Quem conheceu o jornalista Michel Laurence – francês de nascimento e brasileiro por vivência – tem ao menos um fato para contar em que ele é o personagem principal

Quem conheceu o jornalista Michel Laurence – francês de nascimento e brasileiro por vivência – tem ao menos um fato para contar em que ele é o personagem principal

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Quem conheceu o jornalista Michel Laurence – francês de nascimento e brasileiro por vivência – tem ao menos um fato para contar em que ele é o personagem principal. Eu sou um no meio dos muitos a quem Michel protagonizou uma história.

Na Copa do Mundo de 1990, na Itália, Michel era um dos responsáveis pelo departamento de jornalismo esportivo do SBT, quando este ainda era na Vila Guilherme.

Eu estava na emissora havia três anos. Michel nem isso. Assistimos juntos a algumas partidas da fase preparatória daquela horrorosa seleção, que tinha Dunga (sim, ele mesmo) com símbolo desde que fora assim rotulado pelo recém-empossado presidente Collor.

Michel Laurence era santista, assim como eu. Mas possuía uma maneira de olhar o futebol e as pessoas de uma forma que sempre invejei.

Veio a Copa e junto veio aquele gosto do mais puro extrato de boldo. Era jogo todo dia. Jogos ruins em sua grande maioria. Quase diariamente nos encontrávamos para um cafezinho em frente à agência do Banco Nacional, que ficava dentro da emissora, e ali conversávamos e fazíamos nossas gozações. Michel era um cara de tiradas excelentes.

Chegou, então, o domingo em que o gol argentino feito por Cannigia pôs fim à lamentável trajetória brasileira na copa. O jogo foi na hora do almoço e confesso que abdiquei da macarronada da minha mãe. Eu estava puto. Não pelo resultado, mas por me sentir incapaz para conter o choro dos meus filhos Rodrigo e Eduardo, que ainda eram pequenos. Entre lágrimas um deles me acusou: “Você mentiu, pai. O Brasil não tem o melhor futebol do mundo. Você sonhou”. Aqui parênteses aqui: não menti, mas devo ter mesmo sonhado.

Saí da casa da minha mãe e fui para meu apartamento. Sozinho. Ali virei uma garrafa inteira de vinho quase num só gole. Vomitaria duas, mais tarde. De posse da minha Remington 32 massacrei as teclas escrevendo um texto com indignação.

Dia seguinte, já na emissora, mostrei o texto ao Michel. Era uma crônica e mostrá-la era a forma de externar meu desabafo de maneira mais concreta. Michel leu. Depois me olhou e disse: “Roteiriza essa porra, que eu vou mandar gravar.”

Fiz o que ele me pediu. Dias depois ele me chamou. “Gravei”, me disse. “Ficou uma porrada. Quando chegar a hora você vai ver.”

Para minha surpresa, no dia da final entre Alemanha e Argentina, pouco antes de a partida começar, o narrador do SBT Luiz Alfredo anunciou uma matéria especial, que era o resumo do sentimento brasileiro em relação à participação do Brasil na copa. E foi para o ar aquele roteiro. Produção do Josicelli Ribeiro, o Josi; narração, Ivo Morganti.

No dia seguinte recebi vários cumprimentos na emissora, incluindo seu vice-presidente, Guilherme Stoliar. Aquilo, sem dúvida, muito ajudou a solidificar meu caminho no meio artístico.

Procurei pelo Michel para agradecer. Ele sorriu e disse: “Demos o troco naquele bando de filhos da puta.”

Tempos depois ele saiu da emissora. Nos reencontramos várias outras vezes em outras emissoras. Quando me via, ele sempre dizia “demos o troco.”

Sábado Michel resolveu ir embora. O futebol por aqui, que já está uma merda, ficará mais pobre sem ele. Além do abraço e solidariedade à família, não poderia deixar de usar este espaço para agradecer. Obrigado, Michel. Obrigado por ser tão generoso e ter me oferecido a oportunidade de, juntos, termos dado o troco naquele bando de filhos da puta.

E-mail da coluna: magajr04@hotmail.com

Foto: Portal TT

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