O papel de zebra para os croatas está muito claro

O papel de zebra para os croatas está muito claro

Danilo Lavieri, Dassler Marques e Pedro Ivo Almeida
Do UOL, em Moscou (Rússia)

A abnegação como complemento de qualidade é desde já uma forte marca da Croácia, surpreendente aspirante ao título na final da Copa do Mundo, neste domingo (15), em Moscou. Mas qual será o combustível da equipe que será novamente colocada à prova contra a favorita França no Luzhniki Stadium a partir das 12h (de Brasília)? A resposta pode gerar a maior zebra em decisões da Copa desde 1954.

“Me questiono como os croatas são tão fortes mentalmente para passar por duas disputas de pênaltis, três placares de 0 x 1 e depois de tudo vencer a Inglaterra na prorrogação”, afirmou o colunista croata Vedran Buble, do site Index.

“Isso tem a ver com a situação experimentada na Croácia. Ninguém acreditava neles, muitos não gostavam deles, eles eram chamados de parceiros de negócio de um chefe da máfia, Zdravko Mamic. Eles foram vaiados e sepultados muitas vezes. Mas tudo isso os fez mais fortes e eles puderam reagir desse inferno em casa”, complementou Buble.

O papel de zebra para os croatas está muito claro. Com a pior colocação de um finalista desde o ranking da Fifa foi criado em 1992, a seleção que enfrenta a França fará sua estreia em decisões de Mundiais. A inspiração pode vir da Alemanha, que em 1954 também debutava em uma final de Copa contra a poderosa Hungria e se encheu de força com uma vitória que serviu para levar a autoestima abalada pela segunda Guerra Mundial.

O treinador que ajudou a mudar a história em pouco tempo

Se hoje o discurso da força mental parece fazer perfeito sentido, em outubro do ano passado o panorama era bem diferente. Após um revés surpreendente para a Finlândia nas Eliminatórias, a Federação Croata resolveu fazer uma manobra de emergência para evitar o pior. A seleção que hoje é finalista da Copa tinha risco de eliminação nas Eliminatórias e o presidente Davor Suker (ele mesmo) procurou o homem que mudaria toda essa história depois de demitir todo o corpo técnico, com exceção do preparador de goleiros.

Um ex-volante de trajetória modesta, e sem muito êxito como técnico no futebol local, Zlatko Dalic fazia um bom trabalho à frente de clubes da Arábia Saudita e foi a saída emergência por uma vitória que salvaria os croatas nas Eliminatórias. Para esse jogo, Dalic sequer convocou os jogadores, que conheceria em um aeroporto a caminho de Kiev. A vitória por 2 a 0 sobre a Ucrânia, e a vaga conquistada contra a Grécia na repescagem, deram fôlego. O contrato dele só seria validado se isso ocorresse.

Um ponto no currículo, porém, dava mais segurança à escolha por Dalic, longe de ser uma das primeiras opções da Federação. “O que o time precisava era de um bom motivador e parece que ele era exatamente o que os jogadores precisavam. Ele foi um aprendiz de um dos melhores motivadores que a Croácia já teve, que é Ciro Blazevic”, conta Buble sobre o hoje veterano técnico que levou os croatas à semifinal da Copa de 98.

Na véspera da decisão, Modric ressaltou a importância do comandante. “Ele entrou em uma situação muito difícil, nossa vaga estava em dúvida. E no primeiro jogo, ele falou com a gente e jogou para dar motivação, para dar confiança. Ele falou que éramos muito bons, mesmo com a crise. E no primeiro jogo contra a Ucrânia a gente ganhou. A influência dele é notória. O que eu gosto mais é da sinceridade e da maneira que ele fala com a gente igual com todos jogadores”, relatou o craque do time.

Dalic tem uma gestão aberta, que tem dado resultado. “Claro que eles [jogadores] respeitam a minha função de tomar a decisão final. Mas eu acredito que ter uma relação assim é importante. Não tem segredo nem dilema, não tomo nenhuma decisão antes de falar com os jogadores, falar o que penso e ter o feedback deles. E aí eu tomo a decisão”, explicou.

O que moldou a mente de Modric e companhia

Enquanto a Croácia lutava por sua independência da antiga Iugoslávia, em uma das guerras mais sangrentas da história, jogadores como Rakitic, Manduzkic, Lovren e, claro, Modric, cresciam com as consequências dessas batalhas e se tornaram refugiados. Luka, por exemplo, perdeu o avô, uma das cerca de 100 mil vítimas do conflito que legitimou uma nova nação.

“O que mais me lembro é que estávamos sempre com medo”, contou a um documentário do Canal Plus um antigo treinador do craque, Tomislav Basic. Com seis anos de idade, Modric usava um estacionamento do hotel como esconderijo para chutar uma bola. “O futebol era nossa fuga da realidade”, definiu Basic.

Crescer em meio a esse cenário ajudou a criar jogadores fortes, herdeiros de uma seleção que teve papel de destaque em 1998 depois de ser a primeira a vestir a camisa verdadeiramente croata. Com uma história a ser seguida, Modric e companhia tiveram uma base sólida no futebol local antes de expandirem seu caminho para o restante da Europa e crescerem pouco a pouco.

Esse cartaz desde os primeiros passos, porém, colocou alguns dos jogadores da seleção a uma grande polêmica que desafia a popularidade de Lovren e principalmente Modric. Ambos estão no meio de uma trama onde Zdravko Mamic, um poderoso ex-dirigente do Dínamo de Zagreb, foi acusado de desviar recursos de transferências e precisou fugir para a Bósnia para não ser preso.

Por ter alterado um testemunho anos depois, possivelmente para proteger Mamic, o craque do Real Madrid e camisa 10 da seleção croata passou a ser perseguido no país. No Hotel Zadar, o mesmo onde batia bola durante a guerra, uma pichação sentenciou “você vai se lembrar deste dia”.

Líder em distância percorrida na Copa, e também um dos candidatos a craque do torneio, Luka Modric tentará mudar essa história ao lado de seus colegas. A origem de toda essa força está muito clara.

Foto: REUTERS/Christian Hartmann (via UOL)

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