De corpo forte e trabalhado, parecia um tigre de bronze, mas no dia dois de outubro de 2010 o pugilista profissional Jefferson Gonçalo foi ao solo e deixou o ringue numa maca e perdendo os sentidos

De corpo forte e trabalhado, parecia um tigre de bronze, mas no dia dois de outubro de 2010 o pugilista profissional Jefferson Gonçalo foi ao solo e deixou o ringue numa maca e perdendo os sentidos

De corpo forte e trabalhado, parecia um tigre de bronze, mas no dia dois de outubro de 2010 o pugilista profissional Jefferson Gonçalo foi ao solo e deixou o ringue numa maca e perdendo os sentidos. Os olhos mirando o vazio. Um evento na cidade de Salto, interior de São Paulo, no Ginásio João Sebastião Ferraro. Faleceu quatro dias depois aos 39 anos. Antes disto havia participado de uma “turnê da dor”, enfrentando pugilistas duros, alguns que entrariam ao grupo de elite, em curto espaço de tempo.

No dia seis de junho de 2009, Gonçalo encarou Saul Álvarez (26-0-1), que ainda não era campeão mundial, dono de forte pegada. A luta no México terminou por nocaute no 9º round com a mão do anfitrião levantada, o limite de assaltos era 12. No dia 25 de setembro Gonçalo voltou ao ringue e superou por desistência o brasileiro Antonio Tintiliano (4-9-0), o vencendo por desistência no quinto round em luta programada para seis.

Em 16 de outubro, Gonçalo foi suplantado por decisão unânime nos pontos após 10 rounds pelo argentino Ulises David López (24-2-0) em combate na casa do oponente. No dia 24 do mesmo mês Gonçalo perdeu pelo mesmo resultado diante do franco-camaronês Hassan N’Dam N’Jikam (20-0-0) na França.

Bayram Hussein (31-3-0) da França superou Gonçalo por pontos após 8 rounds o brasileiro em Paris no dia 10 de dezembro. Na Alemanha, o armeno Khoren Gevor (30-4-0) o venceu por decisão unânime após 10 rounds no dia 9 de janeiro de 2010.

Entre fevereiro e junho de 2010 lutou com os brasileiros Valdevan Pereira (5-2-0), Jack Welson (13-2-0) e Jose Osmair de Souza (1-7-0), os vencendo respectivamente nos pontos após seis rounds e nocautes técnicos no 9º e 2º assalto.

No dia sete de agosto do mesmo ano, Jefferson Gonçalo recebeu contagem em pé no 8º assalto após receber duros golpes enquanto encurralado nas cordas pelo argentino e futuro campeão do mundo Diego “La Joya” Chaves (14-0-0). O combate em Buenos Aires terminou com vitória por decisão unânime para o pugilista local.

O último combate de sua carreira – relatado acima –  se deu contra o brasileiro Ismael Bueno, o qual prefere não falar sobre o caso, mas até hoje se mostra muito emocionado ao tocar no assunto. Gonçalo foi direto ao hospital conduzido por uma ambulância após sofrer uma ruptura de uma artéria do pescoço segundo o Globo Esporte. Passou por uma cirurgia cerebral cinco horas após o confronto entrando em óbito quatro dias depois. O evento foi organizado pela Liga Paulista de Boxe, o então presidente da entidade era o também jornalista Reinaldo Carrera. O promotor do combate era o próprio pugilista.

O então vice-presidente da Confederação Brasileira de Boxe Luiz Claudio Braga Boselli declarou ao G1 na ocasião: “eu acho que falta responsabilidade de quem organiza esses eventos. O jeito de tornar o esporte mais seguro é seguir as regras e seguir a recomendação médica. Após um nocaute, uma luta que levou muitos golpes, fazer todos os exames e ver se as condições permitem continuar lutando. Está tudo bem, continua. É um caso que graças a Deus não acontece muito no esporte. Só acontece por falta de prevenção. Será que fizeram exames entre as lutas?”.

Ao G1 Carrera respondeu o seguinte sobre a posição da CBBoxe: “não temos vínculo nenhum com eles, não tinha ninguém deles lá, e então acho que não deveriam fazer nenhum tipo de comentário. É até anti-ético”.

Os exames médicos foram apresentados em janeiro de 2010 como solicitou o regulamento da Liga, depois Gonçalo participou de mais quatro lutas citadas acima. Na última sofreu duros golpes do pegador Diego Chaves durante 12 rounds.

“O normal é apresentar os exames anualmente, a não ser que você tenha alguma desconfiança. Não foi o caso. Duvido que qualquer entidade do mundo pediria um novo exame. Em quatro lutas, foram três vitórias e uma derrota por pontos, da qual ele saiu andando normalmente do ringue. Eu sugeri, como amigo dele, que ele fizesse um exame depois da luta, mas até aí não tinha nenhuma luta programada para ele. Três dias depois ele me ligou dizendo que tinha feito os exames e que o médico disse que ele podia voltar a lutar na semana seguinte se quisesse”, afirmou Reinaldo Carrera ao mesmo site.

Os exames com a Liga Paulista de Boxe estavam em dia, mas “uma tomografia realizada logo após a luta  apontou que o lutador já tinha uma lesão no cérebro”, aponta o site G1.

Na matéria “Regra some em morte no ringue” assinada pelo então jornalista da Folha de S. Paulo Eduardo Ohata na coluna Painel FC em 9 de outubro de 2010, o técnico Edson “Xuxa” Nascimento que estava no corner de Ismael Bueno apontou: “não aconteceu pesagem, não houve exame médico”. “O Jeferson deveria estar com 71 kg, 72 kg, estourando. O Ismael, com 76 kg, 77 kg”. O especialista em boxe aponta em seu texto que o primeiro “estaria na categoria dos médios, e o outro, duas categorias acima, na dos meio-pesados, prática terminantemente proibida no esporte”.

Jefferson Gonçalo iniciou no muay-thai e fez a transição para a nobre arte com Waldevino Monteiro, o qual o acompanhou em diversos combates, menos no derradeiro. No combate contra Saul Álvarez, o ex-treinador não o acompanhou e disse: “filho, você quer? Vai. Vai fazer o seu batismo? Boa sorte”. Gonçalo foi chamado de última hora por um agenciador, conforme recorda Monteiro.

“Eu conheço Federação Paulista de Boxe, o Conselho Nacional de Boxe a Confederação Brasileira de Boxe”, afirma Waldevino lembrando um dialogo que teve com representantes da Liga Paulista de Boxe. Em entrevista ao Terceiro Tempo afirma que esta entidade é adepta das práticas mencionadas na matéria de Eduardo Ohata da Folha, “Não é rigorosa como a nossa federação”. O treinador ainda vê que lutadores jovens e pobres, principalmente os casados e com família, aceitam combates desiguais.

Mais cuidados e união maior dos pugilistas

Para o advogado brasileiro especialista em esporte Alberto Murray Neto deveriam ser cobrados mais exames no território nacional assim como é feito no exterior. O mesmo expõe que é difícil para um filho convencer seu pai de iniciar no pugilismo quando as condições não são favoráveis evitando até a renovação de talentos. “Boxe não é prejudicial à saúde se forem tomadas as medidas necessárias de prevenção que por ser um esporte de contato devem ser rigorosíssimas”

O advogado Alberto Murray Neto sempre conviveu com os esportes, é neto de Sylvio Magalhães Padilha, falecido dirigente do Comitê Olímpico Brasileiro que teve gestão marcada pela ética e muito amigo da família tradicional no boxe Jofre-Zumbano. Hoje seus filhos João Paulo e Guilherme Murray são esgrimistas pré-cadete e infantil, respectivamente.

Para o neurocirurgião Dr. Paulo Porto de Melo a fiscalização e cuidados com o bem-estar dos atletas são questões de saúde. “Ao término da carreira podem-se observar alterações estruturais no cérebro, envolvendo áreas de diminuição de mielina e lesões axonais difusas. Ambas lesões acabam acarretando alterações cognitivas e psicológicas comprovadamente (há estudos comprovando maior risco de desenvolvimento precoce de doenças neurológicas degenerativas e depressão neste grupo de pacientes.

Na visão do especialista, esportes de contato devem seguir normas rigorosas na relação médico e atleta. “Os guidelines atualmente em voga preveem que o médico que estiver presente no local (campo de futebol, ringue, etc) seja adequeadamente treinado para reconhecer alterações sutis e retirar o atleta da disputa rapidamente, no intuito de preservá-lo e evitar situações mais graves”, explica. Dr. Melo aponta que a concussão é a manifestação clínica mais comum e sutil envolvendo alterações de funções cerebrais como desorientação no tempo ou espaço, alterações de memória ou perda de consciência, quando detectada o atleta deve ser retirado imediatamente da disputa. “Ressalto, não é necessário que o atleta sofra um knock-down ou knock-out”.

Nos EUA, por exemplo, o retorno ao esporte só é permitido após exames de imagem como tomografia e ressonância magnética, com resultados normais e o atleta estando assintomático e sem uso de medicação. Algumas entidades esportivas retiram o esportista de competições durante a temporada. “Exames anuais não são suficientes para excluir o risco de complicações neurológicas graves, incluindo óbito por edema cerebral”.

Outro ponto que incomoda Murray é como cartéis podem ser forjados neste esporte e seus atletas manipulados: “sempre houve suspeita de que às vezes, porque as regras não sejam muito claras, que o caminho de determinado pugilista para chegar até sua luta principal de disputa de título ou eliminatória tenha sido forjado, não por lutas arranjadas, mas com adversários mais fracos e/ou menos preparados. Como chegou até lá?”.

A família do bicampeão mundial Eder Jofre, a maior dinastia do boxe, o clã Jofre-Zumbano sempre foi ativista por direitos maiores dos pugilistas. O próprio Galo de Ouro no filme “Quebrando a Cara” aponta seus colegas e cita que enquanto sofrem dificuldades para subir ninguém olha para eles, mas quando alcançam o sucesso muitos pedem foto.

O argentino campeão mundial “El Artillero” Hector Javier Velazco, 41, batalhou dentro dos ringues e após pendurar as luvas iniciou um movimento em seu país para unificar os pugilistas em busca de condições melhores se tornando um ativista social. Desde então afirma sofrer represálias.

“Os boxeadores devem ter uma obra social e estudar, o que não acontece muito na Argentina. Fazer exames médicos custam caro e muitos hospitais públicos não há médicos ou a máquina de encefalograma está quebrada”, aponta Velazco. O mesmo explica que seus colegas são suscetíveis a serem prejudicados por empresários e dirigentes mal intencionados e quando vão lutar no exterior muitas vezes não sabem o quanto ganham de fato e muito da bolsa fica na mão de agenciadores. “A necessidade a qual vivemos nos submete a esses pagamentos sem reclamar”, explica o ativista. Para Velazco a maior união dos pugilistas pode mudar esta realidade.

Bibliografia

“Após morte de pugilista, confederação e Liga Paulista se desentendem” do site G1 por Leonardo Velasco - http://globoesporte.globo.com/lutas/noticia/2010/10/apos-morte-de-pugilista-confederacao-e-liga-paulista-se-desentendem.html

“Regra Some em Morte no Ringue” do site da Folha de S. Paulo por Eduardo Ohata - http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk0910201032.htm

Cartel do boxeador Jefferson Gonçalo no site Boxrec - http://boxrec.com/list_bouts.php?human_id=251770&cat=boxer

Foto: ligadeboxe.com.br

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