Já calejado pelos anos de vivência no futebol, Sergio diz que aprendeu a detectar o que se passa no ambiente de um clube

Já calejado pelos anos de vivência no futebol, Sergio diz que aprendeu a detectar o que se passa no ambiente de um clube

Daniel Lisboa

Do UOL, em São Paulo

Ginga. Carisma. Pressão por resultados. Encarar ambientes ruins quando o time vai mal. Ter jogo de cintura para lidar com o ego alheio. Saber guardar segredos indizíveis. Conviver com "panelinhas". Estamos falando, claro, da realidade de um jogador de futebol, certo? Também. Mas este universo particular se aplica igualmente aos profissionais que, gostem os torcedores ou não, são os responsáveis pelo visual muitas vezes peculiar dos boleiros de hoje: seus cabeleireiros.

Que o diga Sergio Camargo. Seu salão, em uma rua tranquila no bairro da Lapa, em São Paulo, não tem nada que revele sua longa trajetória como cabeleireiro de vários jogadores desde o começo da década de 90. Sim, lá estão uma camiseta da seleção uruguaia, presente do lateral uruguaio Alvaro Pereira, uma camiseta do Chelsea autografada pelo zagueiro David Luiz e uma camiseta do Santos. Mas isso é possível encontrar em muitos lugares de São Paulo. Você só descobre com quem está falando quando puxa assunto com Sergio e ele começa a contar sobre as duas décadas passadas atrás de algumas das cabeças mais conhecidas dos campos brasileiros e, sim, mundiais.

"Tudo começou quando os jogadores do Palmeiras iam ao salão onde eu trabalhava lá no antigo Shopping Matarazzo (ao lado do então Parque Antarctica)", lembra Sergio. "Depois que saí de lá, abri meu próprio salão em um supermercado na Marginal Tietê. Para a minha surpresa, apareceu o então preparador físico do Palmeiras. Ele disse que ia a levar os jogadores para eu atender. Achei que seriam os juvenis, mas vieram os caras do time principal mesmo", conta.

Hoje cabeleireiro oficial do São Paulo, Sergio muitas vezes precisa deixar seu modesto, porém amplo, salão para correr ao CT da Barra Funda e atender os atletas do Tricolor. E não imagine que é fácil lidar com a boleirada. "Jogador é perfeccionista, apressado e presta atenção em qualquer detalhe. E, se acha que você errou, faz piada com você para os outros", revela Sergio. E o cabeleireiro faz questão de não esconder que se irrita quando isso acontece. "É engraçado, porque, quando é o contrário, jogador não gosta de ser cornetado."

Já calejado pelos anos de vivência no futebol, Sergio diz que aprendeu a detectar o que se passa no ambiente de um clube. "Dá para perceber quando o clima está ruim. E o contrário também. Eu chego e já sinto. Também sei quem gosta de quem, quem fala mal de quem. Afinal, estou lá dentro. Mas sou profissional, só quero chegar e fazer o meu trabalho."

Algumas vezes, entretanto, Sergio precisa lidar com as idiossincrasias dos jogadores. Em elencos com dezenas deles, é natural que alguns não gostem do seu trabalho ou tentem levar outro profissional para o clube. Mas aí, tal qual um técnico sob pressão, Sergio procura demonstrar confiança. "Tem jogador que vem direto aqui no meu salão", diz o cabeleireiro.

Aliás, cuidado antes de culpar Sergio pelo corte de gosto duvidoso de algum jogador são-paulino. Além de nem todos cortarem o cabelo com ele, muitos trocam de cabeleireiro sem que ele fique sabendo. "Às vezes sobra pra mim. Esses dias, uns amigos estavam vendo um jogo, viram o cabelo de um jogador e disseram 'pô, Sergio, foi você que fez isso aí? É f...", brinca.

Apesar da clara afeição pelo São Paulo, Sergio considera a era Parmalat do Palmeiras sua "época de ouro". "Eu ia atender os caras em hotéis e não tinha essa de combinar preço. Chovia nota de tudo quanto é valor pra mim", recorda o cabeleireiro. Em sua coleção de fotos, são vários os registros em que ele aparece ao lado de jogadores daquele momento como o goleiro Marcos, o lateral Arce, o zagueiro Júnior Baiano, o volante Galeano, o lateral Rogério e os atacantes Paulo Nunes e Euller. O clima de descontração nas imagens é tão evidente que em uma delas Marcos aparece bancando o cabeleireiro, enquanto em outra Paulo Nunes toma cerveja enquanto os colegas aparam o cabelo.

Mas não apenas Palmeiras e São Paulo passaram pelas tesouras de Sergio. Em passagens pela capital paulista, Vasco, Flamengo, Inter, Bahia e Náutico são outras das equipes que conheceram as habilidades do profissional. Além da seleção uruguaia, visitada pelo cabeleireiro a pedido de Alvaro Pereira quando o time estava hospedado em São Paulo para a Copa do Mundo. Na ocasião, até o craque "mordedor" Luiz Soares teve suas madeixas aparadas por Sergio.

Do ponto de vista financeiro, atender jogadores não fez grande diferença para o cabeleireiro. Ele cobra preços módicos, e é do cliente comum que vem grande parte da sua renda. Além disso, garante Sergio, os boleiros não têm nenhum privilégio no atendimento. Mas ele próprio já quis ser jogador de futebol – chegou a atuar como juvenil – e garante que "é melhor que muito cara que está aí'. Sergio conta, inclusive, que lembra de suas habilidades futebolísticas quando tem seu trabalho como cabeleireiro questionado pelos boleiros. "Eu digo que sei jogar bola e cortar cabelo, enquanto o cara (o jogador) só sabe jogar bola."

Foto: UOL

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