Dryworld se ofereceu para bancar parte dos salários de Robinho no Atlético-MG

Dryworld se ofereceu para bancar parte dos salários de Robinho no Atlético-MG

Guilherme Costa
Do UOL, em São Paulo

Durou menos de um ano o sonho da canadense Dryworld no mercado brasileiro. A fabricante de material esportivo chegou com pompa ao mercado nacional, acertou com quatro clubes (Atlético-MG, Fluminense, Goiás e Santa Cruz) para a temporada 2016 e ainda ajudou os mineiros a viabilizarem a contratação do atacante Robinho, 32. Contudo, afundou numa crise interna, virou alvo de mais de 400 protestos por dívidas e agora tenta resolver pendências enquanto as equipes buscam novos parceiros.

Fundada em 2010, a Dryworld nasceu quando os ex-jogadores de rúgbi Brian McKenzie (canadense) e Matt Weingart (escocês) tentaram criar um calçado que os protegesse de gramados encharcados. O grande salto da empresa aconteceu em 2013, quando um estudo conduzido por eles identificou que 75% dos atletas da NFL (liga profissional de futebol americano) usavam chuteiras de futebol. A partir disso, a estratégia da companhia foi alicerçada em contratos individuais.

A incursão no mercado brasileiro, portanto, fez parte de uma mudança de perfil da Dryworld em âmbito mundial – também em 2016, por exemplo, a companhia fechou com Queens Park Ranger e Watford para entrar no futebol inglês. A proposta da fabricante de material esportivo era dar um novo salto e reduzir a dependência de acordos com atletas, e para isso houve aporte considerável. No Brasil, a companhia assinou contratos de cinco temporadas com Atlético-MG (R$ 20 milhões por ano) e Fluminense (R$ 13,5 milhões fixos por ano e gatilhos que podem elevar o montante em R$ 6,5 milhões anuais).

Para fechar com a Dryworld, o Fluminense rompeu contrato com a Adidas, parceira do clube desde 1996. Na época, porém, o time carioca enfrentava problemas com a Viton 44, que ocupava o espaço mais nobre do uniforme tricolor e acumulou R$ 9 milhões de débito em sete meses. A oferta dos canadenses, portanto, foi uma salvação para as contas num momento em que a diretoria enfrentava problemas para quitar pendências – houve atraso no direito de imagem de atletas, por exemplo, e a situação só foi solucionada em janeiro.

A chegada da Dryworld também foi providencial para o Atlético-MG. A empresa entrou na operação montada pelo clube alvinegro para contratar o atacante Robinho, egresso do Guangzhou Evergrande (China). Além de se oferecer para bancar parte dos salários do jogador, a fabricante de material esportivo escolheu Luan como garoto-propaganda e tentou custear parte da manutenção do centroavante argentino Lucas Pratto, que tinha proposta para deixar a equipe – o camisa 9 rechaçou a proposta e seguiu calçando chuteiras da Adidas.

Essa não foi, entretanto, toda a lista de investimentos feitos pela Dryworld para entrar no Brasil. A empresa canadense também comprou parte de uma confecção chamada Rocamp/Logic, baseada em Capanema (PR). Ao contrário de gigantes como Adidas e Nike, que terceirizam a produção no Brasil, a fabricante de material esportivo apostou na construção de um parque fabril próprio.

Atrasos, erros e falha no fornecimento: a derrocada da Dryworld

O projeto da Dryworld para o mercado brasileiro começou a ruir justamente pela demanda de altos investimentos. A Rocamp/Logic era uma confecção de porte insuficiente para o volume que a empresa se comprometeu a entregar. Um incremento na produção dependia de mais dinheiro, e os canadenses não estavam dispostos a abrir ainda mais o cofre.

Até maio, por exemplo, a Dryworld colocou 360 mil camisas do Atlético-MG no mercado. O número foi insuficiente para atender a todos os revendedores, e essa relação de oferta e procura criou uma lacuna ainda mais evidente na própria equipe. O sub-17 do time mineiro disputou um torneio na Holanda e usou todo o enxoval da Puma, fornecedora de material esportivo que havia saído no fim de 2015.

Equipes de base do Goiás também seguiram usando material da Kappa até o fim do primeiro semestre, pelo menos. No Fluminense, times amadores não haviam recebido peças da Dryworld até setembro.

Todos os clubes atendidos pela Dryworld também tiveram problemas com peças exclusivas para baixas temperaturas. Não havia agasalhos, luvas ou calças de moletom para treinos no inverno, por exemplo.

Para completar a lista, houve erros de procedimento. O primeiro enxoval produzido pela Dryworld para o Fluminense tinha escudo fora dos padrões utilizados pelo clube. No Atlético-MG, camisas e evento de lançamento motivaram polêmica por terem referências machistas.

A situação causou até um retrocesso em uma parceria da Dryworld. O Santa Cruz havia rompido contrato com a Penalty em abril para assinar com os canadenses, que até bancaram a multa rescisória do acordo anterior. No entanto, diante dos problemas vividos pelos outros parceiros da fabricante de material esportivo, os pernambucanos mudaram de ideia em junho.

A crise na relação com os clubes e a dificuldade para abastecer o mercado colocaram a Dryworld em um ciclo negativo. Com menos peças disponíveis, a companhia também faturava menos. Com uma receita menor, sofria para produzir.

400 protestos por dívidas e conflito interno: a Dryworld nos tribunais

Entre março e maio, mais de 400 empresas acionaram a Justiça para cobrar dívidas da Dryworld no Brasil. O total de pendências registradas no CNPJ da companhia ultrapassava 500.

A Dryworld chegou a alterar a razão social da empresa, que operava como Rocamp/Logic, para Dryworld Industrias Américas LTDA EPP´, com capital social de R$ 1,5 milhão.

Os antigos sócios da Rocamp/Logic, que haviam sido retirados do comando da empresa, acionaram os tribunais e conseguiram liminar em agosto para retomar o controle. O processo corre em segredo de Justiça, mas houve uma audiência de conciliação em 18 de outubro. No encontro, os canadenses admitiram deixar a gestão da confecção e responder por prejuízos contraídos nos meses em que estiveram à frente da marca.

Ainda em outubro, o Atlético-MG fechou com a Tecnotêxtil Confecções, baseada em Três Pontas (MG), que assumiu a produção das peças da Dryworld. A fabricante já assumiu a produção de pontos como a loja virtual do clube e o espaço de Lourdes, região centro-sul de Belo Horizonte, que era administrado pelos canadenses.

Na prática, portanto, existem duas Dryworlds atuando no Brasil atualmente. Uma é a Rocamp/Logic, que recuperou na Justiça o direito sobre a marca. A outra é a matriz canadense, que faz todo o corpo a corpo com os clubes e alinhavou o negócio com a Tecnotêxtil.

O futuro: clubes já estudam alternativas ao negócio

A queda da Dryworld já fez com que os clubes pensassem em alternativas. O mais avançado nesse sentido é o Atlético-MG, que já admitiu publicamente a ideia de romper contrato e iniciou conversas com outras marcas.

A Dryworld, por sua vez, ainda tenta resolver pendências internas antes de definir o futuro de sua operação no Brasil. Em comunicado oficial, a empresa disse que "enfrenta situações mundiais" e que tem convivido com problemas decorrentes "de um país em que as coisas têm burocracia".

Foto: UOL

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