Árabes e Trump colocam em xeque o mundial que o Catar pretende organizar

Árabes e Trump colocam em xeque o mundial que o Catar pretende organizar

A sede da próxima Copa do Golfo mudou de forma repentina. O torneio, programado para ser iniciado no próximo dia 22, seria no Qatar. Com a troca, o evento foi transferido para o Kwait. Saudada pelo presidente da Fifa, Gianni Infantino, a decisão foi muito mais motivada por pressão política do que por razões esportivas. E a jogada foi mais um lance que fortalece as suspeitas de que a Copa do Mundo de 2022 também possa migrar do Catar para algum outro destino.

Desde a metade do ano, o Catar enfrenta isolamento diplomático imposto por seis países do Golfo. O bloco é liderado pela Arábia Saudita, que acusa o pequeno e bilionário emirado de vínculos com o terrorismo e de, por meio da rede Al-Jazeera, querer expandir sua influência pela região. Para voltar a normalizar as relações, o bloco enviou ao Catar uma série de exigências. Entre elas está o fim das operações da Al-Jazeera, o que obviamente foi rechaçado.

Agora, praticamente um semestre após o aumento das rusgas, o impacto chega ao futebol após provocar alguns estragos na economia do emirado. Para não acirrar ainda mais o clima belicoso, Infantino optou por tentar distensionar o ambiente e elogiou a decisão do Catar. Para tanto, evocou o argumento de que foi restituído ao Kwait um evento que já seria do país, não fossem as punições recentes impostas pela Fifa por conta da interferência do governo na federação de futebol local. A acrobacia verbal do cartola não levou em conta que a Copa do Golfo é um evento da Arab Gulf Cup Football e não está, portanto, subordinada à Fifa. Assim, mesmo que continuasse punido o Kwait poderia organizar o torneio.

É óbvio que a ´devolução´ ao Kwait não se trata de uma cortesia catari. Dos oito países que disputarão o torneio, cinco cortaram relações com o Catar. Opulento e com ambições de protagonismo regional, o emirado tenta driblar a asfixia econômica que o boicote implica. O país de 11.437 quilômetros quadrados, um quarto do estado do Rio de Janeiro, tem apenas 59 quilômetros de fronteira terrestre. Em toda essa extensão faz divisa com a Arábia Saudita. Pelo mar, as melhores rotas de acesso passam por águas controladas por Bahrein e Emirados Árabes, com quem também deixou de ter vínculos diplomáticos.

Por conta das restrições e também da queda dos preços internacionais do petróleo, as receitas do emirado caíram no último semestre, o que impactou os investimentos nas obras de infra-estrutura para a Copa do Mundo. Dos 12 estádios planejados, apenas 8 serão efetivamente construídos. E o budget para 2018 sofreu corte equivalente a R$ 25 bilhões.

A Fifa monitora a evolução dos fatos. A entidade há não muito tempo passou a ter a Catar Airways entre os principais sponsors. Para se tornar uma das marcas globais que estão no time da Fifa, a companhia aérea catari desbancou a concorrente, e agora mais inimiga que nunca, Emirates. Para a Fifa seria um gol contra se indispor com uma parceira e com o país que organizará a Copa de 2022. Mas Infantino também sabe que não dá para ignorar os movimentos dos sauditas e de seus aliados.

A Europa jamais se encantou com a possibilidade de disputar uma Copa do Mundo no Catar por um vasto elenco de razões, como as mudanças no até agora intocável calendário do continente. Só que jamais tramou para mudar a sede do torneio, com a previsível exceção da Inglaterra. E a França, uma das potências regionais, certamente tentaria evitar um golpe contra o Catar, que é responsável por polpudos investimentos no país. A contratação de Neymar, o fortalecimento do PSG e a expansão do canal beinSports são os símbolos mais vistosos que o dinheiro do Catar recentemente comprou em território francês. E obviamente ninguém por lá gostaria de ver esse fluxo de dinheiro desaparecer.

A Fifa, por sua vez, não gosta de soluções na marra. Jamais a entidade cassou de um país escolhido o direito de receber o mundial. Quando a Colômbia deixou de organizar a Copa de 1986 foi por decisão do país e não por retaliação da Fifa. Mas começam a pipocar em jornais da Europa e da América do Norte notícias e análises de que agora tudo pode ser diferente.

E o plano B, informou o interessado jornal mexicano Record, seria antecipar para 2022 a realização de uma Copa que os países da América do Norte pleiteiam para 2026. Ocorre que também nesse cenário há uma questão diplomática a ser resolvida: como é que ficariam as delegações e os torcedores dos países atingidos pelas restrições que estão sendo impostas pelo governo Donald Trump a cidadãos de algumas nações muçulmanas? Se o Irã, por exemplo, repetir a classificação para a Copa, como ocorreu em 2014 e 2018, como ficariam os seus torcedores que desejassem apoiar a seleção em território americano?

Tudo o que a Fifa não quer é que a política abale os seus suculentos negócios. Mas como manter tudo em ordem com Trump e os sheiks árabes à solta por aí?

Fábio Piperno (twitter @piperno)

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