Não canso de pregar a divindade messiânica do camisa 10 do Barcelona

Não canso de pregar a divindade messiânica do camisa 10 do Barcelona

A imagem do segundo gol de Messi contra o Bayern de Munique nessa quarta-feira, 6 de maio, é o fato mais repetido nas diversas mídias do planeta. Um gol com a marca peculiar da sua genialidade que se tornou banal aos olhos dos que têm o privilégio de viver no mesmo tempo do segundo melhor jogador da História.

A instantaneidade da comunicação virtual e sua célere capacidade de chegar aos cinco continentes ao mesmo tempo eleva em escala épica o conjunto da jogada que culminou num dos seus mais espetaculares gols (se é que exista algo não espetacular em Messi), um lance mágico e com tons de humilhação sobre o pobre zagueiro ganês Boateng.

A bola como sempre colada na ponta da bota, empurrada em curtos passos na milimetragem do contato entre o craque e seu brinquedo. Uma puxada sutil, uma caneta e o corpo de Boateng girando sobre o próprio eixo, se contorcendo na despencada, o argentino vencendo o goleiro num toque de elegância, outro zagueiro de bunda no chão tentando reparar o estrago já feito.

O pequeno craque argentino, que há muito deixou para trás a notoriedade boleira de Moreno, de Di Stefano e de Maradona (os três deuses do futebol hermano antes dele), mudando o destino de um jogo que parecia complicado e, de novo, pela enésima vez, estabelecendo outro recorde na sua lista infinita de superação. Maior artilheiro da Champions League em todos os tempos.

Não canso de pregar a divindade messiânica do camisa 10 do Barcelona. Tenho 55 anos e já vi de tudo em futebol, guardando na memória seus maiores gênios. Exceto o rei Pelé, nunca testemunhei ninguém maior ou melhor que Lionel Messi. Desde outubro de 2004, quando aos 17 anos fez o primeiro gol como titular do Barcelona, ele vem colecionando glórias acumuladas em jogadas fantásticas, títulos, marcas e recordes pessoais. E tudo isso transmitido ao vivo para o mundo.

Num tempo em que a revolução tecnológica realizou o prognóstico de Marshall McLuhan sobre a vida resumida numa aldeia global e confirmou a tese de Thomas Friedman do mundo plano, a comunicação instantânea consagra o pequenino gênio de Rosário, um filho legítimo dos deuses do futebol e maior entre os príncipes do reino de Pelé.

Nesses anos todos da minha vida, e botem aí mais de quarenta como um viciado em futebol, jamais vi uma periodicidade tão longeva em se tratando de feitos maravilhosos. Desde novembro de 2005, quando vi o craque na vez primeira, não se passa uma semana sem um show, um lance maravilhoso, uma catarse lúdica provocada por ele.

Não há relatos – e já conversei com gente bem mais velha que eu – de algum craque que tenha repetido semanalmente, por dez anos seguidos, jogadas e gols incríveis como vem fazendo Lionel Messi. As imagens e os números estão aí, disponíveis para todos.

E é exatamente esse acervo possível, na transmissão ao vivo (e online pelos computadores, tablets e smartphones) dos seus feitos que reside um ponto de controvérsia na compreensão dos saudosistas fãs de Garrincha, de Pelé, de Maradona, de Zico, de Zidane, de Ronaldinho... Me incluo entre eles, óbvio.

Vejamos o aspecto da comparação que muito se fez entre Maradona e Pelé, e que no Brasil ganhou contornos de rivalidade geopolítica enquanto na Europa recebeu uma dose de ranço histórico pelo fato do rei da bola não ser um craque branco como Platini Beckenbauer ou Bobby Charlton.

Nenhum dos gênios que ousou comparar-se a Pelé teve mais do que os 15 minutos de fama conclamado por Andy Warhol. Nem aqui, nem alhures, em quaisquer pesquisas e enquetes já realizadas, ninguém preferiu o afro-lusitano Eusébio, ou o irlandês George Best ou os platinos Sívori e Maradona.

Já Lionel Messi, é o primeiro cara que de fato provoca polêmica, principalmente no Brasil, e coloca em dúvida – nesse caso na Europa, EUA e Ásia – o reinado do semideus nascido na manjedoura da Vila Belmiro, eleito pela FIFA o melhor jogador de futebol no Século XX. E há alguns motivos.

É preciso medir um aspecto que um dia pesou em favor de Pelé contra alguns craques, brasileiros ou não, que atuaram antes dele. Abstraiam as quatro Copas do Mundo jogadas por ele (glória coletiva) e teremos um registro visual complementado pela memória afetiva.

A profusão de imagens lançadas diariamente aos olhos dos fãs de Messi tem uma força equivalente, no contexto histórico, das fotografias e radiofonias dos gols de Pelé em comparação ao acervo inanimado de craques anteriores, como Friedenreich e Zizinho, por exemplo.

Na minha meninice, cansei de ouvir os elogios a Pelé, feitos pelos mais velhos, mas quase sempre com um comentário complementar do tipo “mas o Zizinho era melhor”, “vai ter que jogar muito pra ser melhor que o Leônidas”. E eu, evidentemente, jamais admitia a desfeita.

A ausência de imagens animadas do virtuosismo dos craques da era pré-Pelé foi determinante para o rei impor no seu tempo histórico uma superioridade titânica sobre todos. O culto ao seu nome impede até hoje que no Brasil se admita existir quem fez mais gols do que ele.

De fato, Pelé estava além dos demais, mereceu o título de rei do Século XX, mas é preciso medir com a régua do contexto histórico, testemunhado pelos ausentes do passado, o real tamanho de gênios como Fausto, Andrade, Puskas, Didi e Di Stefano, todos sem o auxílio luxuoso da TV.

O sentimento daqueles antigos fãs de Zizinho na minha infância é o mesmo que atualmente afeta os súditos de Pelé diante do repertório de conquistas e magias de Messi, e também da louvação que a mídia internacional (e também nossa) faz diariamente à exaustão. Como o drible em Boateng e o chapéu no goleiro Neuer.

Não condeno um garoto de 12 ou 20 anos que, vestido na camisa do Barça, questiona as duas ou três dezenas de gols que ao longo de 40 anos, desde que Pelé parou, se repete na TV. É uma quantidade que eles assistem Lionel Messi fazer em apenas dois ou três meses. Os registros dos gols do rei são mínimos comparados aos mais de mil tentos.

O que estamos vendo agora é a memória afetiva da história do gênio argentino sendo moldada e consolidada ao vivo, multiplicada em ritmo instantâneo pela Internet, reproduzidas nas redes sociais. Na era de Messi, o planeta bola ficou tão pequeno quanto a lembrança dos craques de antanho. (AM)

Foto: UOL

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