O leitor de "É Tetra" conhecerá com detalhes, por exemplo, que a ideia da entrada em campo de mãos dadas saiu da cabeça do zagueiro Ricardo Rocha

O leitor de "É Tetra" conhecerá com detalhes, por exemplo, que a ideia da entrada em campo de mãos dadas saiu da cabeça do zagueiro Ricardo Rocha

Logo mais em julho o futebol brasileiro vai comemorar os 20 anos da conquista do tetracampeonato mundial, nos Estados Unidos. Parece até que foi outro dia desses, mas um livro que acaba de ser lançado no país refresca a memória com detalhes pouco conhecidos sobre o triunfo da seleção de Romário, mudando a percepção sobre a façanha de 1994.

"É Tetra – A conquista que ajudou a mudar o Brasil" foi lançado na última segunda-feira, no Rio de Janeiro. A obra de autoria de Michel Costa e André Rocha (editora Via Escrita) traz detalhes saborosos da caminhada até o quarto título mundial, da classificação dramática nas eliminatórias até a glória nos pênaltis contra a Itália. Ainda pontua a história com acontecimentos importantes daquele ano, como a morte de Ayrton Senna e a criação do Plano Real.

O livro conta com prefácio de Mauro Beting, comentarista do Fox Sports, orelha de Lédio Carmona, do Sportv, e finalmente quarta capa assinada pelo jornalista Paulo Vinícius Coelho, da ESPN Brasil.

O leitor de "É Tetra" conhecerá com detalhes, por exemplo, que a ideia da entrada em campo de mãos dadas saiu da cabeça do zagueiro Ricardo Rocha, inspirado no Santa Cruz da década de 80.

Confira abaixo outros trechos selecionados do livro, pontuados por alguns comentários do autor Michel Costa, em entrevista ao UOL Esporte:

O que o tetra deve ao frango de Taffarel em La Paz?

Nos últimos minutos, a seleção segurava um valioso 0 a 0 contra a Bolívia, jogando nas temidas condições de altitude, com escassez de ar. Com um pênalti contra, Taffarel salvou o time com uma grande defesa. Mas, praticamente no lance seguinte, tomou um frango vexatório, debaixo das pernas, empurrando a bola contra a própria meta [nos acréscimos o Brasil levou mais um].

Ali, em julho de 1993, a primeira derrota na história da seleção em eliminatórias da Copa deixava o time de Parreira em situação delicada, correndo sério risco de ficar fora do Mundial dos EUA. E foi neste momento que algo mudou na cabeça de Parreira.

O treinador deixou o esquema com apenas um volante para trás, e Mauro Silva enfim ganhava um companheiro na proteção da cabeça de área. Nascia uma histórica parceria com Dunga.

"O jogador não costuma ter muita preferência por esquema. Ele quer ganhar e sabe que qualquer esquema precisa ser sustentado por resultados. A mudança se consolidou após a derrota para a Bolívia em La Paz. Foi um momento de inflexão do Parreira e daquela seleção. A partir daí o Dunga virou titular e a coisa começou a fluir", relata Mauro Silva no livro.

Comentário do autor: "Aquela foi a primeira derrota do Brasil nas eliminatórias. Naquela época, as eliminatórias sul-americanas eram disputadas em dois grupos, o Brasil não pegava a Argentina, por exemplo. Mas despontaram, como a própria Bolívia, que fez uma grande campanha e se classificou. O Brasil perdeu daquela maneira, com o Taffarel defendendo um pênalti e tomando um frango depois. Ali o Parreira percebeu que o sistema defensivo não estava seguro como ele queria. Ele tinha experimentado antes, Dunga e Mauro Silva juntos, num amistoso contra o Milan. E a dupla correspondeu. Então teve a ideia de efetivar seus volantes."

Raí se arrepende de uma decisão antes da Copa

O famoso camisa 10 do São Paulo foi desde o início o símbolo da era Parreira, mas chegou na Copa em descendente. Após alguns jogos como titular, acabou perdendo a posição para o volante Mazinho. No livro, o meia admite que uma decisão na chegada ao PSG na metade de 1993 influenciou nessa queda física e técnica.

"Quando cheguei, fiz uma boa estreia. Mas depois caí. Estava cansado mesmo. O técnico Arthur Jorge me chamou e ofereceu dez dias para que eu descansasse e me recondicionasse. Talvez por orgulho, para mostrar que eu estava bem e disposto, recusei. Hoje reconheço que foi um erro. Infelizmente foi um momento de baixa na hora errada. Saindo para a Europa e com uma Copa do Mundo para disputar", diz Raí em depoimento no livro.

Comentário do autor: "Depois de todo aquele período vencedor no São Paulo, ganhando a segunda Libertadores, ele foi para a Europa sem férias. Emendou e não fez boa temporada no PSG. Chegou em baixa na seleção. O Parreira queria um meia na direita, aberto, que achasse o lado. O Raí atuava mais centralizado desde o São Paulo, com uma boa chegada na frente. Mas não fazia esse corredor com o Jorginho. Juntando isso com a fase, foi a senha para a saída do time."

Bussunda: pra que serve um Paulo Sérgio?

Titular do meio-campo, Zinho foi bastante criticado por ser papel no time, chamado de "enceradeira", por girar sem parar, sem objetividade, segundo seus críticos. Mas o veneno também era apontado para os reservas da equipe. Escalado para a cobertura da seleção pelo programa "Casseta e Planeta", o humorista Bussunda protagonizou um hilário esquete em que divagava sobre a utilidade do então jogador do Bayer Leverkusen.

"Um dos maiores enigmas dessa Copa é Paulo Sérgio. De onde veio Paulo Sérgio? Pra que serve Paulo Sérgio? Casseta e Planeta na Copa veio até o treino da seleção para desvendar esse mistério", afirmou o comediante, morto em 2006 na Alemanha, durante a Copa.

Comentário do autor: "A pressão para ele não jogar foi tão grande. Na época era diferente. Hoje se a pessoa fala que não sabe o que o Hulk faz na seleção, é porque não quer. Não falta informação. Na época a informação chegava em doses menores. O Paulo Sérgio vinha de uma excelente temporada da Bundesliga, mas existia uma pressão para se efetivar o Mazinho. Mas a presença do Paulo Sérgio não era ao acaso, ele tinha sido convocado antes. Fez alguns gols até, não caiu de paraquedas no grupo."

Rivalidade entre os goleiros reservas

Se por um lado Taffarel inspirava desconfiança no início da Copa, as alternativas de Parreira para o gol carregavam outro problema. Zetti e Gilmar não se davam bem, em razão da antiga rivalidade, quando o primeiro tirou o espaço do segundo no elenco do São Paulo.

"Hoje o Gilmar Rinaldi é meu amigo, mas na época havia uma certa rivalidade entre a gente, por causa do São Paulo. Uma coisa mal resolvida que foi se acertando com o tempo e hoje está tudo ok (...) e não deixávamos transparecer, embora muitos soubessem", relata Zetti no livro.

A bronca de Branco em Parreira

Uma cena impressionou torcida e imprensa após a dramática vitória sobre os EUA nas oitavas de final. As câmeras flagraram Parreira deixando o campo ouvindo o que parecia uma bronca do atacante Muller. À época, o Fantástico até encomendou a assistência de um especialista em leitura labial para tentar entender o incidente.

Na verdade, o atacante estava defendendo o técnico após uma bronca de Branco, que esperava jogar. Na partida com os americanos, Leonardo foi expulso, mas Parreira decidiu improvisar o lateral direito Cafu. Tudo porque Branco se recuperava de um problema físico.

Mas o que parecia uma crise foi para o espaço logo no jogo seguinte. Branco enfim foi escalado e acabou sendo decisivo contra a Holanda nas quartas de final. O lateral esquerdo anulou o ponta Overmars e ainda marcou o gol da classificação, em cobrança de falta. Na comemoração, o jogador correu em direção ao banco de reservas, chorando, para abraçar o médico Lídio Toledo. Foi o "gol cala a boca", disparou o atleta na oportunidade, em menção aos críticos.

Comentário do autor: "Havia uma dúvida se o Branco estava realmente recuperado das dores lombares. Ele não vinha treinando com bola, fazia só o trabalho de piscina. Por isso o Parreira optou pelo Cafu naquele jogo, mas primeiro improvisando o Mazinho, que era lateral esquerdo de origem. O Branco estava voltando de lesão, era uma temeridade. O Muller alega isso, que o Branco tinha ficado revoltado porque não entrou. Mas realmente parecia que o Muller estava cobrando uma vaga no time. Acho que aquele episódio contribuiu para as conversas com a mão na boca hoje entre jogadores e técnicos."

Parreira ganha telefonema de Clinton

Dentro do Rose Bowl em Pasadena, o então vice-presidente dos EUA, Al Gore, entregou a taça da Fifa a Dunga, que depois soltou seu ilustre discurso recheado de palavrões. Pouco depois, no vestiário, Parreira foi avisado que o presidente queria falar com ele.

O técnico esperava ouvir a voz de Itamar Franco, mas se surpreendeu com a mensagem de "Congratulations, mister Coach" (Parabéns, sr. treinador). A voz vinha de uma ligação a bordo do avião presidencial Air Force 1 e pertencia a Bill Clinton.

PARA TERMINAR, UMA PROVOCAÇÃO
Existe um embate ideológico já clássico entre os estudiosos do futebol brasileiro, na comparação de duas seleções emblemáticas: 1) a de 1982, que encantou e não ganhou; 2) a de 1994, que entediou, mas levou a taça.

Por sinal, o jornalista Mauro Beting escreve no prefácio que trocaria a vitória nos EUA por um êxito na Espanha, 12 anos antes. Mas enfim, quem é melhor, a equipe de Zico ou aquele escrete de Romário? Com a palavra, o autor Michel Costa:

"Logo no começo da Copa de 94, se dizia que o Brasil era favorito, viam um Brasil mais seguro, mais competitivo. A seleção não começou como favorita, mas depois, com o passar dos jogos, mostrou que era competitiva e suficientemente forte para vencer aquele Mundial. Não dá para transportar (para 1982), era um outro futebol. Com a bola foi o time mais encantador que já vi, mas confesso que sem a bola ficava devendo demais. No jogo contra a Itália, existiram muitas falhas. Uma seleção que quer ganhar uma Copa não pode se dar ao luxo de falhar daquela forma."

FOTO: UOL

Últimas do seu time