaticínio do cartola foram derrubadas pela opinião de ninguém menos que a própria rainha da Inglaterra, Elizabeth, quando da sua visita ao Brasil em novembro de 1968, dois anos após o seu real team conquistar a Copa do Mundo em solo britânico.

Sua alteza juntou-se aos 100 mil súditos do rei Pelé que lotaram o Maracanã para o duelo entre jogadores cariocas e paulistas. A revista Fatos & Fotos de 28 de novembro de 1968 registrou o encanto de Elizabeth com o jeito de Gerson jogar o esporte bretão.

Debaixo de uma grande foto em que o craque do Botafogo supera dois adversários, a legenda: “Gerson foi o jogador que mais entusiasmou a rainha. Ele deixou o campo antes do fim do jogo  para trocar de uniforme e ela ficou com muita pena”.

E contrariando Pauo Machado, em 1970 Gérson foi o maestro da mais brilhante conquista do futebol brasileiro, fez uma exibição de gala na Copa do México, comandou as “feras” como um capitão sem braçadeira. Foi o dono da bola na vitória do tricampeonato mundial.

Jamais haverá um líder, uma referência, um meia como ele. O apelido “Canhotinha de Ouro” caiu bem, posto que ao resto dos canhotos cabe prata ou o bronze. Gérson nasceu com um chip no pé esquerdo, um programa matemático para milimetrar seus passes precisos.

As imagens da sua participação em seis jogos do Brasil em 1970 ou do campeonato carioca colhidas pelo Canal 100, impressionam. Fazia lançamentos de 50 metros no pé de Jairzinho ou no peito de Pelé. Calculados num olhar e no apontar da mão direita.

O segundo gol do Brasil na virada sobre a Tchecoslováquia foi graças à genialidade do maestro. Gérson iniciara a copa ainda se recuperando de uma contusão, a perna direita doía, ao ponto de ser substituído no segundo tempo por Paulo Cezar Caju.

A bola sobrou na intermediária e ele viu Pelé avançar. Ao apoiar o corpo na perna doente, sofreu sozinho a dor lancinante, num tempo necessário para mandar a bola no peito do rei, entre os zagueiros. Na comemoração, ninguém viu a lágrima rolar no rosto de Gérson.

Só quem não conhecia o canhota de perto o imaginava um mau-caráter. Em casa, perto da mulher e filhos era uma profusão de sentimentalismo e chorava por tudo. Quando trocou o Flamengo pelo Botafogo, foi acusado de mercenarismo e amor ao dinheiro.

Foi seu pai quem correu à imprensa e desmascarou os verdadeiros sem caráter. Um cartola do Flamengo, Fadel, armando a venda do craque para o Bolonha, provocou um clima de animosidade entre o jogador e o clube. Dizia que Gérson fazia exigências.

Nunca fez. Sabia administrar a grana que ganhava com a ajuda do pai e tios, e jamais pensou em trocar o futebol brasileiro pelo italiano. Um terrível medo de viajar de avião também contribuiu bastante. Sem clima no Mengo, foi para o Fogão.

Atingiu o auge da sua carreira no time da estrela solitária, onde conquistou liderança e muitos amigos. Sem arrogância, apesar de falastrão, foi sempre um líder no campo ou na concentração e era um exímio piadista e inventor de apelidos para os colegas.

Para muitos torcedores e jornalistas que viveram o futebol nas décadas de 60 e 70, ele foi o mais representativo craque do que se chamou “futebol arte”. Gérson é hoje para aquele ritmo e estilo de jogo o que o também maestro Tom Jobim foi para a Bossa Nova.

Quando iniciou a carreira, em 1959, tinha uma cabeleira densa sempre tratada com brilhantina Coty, que abandonou depois com o avanço da careca. Ganhou um estigma, por causa de uma propaganda de cigarro, que só alimentou as más línguas.

Os cigarros Vila Rica, que ele jamais experimentou, tinham o slogan “leve vantagem em tudo”, e que logo se transformou na essência do famigerado “jeitinho brasileiro”. Que para piorar, foi adaptado no linguajar popular como “A Lei de Gérson”.

Mas a verdadeira lei do craque foi motivo de uma charge de Henfil, o gênio do humor nacional. Nas páginas da revista Placar, o personagem Zeferino acusa o técnico Zagallo de não se impor na seleção, onde Pelé (de acordo com boatos) era quem escalava o time.

Zagallo explode. Que calúnia. Chama o rei e pede para que responda diante do Zeferino: “Quem escala o time é você?”. Pelé grita: “Mentira da imprensa! Não sou eu quem escala. Eu dito apenas a tática. Quem escala é o Gérson!”.

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