O treinador Rubén Magnano, argentino que levou seu país ao ouro olímpico em 2004, fala em luta pelo título

O treinador Rubén Magnano, argentino que levou seu país ao ouro olímpico em 2004, fala em luta pelo título

Luis Augusto Simon

Do UOL, em São Paulo

A França, atual campeã europeia, é a adversária inicial do Brasil no 17º campeonato mundial de basquete. O grupo A, com sede em Granada, tem ainda a Espanha, vice europeia e olímpica, a Sérvia, Irã e Egito. Muito forte, mas no Brasil há certeza de que será possível conquistar um lugar melhor do que o nono do Mundial da Turquia, em 2010 ou o oitavo de 2002 em Indianapolis, EUA. E, é lógico, ninguém pensa ou admite algo tão vexaminoso como o 19º de 2006, em no Japão.

O treinador Rubén Magnano, argentino que levou seu país ao ouro olímpico em 2004, fala em luta pelo título. Há um clima de otimismo. E ele se deve muito à presença de Maybiner Hilário, o Nenê, 2,11 metros, 134 quilos. Esta também pode ser aa última chance de Nenê ser reconhecido, pela torcida brasileira, como um ídolo. Ou, no mínimo, como alguém interessado em seu país.

Esperança dos dias de hoje está depositada no jogador odiado no ano passado. A relação conflituosa que o atleta vive com a torcida brasileira já é antiga. Há exatamente um ano, em 30 de agosto de 2013, o Brasil estreou com derrota para Porto Rico (72 a 65) na Copa América, que garantia quatro vagas para o Mundial. Seguiram-se derrotas contra Canadá, Uruguai e Jamaica, sim Jamaica, e o Brasil foi eliminado. Ficou em nono, entre dez equipes, à frente apenas do Paraguai.

Nenê não estava lá. Havia recusado a convocação como tantas vezes. Não esteve no Pré Olimpico de 2011, por motivos pessoais. Contusões o tiraram dos Mundiais de 2006 e 2010. Tantas ausências consolidaram a percepção de que Nenê não se importa com o Brasil.

Uma percepção que se consolidou a partir da postura de Oscar, grande ídolo dos anos 80, que acusou Nenê e Leandrinho, que também não estiveram na Copa América. Implacável , Oscar disse e repete a toda hora que os dois "deram calote" na seleção e que nunca deveriam ser chamados novamente. Oscar também pede a demissão de Rubém Magnano.

Oscar foi além das críticas. Em 12 de outubro de 2013, dois meses após a eliminação brasileira, Nenê chegou ao Brasil como a grande atração do jogo disputado no Rio entre Bulls e Wizzards, seu time. Seria o embaixador da NBA em sua primeira passagem pelo Brasil. Foi vaiado pela torcida, sob comando de Oscar.

A CBB mostrou mais competência nos bastidores do que no gerenciamento do basquete brasileiro e conseguiu – a custa de muito dinheiro – uma vaga no Mundial. E lá vai Nenê tentar o que ainda não conseguiu: o amor, ou, ao menos o respeito da sua gente.

Mas precisava ser assim? Ele é tão "bandido" assim?

Lula Ferreira, atualmente treinando o time de Franca, dirigiu Nenê na seleção. E não o culpa por nenhuma ausência no período entre 2003 e 2007. "Estivemos juntos no Pré-Olímpico de 2003 e 2007. Em 2003, ele ainda era um garoto, tinha um ano de NBA e aceitou a convocação. Em 2006, estava machucado e não foi ao Mundial. E, em 2007, disputou o Pré-Olímpico. Não estava muito bem fisicamente" e foi assim mesmo. No último jogo, contra a Argentina, teve lesão muscular e saiu de quadra com cinco minutos. Perdemos por 91 x 80 e ficamos sem a vaga".

Para Lula, há um exagero muito grande da torcida brasileira quando se fala em ausência na Olimpíada. O Brasil ficou fora de Sydney-00, Atenas-04 e Pequim-08, as três que se seguiram à despedida de Oscar, em Atlanta-96. "Apenas 12 seleções se classificam para a Olimpíada. É muito duro se classificar. A América tem duas vagas. E, por cúmulo do azar, em 2003 e 2007, os EUA estavam na disputa. O campeão mundial vai direto para a Olimpíada e eles haviam perdido os dois mundiais, inclusive com um sexto lugar vexaminoso em casa em 2002. No Pré-Olimpíco de 2011, eles não estava, já haviam garantido a vaga. Caso contrário, a gente ficava de fora de novo".

Contusões são constantes na carreira de Nenê. Uma fascite plantar (uma inflamação na sola do pé) fez com que tivesse participação pequena na Olimpíada de Londres, quando o Brasil fez bonito com um quinto lugar. Em 2008, teve câncer em um dos testículos e não participou do Pre-Olimpico. Em 2010, foi cortado do Mundial por sofrer um estiramento muscular em amistoso preparatório contra a França. Houve também desistências por divergências com a CBB e por conta de uma doença do filho.

Em entrevista à Revista ESPN, em 2012, Nenê falou sobre tantas ausências.

"Eu sempre quis (jogar pela seleção). Só que seleção é doação, é você ir no momento certo, com total dispor. E quando você está machucado, quando tem um assunto sério para resolver, é difícil estar com a cabeça limpa para representar o seu país. É muito fácil as pessoas me criticarem por eu não representar o Brasil, quando na realidade posso representar de formas diferentes. E quando 'eles' deveriam representar, não o fazem. É fácil apontar para o outro e não avaliar. Isso que falta no Brasil: se autoavaliar'."

Aí, em uma das frases, pode estar marcada a diferença de entendimento de Nenê , da torcida e – principalmente – de Oscar sobre o que significa estar na seleção. Nenê parece deixar claro que ser um jogador de alto nível na NBA, a Liga mais importante liga do mundo, uma forma também de representar o Brasil.

Em 2003, Nenê teve um grande enfrentamento com Gerasime Bizikis, o Grego, ex-presidente da CBB. Tudo começou em 2002, quando foi a sétima escolha da NBA. Jogava no Vasco e o projeto olímpico de Eurico Miranda fazia água. Estava há meses sem receber e só poderia ir para Denver Nuggets se o Vasco recebesse uma compensação. Procurou ajuda na CBB, que ficou ao lado do Vasco. Na mesma entrevista à revista ESPN, foi duro com Grego.

"Não é mágoa (da CBB no tempo do Grego). Eu sou um cara que tenta fazer as coisas do jeito mais certo possível, sou uma pessoa com princípios e muito profissional. Aprendi a ser assim e você sabe que no Brasil é uma patifaria, uma loucura em todos os aspectos. E quando você vê as pessoas fazendo errado, não vai apoiar. Não é mágoa, mas você fica triste. Eles sempre visualizavam as coisas negativas para crescer. Faltava índole."

Tantas explicações nunca foram suficientes. Ele é mesmo marcado como o cara que ganha muito na NBA e só joga lá. Verdade? Quanto ao salário, sim. Nenê ganha US$ 13 milhões/ano, algo em torno de R$ 2,5 milhões por mês. É o mesmo que ganhar na Mega-Sena todo mês.

Mas só joga lá? Não é bem assim. Nenê, além de ser conhecido como um líder e um jogador muito eficiente, também é marcado por ausências em seu time. Das 12 temporadas que está na NBA, em apenas quatro delas atuou em mais de 90% das partidas. E apenas em 2009/10 participou de todas as rodadas. Há quem o chame de chinelinho.

Quando explica as lesões a Zach Lowe, Nenê mostra seu lado extremamente religioso. Evangélico, ele vê o dedo de Deus em todas as decisões de sua vida.

""Aprendi sobre meu corpo. Sei que alguma coisa vai acontecer. Mas tem vezes que você não consegue controlar. Tem vezes que você precisa jogar e você vai lá e faz. Tento pensar de modos como evitar as lesões, mas estou recebendo um salário alto''. Aí o pivô diz que tudo isso aconteceria por uma razão, num determinismo religioso. "Não está no meu controle, tudo acontece por uma razão'', diz.

E certamente ele não consegue traduzir para seus críticos porque suas estatísticas são decepcionantes quando comparadas com sua força atlética e com seu salário de magnata. Ele tem média de 6,9 rebotes por jogo. Muito pouco. Mas, por que quando Nenê não joga, o seu time consegue menos rebotes?

Ele disse em entrevista ao jornalista Zach Lowe, reproduzida pelo blog Vinte e Um, de Giacarlo Giampietro, do UOL: "Se eu não fizer o bloqueio de rebote, se tentar roubar a bola de meus companheiros, poderia ter média de 13 ou 14 por jogo. Mas eu aprendi do jeito certo. Aprendi a bloquear, respeitar cada lado da cesta. Há uma razão para termos um rebote melhor quando jogo, porque sei os fundamentos. Você precisa bloquear não só perto da cesta, mas no garrafão inteiro. Os caras de fora também, para que os baixinhos não nos surpreendam lá embaixo''.

Nenê é conhecido também por ser um jogador que não fica o tempo todo conferindo seus números jogo após jogo. Não é vaidoso e nem ligado em estatísticas. Ele as consulta apenas quando o time vai mal, para ver os erros a serem corrigidos.

E este Nenê que defenderá a seleção brasileira no Mundial é o melhor de todos os Nenês do passado. A análise de Giampietro é clara: "Nenê já está há 12 anos na NBA, e tem gente que ainda não se conforma: como pode alguém que combine tanta força física, velocidade e técnica não ser uma estrela na Liga? Ou mesmo uma superestrela? No ataque, o pivô realmente sabe fazer um pouco de tudo. Seu chute de média distância cai de modo frequente a ponto de precisar ser marcado – e, se o defensor não o pressionar, pode pagar o pato com o brasileiro, ótimo passador, deixando alguém de frente para a cesta. Ele ainda pode bater em velocidade em direção ao garrafão. Aguenta o tranco jogando de costas e também sabe lidar bem com a eventual dobra. Completo."

Lula Ferreira também é só elogios. "Melhorou muito tecnicamente. É forte no rebote, é um grande passador e o arremesso melhorou muito. Essa melhora faz com que o Magnano possa escalá-lo junto com o Splitter, que também é um pivô de força. Fica uma dupla espetacular".

Pode ser mesmo a redenção do "mascarado". Depois de vaias em casa, pode virar um novo ídolo. As palavras vaias e mascarado não cabem em Nenê, segundo o professor Nivaldo Carlos Meneghini Jr, seu primeiro treinador, nas Escola de Basquete Meneghili, em São Carlos. Nenê tinha 11 anos e 1,70m.

"Sempre foi muito dedicado. Ficou comigo por sete anos e faltou no máximo cinco vezes. No ínicio, era rebelde, mas com 15 anos, ficou cada vez mais responsável. Não merecia vaia em seu país, mas nem gosto de falar nisso", disse Meneghini.

Todo ano, Nenê vai a São Carlos rever a família e os amigos. E passa algumas horas na escola em que foi revelado. Conversa, ensina e joga com garotos que sonham ser os novos Nenês. Sem pressa e sem marra. "Sempre foi um menino bom", diz o primeiro professor.

A partir de sábado, o "menino bom" tenta, uma vez mais, ser aceito por seu país.

FOTO: UOL

Últimas do seu time