Mano conversa com Sidnei Lobo, seu auxiliar inseparável, ainda no Corinthians de 2008

Mano conversa com Sidnei Lobo, seu auxiliar inseparável, ainda no Corinthians de 2008

Dassler Marques e Enrico Bruno
Do UOL, em São Paulo e Belo Horizonte

São 180 jogos pelo Cruzeiro e mais 248 pelo Corinthians desde que, em 4 de dezembro de 2007, Mano Menezes se despediu do Grêmio para desbravar o país como treinador. Na decisão da Copa do Brasil entre cruzeirenses e corintianos desta quarta-feira (10), no Mineirão, ainda estão presentes as digitais do treinador de 56 anos como uma espécie de arquiteto, um profissional que definiu a linha de trabalho e de jogo das duas equipes.

Desenhar comissões técnicas, organizar sistemas de trabalho, idealizar uma linha de jogo e buscar jogadores foram algumas das diretrizes que Mano coordenou em duas passagens pelo Corinthians e coloca em prática desde que, em 2015, iniciou sua história com o Cruzeiro também em dois períodos de atividade. A partida desta quarta, que abre a final da Copa do Brasil, é uma espécie de consagração para essas ideias.

Sem conseguir vencer o Campeonato Brasileiro ou a Copa Libertadores apesar de bater na trave em algumas oportunidades, Mano se tornou exatamente por esse estilo um treinador respeitado no futebol nacional. A Copa do Brasil, aliás, é sua especialidade, com um título e um vice com o Corinthians, além de outro e mais uma final com o Cruzeiro. Sempre com o estilo de jogo que impõe em Minas e que deixou de legado no Parque São Jorge, com segurança para se defender como premissa inegociável.

Ex-estagiário implantou estilo "My name is Mano" no Cruzeiro

Apesar de parecerem recentes, os laços de Mano com o Cruzeiro são antigos. Além de Paulo Autuori, o clube mineiro abriu as portas para o então desconhecido estagiário de 35 anos na temporada de 1997. 18 anos mais tarde, o respeito pela instituição pesou na hora de aceitar o convite da diretoria mineira e substituir Vanderlei Luxemburgo em setembro de 2015, agora como treinador.

No início da primeira passagem e da segunda, em julho de 2016, Mano deixou claro que estava ali para apagar o incêndio, já que, ao chegar, a prioridade era afastar a equipe da zona do rebaixamento no Brasileiro. Somente com o objetivo alcançado, já no início de 2017, ele aproveitou bem a oportunidade de começar um projeto de temporada desde o início e participou com a diretoria de todo o planejamento da equipe do ano passado, descartando nomes e dando o aval para novas contratações, como Thiago Neves e Lucas Silva, hoje titulares absolutos, e Diogo Barbosa e Hudson, pilares no time do ano passado. Em 2018, o processo se repetiu: chegaram jogadores como Egídio, Fred, Bruno Silva e Barcos.

Dentro de campo, o principal obstáculo que Mano encontrou foi adotar um estilo de jogo diferente daquele que o torcedor cresceu assistindo. Acostumada a evocar times clássicos e que valorizavam o "jogo bonito" com Alex, Tostão e Dirceu Lopes, a torcida nunca deixou de questionar o modelo mais reativo do treinador, que prioriza a segurança defensiva para só depois atacar com eficiência. Nascia então o "my name is Mano", frase dita por ele ao comemorar uma vitória ao seu melhor estilo.

Por várias vezes, ele chegou a ser questionado no cargo. Ano passado, às vésperas de uma decisão contra o Palmeiras, na Copa do Brasil, Mano foi recebido com protestos que pediam sua saída na Toca da Raposa. O comandante não só foi bancado pela então diretoria como provou ser possível levar o título da competição, independentemente do modelo adotado. Gostando ou não, o torcedor se viu obrigado a dar o braço a torcer. No fim do ano passado, um nova ameaça colocou em risco o futuro do treinador, e novamente envolveu o Palmeiras. Especulado no clube paulista, que tinha interesse em contratá-lo, Mano fez uma reunião com a nova cúpula celeste, formada por Wagner Pires, Itair Machado e Marcelo Djian. Acertados os ponteiros, permaneceu no clube.

Se o Cruzeiro tem hoje como uma de suas marcas o comprometimento tático, o treinador teve papel fundamental na evolução de atletas como Arrascaeta. Ausente na final desta quarta, o meia foi visto durante muito tempo como concorrente de Thiago Neves, já que acreditava-se que os dois não poderiam jogar juntos. Ao ver Arrascaeta jogando pelo Uruguai, Mano chamou o jogador para uma conversa em particular, e nela eles combinaram que ali no Cruzeiro não seria diferente. Agora, Arrascaeta se tornou peça fundamental na recomposição e já foi visto dando carrinho aos 40 minutos do segundo tempo com o time vencendo. Thiago, antigo concorrente, hoje é um aliado no meio-campo, e o torcedor já não imagina mais algum deles no banco.

Por fim, o bom trabalho de gestão de grupo dá provas de como Mano conseguiu não perder jogadores em baixa e resgatar atletas questionados. Foi assim que Barcos deu fim a uma série de 11 jogos sem marcar e se transformou no cara da última semifinal, com gols na ida e na volta diante do Palmeiras. Em outras oportunidades, o técnico falou em coerência para justificar o retorno de Fábio após longa lesão, mesmo com o reserva Rafael em alta e pedido pela torcida. Por fim, Lucas Silva é outro que já chegou a ser a quarta opção do treinador, mas ganhou as chances necessárias para mostrar seu futebol e não sair mais da equipe.

As mudanças no Corinthians ocorreram em diferentes esferas

Foi principalmente o conhecimento tático que levou Antônio Carlos Zago, então diretor executivo do Corinthians, a indicar a contratação de Mano Menezes ao já presidente e amigo de infância Andrés Sanchez. Mano havia dado sinais de que pensava o futebol brasileiro em perspectiva ao levar o Grêmio da Série B à final da Libertadores com um sistema de jogo ainda pouco usado por aqui, o 4-2-3-1.

No Corinthians que tinha a desorganização dentro e fora de campo como marca até 2007, Mano teve uma contribuição que iria além da parte tática. Com Andrés e o diretor de futebol Mário Gobbi dispostos a reformular a parte estrutural, o treinador incentivou o aprimoramento do Parque São Jorge como local de trabalho e principalmente que o clube, graças ao médico Joaquim Grava, também tivesse seu centro de treinamento.

Adílson Batista, sucessor dele, foi o treinador a usufruir inicialmente da mudança para o CT Joaquim Grava em 2010, mas outras sementes estavam plantadas. Como por exemplo a contratação de Fábio Carille para ser auxiliar técnico em 2008, inicialmente a contragosto de Andrés, que continha despesas no departamento, mas depois compreendeu a importância do reforço.

Muito antes de ter o Centro de Inteligência em Futebol (CIFUT) como uma das referências em análise de desempenho do Brasil, em trabalho liderado anos depois por Edu Gaspar, o Corinthians contratou seu primeiro analista graças à insistência de Mano. O treinador foi buscar Rafael Vieira, seu pupilo no Grêmio, para se unir à comissão técnica com o objetivo de esmiuçar dados e vídeos de adversários, da própria equipe e de reforços. Para convencer o clube da contratação, disse que pagaria do próprio bolso para ter o profissional, que hoje o segue no Cruzeiro.

Com um estilo rígido de princípios de trabalho, mas normalmente amigável com as pessoas com quem lida, Mano também ajudou a blindar o futebol do clube do ponto de vista político. Até 2007, o Corinthians convivia com vazamentos de notícias e algumas confusões com conselheiros. O treinador tornou o departamento e o vestiário locais sagrados, o que o tornaria uma espécie de desafeto de Roberto de Andrade, o presidente corintiano entre 2015 e 2017.

Buscar jogadores para o clube, a despeito de todos esses outros pontos, talvez seja o que faz Mano ser mais lembrado entre os corintianos. Quatro pilares da equipe atual foram ideias do treinador e da equipe montada em torno dele: Fagner, Ralf, Jadson e Romero, todos titulares para a partida do Mineirão. Além de Danilo, o membro mais antigo do atual elenco.

A escolha do volante, por exemplo, se deu ainda durante 2009. Com a indicação de Carille, que chegara do Barueri, Ralf também desembarcou no clube com o respaldo de Mano para assumir uma função carente desde a ida de Cristian para a Turquia. Apesar de a diretoria ter contratado Edu e Marcelo Mattos, com passagens vitoriosas pelo Corinthians, Mano bancou o jogador que ganharia diversos títulos.

Essa mesma firmeza foi mostrada quando ele liderou a polêmica troca de Pato, contratado com status de estrela, por Jadson, que tinha sido levado por Mano para a seleção e virou uma das referências do Corinthians na década. Ou quando apostou em Fagner para suceder a Alessandro e, mesmo após um início ruim, ajudou no crescimento do jogador que chegaria à Copa. Ou ainda ao pinçar Ángel Romero no Cerro Porteño após o atacante brilhar na Libertadores de 2014.

Foto: Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians

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