Marcinho tem um gol e duas assistências em oito jogos pelo São Paulo

Marcinho tem um gol e duas assistências em oito jogos pelo São Paulo

Bruno Grossi, Luis Augusto Simon e Pedro Lopes
Do UOL, em São Paulo (SP)

"Alô, Marcinho? Rogério Ceni falando".

Foram necessários alguns segundos até que Marcinho entendesse o que estava acontecendo. Não bastava a conversa dentro de campo com Ceni e o auxiliar Pintado após ser rebaixado com o São Bernardo por derrota para o São Paulo no Campeonato Paulista. Não bastava o empresário dizer que estava tudo certo, que o Tricolor seria sua casa até dezembro deste ano.

"Meu coração acelerou, porque reconheci na hora, mas fiquei calado. Demorei para responder, mas consegui falar. Ele pediu que eu o ajudasse, que a responsabilidade seria grande, já que ele pediu minha contratação. Avisou que não poderia faltar vontade e dedicação. E eu tenho esse compromisso com ele", avisou o atacante de 22 anos recém-completados, ao UOL Esporte, no CT da Barra Funda.

Criado no Corinthians, calejado por passagens turbulentas por Remo e Ponte Preta e inspirado pela curta e exemplar vida do irmão Pedro, Marcinho tem conquistado a torcida do São Paulo. Se o clube patina na crise nos últimos anos, ele respira com entrega e eficiência. Joga como lateral, ala, ponta direita, ponta esquerda. Tem duas assistências e um gol em nove jogos. Tem prestígio com Rogério, que já pede que a diretoria compre seus direitos econômicos antes do empréstimo do São Bernardo vencer. 

Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista com Marcinho:

Segredo guardado

Depois do jogo contra o São Paulo, pelo São Bernardo, tive uma conversa com o Rogério. Ele me puxou pelo braço e me elogiou pelo campeonato. Fiquei com aquilo na cabeça, não quis falar para ninguém, porque vai que não acontece nada. Peguei um fim de semana de folga, fiquei em casa e meu empresário, o Roni (ex-atacante de São Paulo, Goiás e Fluminense), veio me falar que estava negociando, que jogou com o Rogério... Aí, após uns dias, me mandou mensagem avisando que havia fechado o negócio, mas não tinha saído na imprensa, não tinha contrato, então continuei sem falar nada.

Então, o Rogério me ligou em uma sexta à noite, quando eu estava com um amigo no carro. Era um número desconhecido: "Alô, Marcinho? Rogério Ceni falando aqui". Enquanto isso, meu amigo queria conversar, saber quem era... Quando contei que era o Rogério, ele pirou: "O quê? É o Rogério? Não pode ser!". Ele ficou mais nervoso que eu, parecia que era com ele. Cheguei em casa, peguei uma camisa do Araruna que troquei no jogo pelo São Bernardo e meus pais não entenderam nada. "Por que está usando essa camisa agora?". "Porque se Deus quiser, agora serei jogador do São Paulo".

Depois disso eu viajei para uma cidade que não tinha sinal, e foi bem quando saiu na imprensa. Santa Rosa, no interior de Goiás. Quando voltei para casa no outro dia, tinha mais de cem mensagens de gente perguntando. Eu ainda fiquei esperando, falava que não tinha nada. Só quando fiz exame e assinei é que contei tudo (risos). 

Muy amigos!

Chegar num time que tem Pratto, Rogério de treinador, Cícero, Jucilei, Cueva, e saindo do São Bernardo? Como eu fico? Fico quieto! Ainda bem que todos são tranquilos e me acolheram bem. Só não queria ficar conversando muito. Só os caras top, "vou ficar quieto". Depois de duas semanas começaram: "Aí, mudinho, não fala nada?". Foi culpa do Wellington, que ainda foi pro Vasco e me deixou aqui. De mais próximo, tinha o Luiz Araújo, que já foi embora. Tem o Shaylon, Lucas, Araruna... Pratto e Chavez (também saiu, voltando ao Boca Juniors) também, o que me surpreendeu por sermos diferentes. Fui jantar com eles e o Buffarini outro dia e, meu Deus... Quando é um só, eu entendo. Mas quando falam entre eles eu não consigo pegar nada. Fomos comer empanadas argentinas. Se eles não falarem como eu entendo, não tem resenha (risos). 

Abre, ala!

Nunca tinha feito essa função de ala, mas não é tanta novidade, porque acompanhar lateral eu acompanho como ponta. A única diferença é fechar mais com os zagueiros, que ainda estou me acostumando. E o mais importante é saber sair jogando, no que consigo fazer bem. Eu tinha jogado uma vez mais atrás e fiz uma cagada (risos). Falei para mim mesmo que ia começar a dar mais espaço para o atacante, porque para o fundo na velocidade eu chego. Se cortar para dentro, como o Dudu fez contra o Palmeiras, só consegue virar o jogo. Sei que não posso dar bote errado, porque senão atrapalho nossas linhas. 

Pratto bem servido

A gente conversa muito, eu e Pratto. Já até combinamos várias coisas para fazer durante o jogo. Se eu dou no segundo pau e ele vai no primeiro, na próxima já avisa que vai mudar. Ele faz o pivô tão bem que tocamos para ele sem olhar, porque sabe que vai prender a bola. É muito fácil jogar com ele, um cara tão inteligente. É impressionante o que ele sabe fazer. Contra o Vitória não deu para entender de onde tirou a bola no ângulo. Fico olhando tudo para aprender. Conversamos demais. Só que ele veio com uma dancinha estranha contra o Avaí, não sei de onde tirou, mas aí fiz com ele contra o Palmeiras.

Inquilino no CT

Tenho carro, mas na minha cidade, Inhumas, no interior de Goiás. Só que andar de carro em São Paulo não faz sentido. É do treino para casa, de casa para o treino. O valor era o mesmo morando longe ou aqui do lado do CT, onde posso ir treinar a pé. Ficaria mais barato e tranquilo, pelo menos por enquanto. De repente depois eu peço carona para dar a volta no quarteirão. Consigo chegar cedo sempre, sem atrasar. Sobra mais tempo para o videogame, dar uma volta no shopping... E venho para cá cedo para almoçar por preguiça de cozinhar e lavar louça. Comprei umas coisas outro dia e não usei nada. A comida é boa demais aqui. Almoço e janto, se deixar. Cozinho o básico, arroz, feijão e bife, uma batata frita. Um macarrão. Se sair disso, já não sei (risos).

Guilhotina e Motosserra

Tenho um amigo muito próximo e a gente gosta de compor umas músicas. Ele toca, está tentando entrar no mercado. A gente brinca que é a dupla Guilhotina e Moto-serra. Um cai matando e o outro desce a madeira. Eu sou o motosserra. Fizemos quatro músicas, mas tem mais que começamos e paramos, esquecemos. Às vezes vem coisa na cabeça e mando para ele, que desenrola tudo, põe no violão. Deixo para ele tocar, é inteligente para caramba. Ele cuida dessa carreira. Eu só engano cantando.

Grandes poderes, grandes responsabilidades

Tem quase seis anos morando longe da família. Minha mãe me liga todo dia. E se eu não ligo, fala que eu esqueci que tenho pai e mãe. Eles me ajudaram demais, meu pai deixava de trabalhar para me levar aos treinos. Agora tenho que dar o carinho a eles. Precisei virar homem desde cedo, aprender com responsabilidades e ter cabeça boa. Ficar sozinho é difícil. Então é preciso saber o que fazer nas horas de saudade. Sou muito grato a meus pais, a Deus e a meu irmão, que me olha lá de cima. Já pensei em trazê-los para perto, mas meu pai não gosta nem de Goiânia, imagina São Paulo. Eles chamam Márcio e Rosana. Tenho dois irmãos, Maiara e Lucas, e o Pedro, que faleceu.

A morte do irmão e a saudade 

Foi em novembro, há quatro anos, em 2013. Estava em casa em Goiás, voltei para São Paulo e fiquei sabendo que meu irmão, o Pedro, estava com muita dor na barriga. Foi em cinco médicos e todos falavam que era normal. Fui jogar o Brasileiro Sub-17 em Porto Alegre pelo Corinthians e ninguém mais me falou nada. Depois de um mês, uma amiga minha veio me desejar força e para meu irmão, falando sobre casos de leucemia, que eu podia ter esperanças... Não entendi nada. Mandei mensagem para minha mãe, pedi que contasse logo o que estava acontecendo e ela falou que tinham diagnosticado a leucemia no meu irmão.

Ficou internado em dezembro, joguei a Copa São Paulo no Flamengo de Guarulhos em 2014, estava de folga depois de ser eliminado e meu pai me ligou dizendo que ele estava chamando meu nome. Pedi para me liberarem, peguei um ônibus e fui. Cheguei no dia 18 de janeiro de manhã, no Hospital do Câncer de Goiânia. Fiquei o dia todo lá. Fui para Inhumas e, na madrugada do dia 19, minha mãe ligou para contar o que tinha acontecido. Meu pai se desesperou e o Roni foi buscar a gente em casa. Ele é um amigo para mim. É o momento mais difícil da minha vida e levo como motivação para o dia a dia.

As coisas que estão acontecendo são graças a Deus e dedico a meu irmão. Ele tinha oito anos. Já tinha operado uma abertura no coração logo que nasceu, depois teve hidrocefalia com quatro meses, tinha síndrome de down... Já tinham passado as piores coisas, ele estava bem e brincando e de repente aconteceu tudo. Aconteceu, é da vida. Ele me ensinou a não desistir. A luta dele foi muito pior do que qualquer uma das minhas, e ele era tão novo... Trago as coisas boas dele para mim, dou mais valor à vida. Tenho que aproveitar um dia após o outro, não sabemos até quando vamos viver. 

Foto: Marcello Zambrana/AGIF - retirada do UOL

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