No lugar da casa do meu avô na avenida Carlos de Campos, no Pari, há um mercadinho.
Enquanto morou lá, era fácil saber quando meu avô estava feliz. Bastava passar em frente, olhar para cima e constatar que ele havia colocado a bandeira no mastro montado no telhado.
Nas vitórias importantes, principalmente contra o Palmeiras e nos títulos, é claro.
Em 1977, meu avô, feliz da vida, não se contentou em colocar a alvinegra ali e levou outra para o trabalho, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.
Meu avô foi um serralheiro de mão cheia, como se dizia antigamente.
Criativo ao extremo, projetou e confeccionou as dobradiças que estão até hoje segurando as pesadíssimas portas da Catedral da Sé, que teimavam em não se agüentar...
Participou da fundição do Monumento a Duque de Caxias, das placas de aço do Metrô e de obras no Teatro Municipal e Parque do Ibirapuera, entre outros.
No Jóquei Clube de São Paulo fazia uns "bicos", cuidando da manutenção do equipamento que libera os cavalos para as corridas.
Então, após aquela noite eletrizante de 13 de outubro de 1977, quando Basílio decretou o fim de um sofrimento desmedido, tomou o café mais doce que um mortal pode tomar e se dirigiu ao Liceu.
Ele tinha um corpo pequeno, franzino e olhos azuis da cor do céu daquela manhã de 14 de outubro.
Pegou seu cartão na chapeira, puxou a alavanca com prazer e subiu para o telhado do Liceu. Olhou a cidade lá de cima, que parecia mais bonita do que nunca e, sem qualquer cerimônia, fez aquilo que seu coração alvinegro mandou:
Arriou e tirou a bandeira brasileira do mastro e colocou a do Corinthians em seu lugar.
Puxou a cordinha e elevou-a em seu ponto máximo.
Em pouco tempo a polícia apareceu.
Seus amigos fiéis - e nem todos eram corintianos -, trataram de esconder o meu avô. Eram anos "bicudos", a ditadura militar não tolerava brincadeiras e o DOPS tinha métodos pouco ortodoxos...
Meu avô escapou, provavelmente porque a turma do fusquinha preto e laranja da rádio-patrulha também fosse corintiana...
Neste 1º de setembro de 2015 - se ainda estivesse por aqui -, e se a sua bela casa ainda estivesse erguida na Carlos de Campos, com aquelas roseiras à frente, tenho absoluta certeza que ele subiria no telhado e colocaria a bandeira do Timão lá em cima.
A mim, resta mandar um recado pra você, vô:
A cidade continua linda! O céu está tão azul quanto os seus olhos e aquela manhã de 14 de outubro de 1977.
A mais bela, desde 1910.
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