Os jogos de outubro serviram para escancarar uma crise entre elenco e comissão técnica e a Pitch, empresa detentora dos direitos de partidas da equipe nacional

Os jogos de outubro serviram para escancarar uma crise entre elenco e comissão técnica e a Pitch, empresa detentora dos direitos de partidas da equipe nacional

Guilherme Costa

Do UOL, em Cingapura

Dunga desentendeu-se com membros do estafe da Argentina no dia 11 de outubro, em amistoso realizado em Pequim. Dois dias depois, já em Cingapura, discutiu com o jornalista Tino Marcos, da TV Globo. No entanto, esses não foram os únicos conflitos que o treinador da seleção brasileira expôs durante a passagem da equipe pela Ásia. Os jogos de outubro serviram para escancarar uma crise entre elenco e comissão técnica e a Pitch, empresa detentora dos direitos de partidas da equipe nacional.

A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) tem na verdade um contrato com a ISE. A empresa árabe tem direito de explorar até 2022 os direitos comerciais de todos os amistosos da seleção brasileira, e esse trabalho é repassado para a inglesa Pitch.

Anunciado em 2012, o acordo foi descrito por Marco Polo del Nero, vice-presidente da CBF, como algo de "importância vital". O dirigente chegou a dizer que estava "encantado" por ter a Pitch como responsável por organização e comercialização dos jogos da seleção.

Até aquela época, segundo reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo", a Pitch jamais havia organizado um jogo de futebol. A agência inglesa de marketing esportivo tem como principal foco a venda de direitos de mídia.

A ISE paga US$ 1 milhão (R$ 2,4 milhões) por jogo da seleção e fica com todas as receitas. A Pitch costuma revender cada partida por um valor entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões, além de participação nas receitas.

O problema é que o contrato da CBF com a ISE dá plenos poderes à companhia. Portanto, os jogos da seleção são definidos de acordo com interesses comerciais da Pitch, que tem foco extremamente voltado ao mercado asiático, além do resultado de prospecção de mercado (é necessário encontrar alguém que desembolse a cota que a companhia cobra por partida).

Foi a Pitch que colocou o Superclássico das Américas de 2014 em uma data-Fifa – as duas edições anteriores, em 2011 e 2012, tinham sido disputadas apenas por jogadores de clubes brasileiros e argentinos. Também foi por decisão da empresa que o confronto foi realizado no Ninho de Pássaro, em Pequim. E aí começaram as reclamações.

Antes da partida contra a Argentina, Dunga fez de tudo para expressar descontentamento. Falou mal do regulamento do Superclássico (limite de três substituições), do desgaste causado por uma viagem tão longa, do excesso de poluição em Pequim e do gramado ruim do Ninho de Pássaro.

Dunga voltou a subir o tom contra a Pitch antes e depois da vitória por 4 a 0 sobre o Japão, em Cingapura. Reclamou do gramado do National Stadium, da mudança de temperatura e até por ter jogado um dia depois da seleção asiática, que havia enfrentado a Jamaica na sexta-feira (10) – o Superclássico foi realizado no sábado (11).

"Enfrentamos o Japão, que tinha jogado num dia anterior ao nosso, não tem diferença de fuso horário e trocou cinco ou seis atletas de uma partida para outra", enumerou Dunga em entrevista coletiva. "Com a poluição nós temos de jogar. O campo ruim está aí e temos de jogar. Seria bom se tivéssemos um campo melhor pelo espetáculo que as pessoas vêm assistir", completou o treinador em outro momento da conversa com jornalistas.

Jogadores também criticaram duramente as condições encontradas nos amistosos realizados na Ásia. O principal foco deles foi o gramado do National Stadium, em Cingapura. Inaugurado em 2014, o aparato de US$ 1,8 bilhão (R$ 3,4 bilhões) só havia sido usado uma vez para futebol e precisou de muita areia para corrigir falhas no campo.

"Uma dificuldade foi o gramado", avaliou Diego Tardelli. "Foi bem difícil jogar nesse gramado", concordou o meia Oscar.

As condições em campo, porém, são apenas parte do problema da seleção com a Pitch. Também há um desacordo sobre organização e estrutura do estádio. Em Pequim, funcionários da CBF reclamaram da morosidade e da falta de tato de funcionários responsáveis pelo evento. O ambiente chegou a ser descrito por pessoas da entidade como um dos "mais complicados" em que o Brasil já esteve.

Em Cingapura, uma medida do quanto a organização foi conturbada foi o excesso de filas. Na entrada, torcedores se aglomeravam no portão a mais de duas horas do início da partida. "Nós não estamos acostumados com eventos desse porte", admitiu um dos seguranças. "As pessoas trazem muitas coisas que não podem entrar. A revista demora", explicou o profissional.

O interior do estádio também teve problemas. Houve falta de energia elétrica na área de imprensa, e a internet não funcionou durante o jogo entre Brasil e Japão. Bares e lanchonetes na parte de dentro também tiveram grandes filas antes e depois da partida.

A Pitch não respondeu aos pedidos de entrevista feitos pela reportagem. Contudo, funcionários da empresa culpam os responsáveis pelos jogos pelos problemas organizacionais. No caso do amistoso de Cingapura, por exemplo, toda a gestão do evento foi feita pela JFA (Associação de Futebol do Japão, na sigla em inglês).

A ISE já havia sido responsável pelos amistosos da seleção entre 2006 e 2010. O atual contrato foi selado ainda na gestão de Ricardo Teixeira à frente da CBF, em negociação intermediada por Dirk Hollstein. O executivo já foi funcionário da ISL, empresa que, segundo a Fifa, pagou R$ 29,4 milhões a João Havelange e ao próprio Teixeira.

As relações conturbadas da ISE não param por aí. De acordo com a consultoria PriceWaterhouseCoopers, a empresa esteve envolvida em operações de lavagem de dinheiro e pagamento a Mohamed bin Hammam, ex-presidente da CAF (Confederação Asiática de Futebol).

FOTO: UOL

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