Em português claro diríamos que eles são "vira-casacas" ou os "do contra"

Em português claro diríamos que eles são "vira-casacas" ou os "do contra"

Eles são brasileiros. Milhares deles espalhados por todo o país, das grandes capitais do Sudeste ao agreste nordestino, esperando ansiosamente a primeira Brazuca rolar no dia 12 de junho. Estão se preparando, se reunindo, organizando festas e locais para torcer mais do que nunca, gritar até perder a voz e balançar com muito orgulho a bandeira. Aquela azul e branca... da Argentina.

Em português claro diríamos que eles são "vira-casacas" ou os "do contra". Mas eles não gostam de ser chamados assim. Primeiro porque, em sua maioria, garantem que nunca torceram pela seleção brasileira, e que a casaca deles foi sempre a alviceleste. E segundo porque dizem que os motivos para torcer pelo arquirrival do Brasil passam pela admiração pela garra e determinação dos hermanos e pela história daquele país.

Mas a verdade é que uma parte deles é do contra, sim. E os motivos muitas vezes são políticos. No Rio de Janeiro, por exemplo, um evento criado no Facebook denominado "Torcida Carioca pela Argentina Campeã em 2014" já tem 15 mil membros confirmados. Grande parte aderiu ao movimento para se manifestar contra o prefeito da capital fluminense. "Criei o grupo a partir de mais uma das besteiras do Eduardo Paes. No dia 10 de junho, ele disse que se mataria caso o Brasil perdesse para a Argentina na final da Copa do Mundo de 2014", diz Diedro Barros. "Aproveitando a grande onda de insatisfações com a estrutura da cidade e com a Prefeitura acabei criando a página."

Barros não sabe precisar quantos destes 15 mil são efetivamente torcedores da Argentina, mas garante que tem muita gente que torce muito e adoraria ver os nossos vizinhos ganhando este título. "A Argentina é um país apaixonante, e fora a rivalidade no futebol o povo de lá tem um enorme carinho e admiração pelo povo brasileiro."

Os anti-seleção brasileira

No grupo dos "contra" também está Wander Florêncio, de 33 anos. O estudante que vive em Bauru, no interior paulista, tem duras críticas à CBF e à composição da seleção brasileira e diz não se sentir representado pela equipe de Felipão. Por isso escolheu a Argentina para torcer. "Mas já faz muito tempo que entrei em vários grupos anti-seleção brasileira, com a finalidade de fazer novos amigos que têm algo em comum, sem com isso ser chamado de antipatriota", diz ele. "Não é por nascer aqui que eu sou forçado a torcer pelas Galinhas Amarelas!"

O professor Marcos Velloso, 44 anos, de Belo Horizonte, diz que os torcedores da seleção brasileira são "torcedores de ocasião" que são tomados por um sentimento de patriotismo só na época da Copa do Mundo. "Torço pela Argentina porque vejo uma nação muito melhor que a minha, politizada, com pessoas mais educadas, cultas e sem 'falso patriotismo midiático'", diz. "Além disso, o país tem melhor torcida, fiel mesmo! Não rasga bandeiras por um mal resultado, tem força, vibração e amor incondicional! Torço por eles desde 1978."

A necessidade de demonstrar esse amor que ele chama de "incondicional e explicável, mas às vezes não" levou Velloso a tatuar no braço esquerdo o brasão da AFA, a Associação de Futebol Argentino. Apesar de não ter conseguido ingressos para os jogos dos hermanos, ele garante que exibirá o braço tatuado torcendo muito em um bar argentino de Belo Horizonte. "É uma das maiores honras da minha vida."

O mecânico Hélio de Souza, 28 anos, vive em Messias Targino, no Rio Grande do Norte, e também sente a necessidade de extrapolar o sentimento louco que sente pela seleção argentina. A forma encontrada foi um rebatismo, mesmo que informal. Ele prefere que o chamem de Lionel Hélio Argentino, dupla homenagem para a seleção e seu principal craque, Lionel Messi. "Eu desisti da seleção brasileira nas Olimpíadas de 1996, deixei de torcer porque não concordava com a convocação, inclusive a de Ronaldo, e também pelo fato que eu já admirava jogadores argentinos como Ortega, Zanetti,Crespo e Simeone."

Argentina desde criancinha

Também do Rio Grande do Norte, na cidade de Brejinho, Raulinson Bezerril se organiza já para reunir alguns amigos que têm a mesma paixão dele pela seleção vizinha. O funcionário público do Estado conta que elegeu os hermanos para torcer aos 8 anos de idade, depois de um jogo contra a seleção brasileira. "Por incrível que pareça algo naquele jogo mexeu comigo, e foi do outro lado do gramado. Eu já era apaixonado por futebol, mas aquela camisa e aquele jeito de jogar dos argentinos despertaram em mim uma paixão imediata e inexplicável."

Apesar da paixão pela Argentina, Bezerril confessa que admira os jogadores da seleção brasileira, que assiste aos jogos porque gosta de futebol, mas que não consegue ter pela nossa seleção um sentimento de torcedor. "Mas temos de ser honestos com o futebol e entender que ninguém vence cinco Mundiais por pura sorte, é por competência. O nosso país é uma fábrica de talentos e será sempre, temos de respeitar o nosso futebol, que é realmente maravilhoso, é um produto da nossa cultura e uma paixão nacional."

Quando tinha 7 anos de idade, Michel Corbacho, baiano que hoje tem 23, se encantou pelo futebol jogado por Ortega, Verón, Simeone, Claudio Lopez, Batistuta na Copa de 1998, e desde a primeira partida contra o Japão, naquela ocasião a Argentina venceu por 1 a 0 com gol de Batistuta, ele passou a torcer por eles. Esse encantamento foi além e hoje ele é também torcedor do Boca Juniors e grande admirador de todo futebol argentino. Isso lhe rendeu muitos trabalhos, passou a escrever textos e análises para vários veículos de imprensa. Corbacho também contagiou amigos e vizinhos. "O pai de um amigo meu, que também é apaixonado pela 'alviceleste', já quebrou telhados da casa do vizinho com fogos de artifício no jogo em que a Argentina venceu o Brasil por 4 a 3, com três gols de Messi "

A paixão de Júnior Marques, 24 anos, preparador físico em Campo Grande (MS) foi despertada com um ano a mais, aos 8. Em 1998, ele foi participar de uma atividade na escola para pintar os muros de verde e amarelo para preparar o ambiente para a Copa e perguntou para a professora se podia pintar de azul e branco. Ela o questionou, explicando que iriam torcer pelo Brasil. "Você não quer ser Ronaldinho ou Romário? Não, professora, eu sou Batistuta", conta ele.

Marques conta que foi acompanhando o Mundial da França que se apaixonou. "Nunca torci pela seleção brasileira, é algo natural, desde 1998 acompanho a Argentina e para sempre será assim. Consegui um ingresso para ver Argentina x Bósnia no Maracanã. Dia 15 estarei no Rio para realizar um sonho."

Com respeito e sem briga

O ponto de encontro dos malucos pela Argentina na cidade de São Paulo costuma ser o bar Moocaires, no bairro da Mooca. "O dono do bar é argentino e as pessoas buscam aqui comidas e quitutes que comeram em viagem a Buenos Aires e querem comer de novo", diz Rita Valério, gerente do bar.

Depois da Copa da África do Sul, muitos torcedores passaram a frequentar o bar em jogos da seleção argentina e também de times argentinos que jogavam a Copa Libertadores da América. "Em sete anos de funcionamento nunca houve uma briga nem qualquer problema com vizinhos, brasileiro que é contra a Argentina não vem aqui ou, se vem, respeita a maioria que está no bar", conta Rita.

Mas no dia a dia não é bem assim. "Algumas pessoas não compreendem o que é a paixão por um clube e uma seleção. Tanto por torcer pela seleção argentina, quanto pelo Boca Juniors sempre me olham com diferença", conta Michel Corbacho. "Eu já fui chamado de antipatriota, de traidor, mas não sou obrigado a seguir a manada", diz Wander Florêncio. Cássio Souza, de Vitória (ES), diz que uma vez, na Copa de 2006, uma pessoa foi reclamar com ele porque vestia a camisa da Argentina. "Mandei-o para aquele lugar, e continuei andando." "Meus amigos sempre me provocam, me zoam, mas acaba na brincadeira e a gente nem liga", fala Felipe Júnior, de Viçosa, Alagoas.

Zoados ou não, todos prometem vestir a camisa, empunhar bandeiras e organizarem torcidas mesmo sendo este ano o Brasil o dono da casa. E o bar da Mooca até vai passar todos os jogos da Copa do Mundo, mas só dentro do horário de funcionamento normal. "A única exceção vão ser nos jogos da Argentina, claro. Vamos abrir especialmente nos horários de jogo quando jogarem nossos hermanos", diz Rita Valério. Mas ela avisa que a entrada será limitada à capacidade do bar, que é de cerca de 120 pessoas.

FOTO: UOL

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