O ex-jogador conta que durante toda a carreira só foi expulso duas vezes

O ex-jogador conta que durante toda a carreira só foi expulso duas vezes

Vagner Magalhães

Do UOL, em São Paulo

O ex-lateral direito Zé Maria fez carreira no futebol paulista. Revelado pela Portuguesa, o "Super Zé" passou mais de uma década no Corinthians e integrou a seleção brasileira tricampeã mundial de futebol, em 1970, no México. Em 1999, foi convidado para trabalhar na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, a antiga Febem, que posteriormente passou a se chamar Fundação Casa, em São Paulo. Lá, se dedica à recuperação de jovens que iniciaram a vida no crime. Vivenciou cenas tensas, mas não desiste de lutar por um futuro melhor dos garotos.

Coordenador de esportes da fundação, ele afirma que a geração atual de adolescentes infratores é mais cruel e menos disposta a esperar por uma oportunidade. Mas não se desmotiva. "Ainda é uma questão de oportunidade. Se eu não acreditasse que era possível, que daria para melhorar, eu talvez já tivesse saído".

Na transição entre os grandes complexos da antiga Febem e das unidades menores da Fundação Casa, ele afirma que houve também uma mudança no perfil do trabalho. Segundo ele, no início, os adolescentes eram mais estruturados. "Não eram tão cruéis como hoje, mas as rebeliões eram muito mais agressivas. Nos grandes complexos, com 12, 13 unidades, eles se programavam e quando arrebentavam, estouravam. Hoje é um pessoal mais descomprometido. São mais moleques. Desde aquela época, eles são movidos pela fuga".

Zé Maria conta que o próprio comportamento dele e dos funcionários mudou também. Já chegou a ser necessário confronto físico com os jovens.. "Na minha época, muitas vezes a gente ia pro confronto. Tinha um enfrentamento. O pau comia. Hoje não. É uma cultura educacional totalmente diferente. Você muda a postura. Na época, eu não pensava muito nisso não. De vez em quando tinha de ir para o confronto. Normalmente eles estavam indo para cima dos funcionários. Os grupos se uniam. Não sei se conscientemente iria, mas a gente acabava se defendendo".

Ele disse ter assumido o cargo em 1999 por uma questão de opção. E não se arrepende. "A fundação tem buscado fazer o melhor para chegar próximo a essa coisa da oportunidade. Eu vivo até hoje o esporte. Fui um esportista. Eu tomei uns cascudos e meu pai arrepiava. Ameaçava para conscientizar o que é certo e o que é errado".

Quando o tema é a redução da maioridade penal, ele se diz desconfiado sobre os efeitos que ela pode ter sobre os adolescentes. "Não é questão de ser neutro, de não tem posição. Mas tem muitas feridas que precisam ser cuidadas. É dar um choque e não saber o que vai acontecer. Não sei se estão pensando na ferida certa para dar um remédio", diz ele.

O ex-jogador conta que durante toda a carreira só foi expulso duas vezes. Mas no atual trabalho chegou a levar um gancho de 25 dias. "Entrou como facilitação de fuga". Ele explica: "Foi na época em que o Celso Pitta era prefeito (1997-2000). Levamos os meninos para a sala do secretário municipal de Esportes, depois da competição. Foi a pior coisa que fizemos. Um dos moleques pediu para ligar para a casa dele. Ligou da sala do secretário e acho que contatou alguém. Fugiram seis moleques dos 18. Os guardas nem viram. Peguei 25 dias de gancho, uma suspensão de 25 dias".

Nesses 16 anos, ele contabiliza 10 fugas em atividades externas. Outra delas aconteceu no campo do CMTC clube. No fim do primeiro tempo, um dos garotos ficou para trás, pulou o muro e deu no pé. Pela proximidade com a rodoviária, Zé Maria resolveu ir até lá depois do jogo. Procurou uma assistente social que disse ter visto um menino, com uniforme de futebol. O menino conseguiu uma passagem com ela para ir para a sua cidade, Rio Claro.

"Avisamos o pessoal que o ônibus ia chegar lá, mas o garoto desceu antes, em Limeira. Foi o primeiro grande problema que eu tive na fundação", relata. Zé Maria diz que apesar dos imprevistos, o esporte ainda é um fator de inclusão dos adolescentes. "Ele muda e engaja os funcionários. O esporte abre os horizontes. Sempre alertamos que as atitudes deles trazem consequências futuras. O problema de fugir, de brigar, de ser expulso, é importantíssimo dentro do esporte. Mudamos um pouquinho a realidade deles".

O ex-atleta diz que o seu trabalho é difícil, mas que gosta dele. "A gente mexe com o filho dos outros, carentes, precisando de ajuda. Mas eu acho que eles tem uma vida melhor dentro da fundação, com algumas oportunidades e mesmo de alimentação. Por conta da minha educação, às vezes sinto um pouco de dificuldade. Tenho consciência do que é certo e errado, o que pode ou que não pode. Por isso, não sei se diminuir ou aumentar (a maioridade penal) vai mudar muita coisa".

Foto :arquivo pessoal de Zé Maria

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