A especialidade dele, porém, eram as faltas

A especialidade dele, porém, eram as faltas

Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

O juiz marcava falta perto da área e lá ia Célio Silva para a cobrança. Os torcedores do time do zagueirão se enchiam de esperança, os rivais de medo. Também por culpa dele, diga-se. Em entrevista ao UOL Esporte, o xerifão com passagens históricas por Inter e Corinthians conta que, em campo, avisava que ia mirar na barreira. Se errasse, aí sim ele poderia fazer o gol.

"Sempre tinha um pessoal que era transferido para outro clube e falava: 'Bate fora, chuta para fora. Cuidado, não vai me acertar aqui não, tá?' E eu falava: 'O meu alvo é a barreira. Se passar fica para o goleiro'. Falava que me dava mais prazer acertar bolada na barreira do que fazer o gol", disse o ex-jogador, em entrevista ao UOL Esporte.

O chute forte sempre foi a grande arma de Célio Silva, que começou a carreira no Americano, no fim dos anos 1980, e rodou por outros oito clubes até pendurar as chuteiras. Seus melhores momentos foram no Inter e no Corinthians, quando conquistou duas Copas do Brasil, a primeira marcando gol de pênalti na decisão.

A especialidade dele, porém, eram as faltas. Ele conta 18 gols em uma carreira que ainda teve passagens pela seleção brasileira e clubes como Vasco, Flamengo e Atlético Mineiro, além de duas passagens rápidas pelo exterior.

Confira abaixo a entrevista completa de Célio Silva:

UOL Esporte: O que está fazendo hoje?

Célio Silva: Passei por uma cirurgia no joelho, uma correção na tíbia. Estou há três meses de muleta. Sou professor e coordenador de um projeto social chamado Esperança Esporte Clube, aqui na Mooca [bairro de São Paulo], onde a gente promove a molecada da favela da Vila Prudente. Além disso, estou cursando gestão desportiva na Faculdade Drummond.

UOL Esporte: Você ficou marcado pela potência do chute. Como surgiu isso? Você treinava muito?

Célio Silva: Isso aí é de família mesmo. Todos os meus irmãos chutam forte. Nós somos em nove irmãos, sendo cinco homens. Tirando o meu irmão o mais velho, que era goleiro - não chutava forte, mas batia muito bem na bola, todos os outros quatro chutavam forte. Inclusive tinha um que chutava até mais forte que eu. Isso aí é uma herança, é de genética mesmo. Eu nunca tive perna grossa, com tanto músculo para poder ocasionar isso.

UOL Esporte: Na Copa a gente viu o David Luiz fazer gol de falta com um chute forte. É parecido com você?

Célio Silva: Ele chuta diferente. No gol que ele fez [contra a Colômbia] ele tentou surpreender, tanto é que ele tentou de novo e não conseguiu outras vezes. Ali, pela posição e a distância, ninguém esperava que ele ia bater dessa forma. Normalmente é uma bola mais forte, nunca é uma bola bem direcionada. Ele foi muito feliz naquela batida, pegou mais com a parte de dentro do pé, não sei se é a característica dele. A bola subiu, passou bem próxima à barreira e deu uma caída muito rápida, mata o goleiro. Que eu me lembre, eu tenho só dois gols de bolas colocadas na minha carreira, um contra o Palmeiras e outro contra o Botafogo de Ribeirão Preto, jogando pelo Flamengo.

UOL Esporte: Tinha algum amigo que já tinha jogado com você que, sabendo do potencial do seu chute, não gostava de ficar na barreira?

Célio Silva: Sempre tinha um pessoal que era transferido para outro clube e falava: 'Bate fora, chuta para fora. Cuidado, não vai me acertar aqui não, tá?' E eu falava: 'O meu alvo é a barreira. Se passar fica para o goleiro'. Falava que me dava mais prazer acertar bolada na barreira do que fazer o gol [risos]. Eu lembro que na época que eu fui para o Goiás, eu tinha saído do Corinthians e fomos jogar no Pacaembu. O Marcelinho Carioca falava: 'Eu não vou entrar na barreira. Se tiver falta, eu não entro na barreira'. Era a fama de chutar forte, e ao longo da minha carreira eu fiz 18 gols. Não são muitos, mas marcava pela força. A gente errava mais do que acertava, mas o problema é que quando marcava o gol ficava na história.

UOL Esporte: Você chegou a derrubar algum jogador durante uma partida ou treino?

Célio Silva: Sim, uma vez eu dei uma bolada no Cris, zagueiro, em um treino bem próximo, à queima roupa. Ele ficou com a marca da bola uns 20 dias [risos]. O Cris era branco demais, e na hora que ele levantava o shorts a gente via até os gomos da bola que estavam marcados na perna dele [risos]. O Cris disse: 'Bom, agora não tem como te esquecer mesmo'.

UOL Esporte: O que faltou para você se firmar na seleção brasileira?

Célio Silva: Eu via que a competição era muito grande. Se você olhar os zagueiros que tinha a seleção naquela época, a questão é que tinha muita qualidade. Hoje está difícil de você encontrar jogadores ponta firme. Você pegava a seleção e tinha Mozer, Aldair, Ricardo Gomes, Ricardo Rocha e daí por diante. Então era difícil você jogar naquela seleção, entendeu? Eu tive 22 convocações para a seleção brasileira. Para se ter uma ideia, quando eu fui para a seleção de base eu jogava no Americano de Campos, coisa que no passado não acontecia de jeito nenhum, então a disputa era muito grande. Não só na zaga, mas com a quantidade por posições o treinador podia escolher. Isso hoje é culpa da formação, antes nós tínhamos ex-atletas que eram treinadores, hoje não tem mais. Alguém que jogou, ganhou, jogou com estádio cheio para poder passar para o moleque o que vivemos no passado. Eu não vou citar o nome, mas eu fui treinar um clube não faz muito tempo e falaram: 'Toma cuidado com aquele jogador porque ele é bagunceiro, quebra tudo, ele xinga todo mundo'. Bom, passou um período e nada, passou outro e nada. Aí eu cheguei no menino e falei para ele: 'Mandaram eu tomar cuidado com você porque você é bagunceiro, quebra tudo, briga, mas o que houve aí?' O menino respondeu: 'Não, professor, é porque o treinador que vem aqui não sabe chutar uma bola. Vem o cara da academia aqui dar treino... O cara se formou como preparador físico e vem aqui dar treino, não sabe chutar uma bola. O senhor pode ficar tranquilo, porque é referência'. Então o próprio jogador reconhece isso. Hoje os caras estão preocupados com os títulos, e não com a formação. Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos são obrigados a chegar nas finais das competições de base, principalmente. A vantagem é mandar três, quatro jogadores para o profissional, é formar. Eu penso dessa forma

UOL Esporte: Célio, na época em que você treinava no Corinthians você tinha um Fusca. O que aconteceu com ele?

Célio Silva: Eu ainda tenho. Tenho ele até hoje, é o azul. Eu coloquei para vender agora, estou esperando uma grana para poder colocar dinheiro no projeto aqui, está até no Facebook. Quem quiser comprar, estou pedindo R$ 17 mil. Esse Fusca é que nem um carro de série, só tem 850 carros. Ele é 1986, ultima série e o carro está bonito. Vamos ver se eu consigo vender para ajudar o time.

Foto: portal Terceiro Tempo

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