Em entrevista exclusiva, Arthur Katchborian explica o projeto e ressalta momento positivo para retrofit da Vila famosa

Em entrevista exclusiva, Arthur Katchborian explica o projeto e ressalta momento positivo para retrofit da Vila famosa

Templo histórico do futebol mundial, casa de grandes gênios desse esporte, um dos campos mais difíceis de jogar no Brasil: a Vila Belmiro não é um estádio qualquer. Com mais de 100 anos de existência, a casa do Santos Futebol Clube está próxima de passar pela sua maior mudança. O tão falado retrofit do estádio Urbano Caldeira deu seu primeiro passo para deixar de ser uma especulação e se tornar realidade.

Em entrevista exclusiva, Arthur Katchborian, arquiteto responsável pelo projeto da nova Vila Belmiro, destacou o desafio de ampliar e modernizar a casa santista e valorizou a importância de manter a essência do estádio que se consolidou como um alçapão que pressiona os adversários e empurra a equipe da casa: “a condição é que ele não perdesse a característica de proximidade e pressão no adversário. Isso faz parte do processo criativo do projeto”, afirma. “a ambientação, o clima e o entorno a gente não pode perder”, destacou o autor do projeto que prevê até 20 mil lugares, com um custo de aproximadamente R$ 200 milhões.

Confira os principais trechos da entrevista:

Relação do arquiteto com o presidente José Carlos Peres

Responsável pelo escritório de arquiterura Biselli Katchborian Arquitetos Associados, Arthur explicou que se aproximou do Santos cerca de 10 anos atrás, quando desenvolveu um projeto para a calçada da fama do Morumbi, a pedido do São Paulo. O trabalho chamou a atenção do presidente santista na época, Marcelo Teixeira, e de Peres, que era responsável pelo clube na capital paulista. Chamado para desenvolver algumas melhorias na Vila Belmiro, o arquiteto destacou que o projeto não avançou, mas a relação com Peres permaneceu.

“Próximo da eleição (vencida por Peres em dezembro de 2017), ele me consultou se, caso fosse eleito, eu faria um trabalho mais amplo em relação ao patrimônio do Santos. Posso me considerar amigo do Peres, como sou de outros clientes. É aquele amigo profissional”, destaca.

“Quando fui convocado a pergunta era ‘o que fazer com o estádio?’. Decidimos fazer um plano diretor e não um projeto de arquitetura:  um estudo de viabilidade que gera algumas fases de um projeto de arquitetura e que é passível de orçamento”, disse. “A gente prepara todo o material porque você não chega num possível investidor, questiona se ele está disposto a oferecer milhões e não mostra nada. O plano tem como fim dizer o que vai ser o estádio, o tamanho, quais as dependências, como fica tudo isso”, explicou o arquiteto que apresentou o projeto ao conselho do Santos na última semana, com o intuito de receber “ informações, criticas, comentários e absorve-los no projeto”, segundo o próprio.

Por que um retrofit e não um estádio novo?

Desde que assumiu a presidência do clube, José Carlos Peres fala em retrofit do estádio santista. Segundo Arthur Katchborian, o tão falado retrofit vai além de uma simples reforma e é a melhor opção para o Peixe hoje até mesmo do ponto de vista burocrático.

“A reforma parte do princípio que estou só melhorando o aspecto ou o layout de uma edificação. O retrofit revê o uso dela. Ele pode mudar ou retirar e readequar o uso”, explica.

“O retrofit em particular tem um aspecto vantajoso legalmente falando: a Vila em seus mais de 100 anos tem uma série de pequenas reformas, o pessoal brinca e chamam de puxadinhos. Tudo isso nem se pensou se era legalizado ou não, mas em certo momento foi anistiado. Na medida em que aprovo como um retrofit não perco uma serie de vantagens que a Vila ganhou com o passar do tempo, por exemplo, certos lugares que invadem o espaço aéreo da calçada: na frieza da lei seria irregular, mas na Vila está regular. Se for colocar no chão e fizer um novo estádio, o município iria analisar com outros olhos”.

Como manter o clima da Vila e não perder o efeito alçapão

A força do Santos dentro da Vila Belmiro é algo inquestionável. Exaltada por quem já defendeu o clube ou enfrentou o Peixe, a casa santista é conhecida como o “alçapão” que exerce pressão sobre o adversário, cria ambiente hostil e faz a diferença a favor dos alvinegros. Não perder essa essência é uma das preocupações do projeto.

“Isso é muito considerado no projeto. Primeiro por causa do arquiteto - sou santista, embora isso seja irrelevante, outro arquiteto com outra referência levaria em conta porque isso é dado do programa do cliente Santos Futebol Clube - A condição é que ele (o estádio) não perdesse a característica de proximidade e pressão no adversário. Isso faz parte do processo criativo do projeto”, destaca Arthur. “E no projeto fica claro na criação do anel térreo que leva os torcedores a poucos metros do campo, naquela característica de estádios ingleses. Esse anel é fechado, como se fosse uma panela mesmo”, completa o arquiteto que mostra preocupação ainda com o ambiente externo do estádio.

“Juntamos isso com outra importância que é o fato da cidade, que abraçou a Vila. No segundo lance, em que as pessoas estão mais no alto, criamos fendas nas articulações do estádio, para deixar vazar luz e som para o exterior, dando aquele clima que quando você vai ao jogo as sensações vão sendo aguçadas, o coração começa  a palpitar, aumenta adrenalina, você quer chegar logo. O legal da Vila é que ela tem essa característica de alçapão, e o segundo lado se relaciona com o entorno, quase como um íman que puxa as pessoas pra dentro”, explica.

A capacidade da nova Vila Belmiro

O plano apresentado pelos arquitetos prevê um estádio com capacidade entre 18 e 20 mil pessoas. Para Katchborian, o número atende a demanda santista e, mais do que isso, mantém o projeto economicamente viável.

“O numero surgiu do cruzamento de diversas incógnitas que vão desde o público, passando por circulação, rotas de fuga, corredores, banheiros, elevadores, escadas. Esse é um numero economicamente ótimo para o que temos na Vila. Isso é por uma folga que temos no estádio sem sair de geometria dele”, comenta o arquiteto que foi questionado por conselheiros do clube sobre a possibilidade de aumentar a capacidade para 25 mil lugares. “Quando me foi feita essa pergunta digo que é possível, mas começa a ficar independente da minha vontade porque vou ter que invadir um pouco mais o espaço aéreo, teria que conversar mais com a prefeitura”, afirma Arthur que destaca o interesse da prefeitura de Santos em ver a Vila Belmiro reformada, mas que isso não garante a aprovação de um projeto maior: “Não posso chegar ao conselho e dizer ‘garanto que aprovo isso’. Tecnicamente eu faço, mas preciso do aval da prefeitura. O bom estádio é o que tem uma lotação próxima de 90/95%, senão ele não é sustentável. Temos que trabalhar com os pés no chão, conhecendo o Santos”.

Os principais desafios de um projeto dessa magnitude

Tratar da reestruturação de um estádio histórico como a Vila Belmiro é tarefa das mais difíceis. A experiência do escritório Biselli Katchborian no desenvolvimento de instalações esportivas Brasil afora gabarita a equipe para o desafio. Ainda assim, Arthur destaca a dificuldade do trabalho.

“A geometria do terreno (é o maior desafio no projeto). Na apresentação fizemos uma comparação do terreno da Vila. Estudamos 30/40 estádios e tivemos um dado impressionante: a Vila, com seu terreno, considerando com a calçada e tudo mais, cabe dentro de 99,9% dos estádios que estudamos. Você coloca a Vila com tudo dentro da Bombonera, por exemplo. O grande desafio é limitar-se a uma geometria inigualável no mundo, conseguir ampliar a capacidade com qualificação. E, além disso, é um estádio que foi abraçado pela cidade e que não pode ignorar o seu entorno”, destaca o arquiteto que, em 32 anos de escritório, trabalhou em projetos como a reforma do estádio Bruno Jose Daniel, em Santo André, construção do Centro Olímpico de Deodoro, Centro Olímpico de Camaçari, ginásio de esportes de Barueri, de Mauá, além de dois autódromos.

Momento favorável para a construção e a felicidade com o projeto

Feliz com a oportunidade de trabalhar com o clube do coração, Arthur Katchborian valoriza o retorno positivo da comunidade santista após a apresentação do projeto e destaca o momento positivo para alavancar a obra, tão especulada em outros mandatos.

“Alguns torcedores me procuraram e uma frase que tenho dito sempre: tem muito para andar, ainda está longe, tem muita coisa para acontecer, mas em 100 anos de história nunca estivermos tão perto. Não significa que amanhã estará pronto. Por isso tento colocar a importância do momento para o presidente Peres: o Santos nunca esteve numa situação tão favorável”, diz o santista . “Destaco minha surpresa positiva com a receptividade. A coisa aconteceu no momento certo, o pessoal estava ansioso e perceberam que fizemos de forma séria, tratando todo mundo como parte importante para o processo. Isso tem sido gratificante pra mim. É muito legal se relacionar com quem tem interesse que isso dê certo e que o Santos seja legal”, completou o arquiteto que destaca a nova Vila Belmiro como o projeto que falta ao seu portfólio

“Tenho 32 anos de escritório, premiações, lançamos nosso sétimos livro mês passado. E num lançamento, um aluno me provocou perguntando se em 32 anos faltava fazer alguma coisa, já que fiz até terminais de aeroporto, complexos olímpicos, estádios, ginásios, estação ferroviária... e respondi: falta fazer a Vila Belmiro. Isso foi um ano atrás e agora estamos fazendo”.

 

O projeto apresentado por Katchborian depende da aprovação no conselho do clube. O Grupo Bolton surgiu como interessado em custear as obras, o presidente santista chegou a se reunir com o CEO Roberto Diomedi, que enviou um representante para a apresentação do projeto. As conversas, porém, não avançaram e uma série de interrogações cerca o investidor. A obra levaria cerca de 18 meses para ficar pronta.

Fotos: Santos/Divulgação

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