Faltavam alguns minutos para o início da peleja, enquanto escovava os dentes uma tola dúvida martelava na mente inquieta de Adalberto

Faltavam alguns minutos para o início da peleja, enquanto escovava os dentes uma tola dúvida martelava na mente inquieta de Adalberto

Faltavam alguns minutos para o início da peleja, enquanto escovava os dentes uma tola dúvida martelava na mente inquieta de Adalberto, dormir mais cedo para sentir-se revigorado na manhã posterior em um proveitoso dia de trabalho ou assistir alguma partida na rodada que marcara o reinicio do fúnebre brasileirão. Sem porque aparente ou maiores reflexões que respaldassem uma decisão convicta, talvez por força do hábito, resolveu se acomodar amuado no sofá e escolher algum canal que passasse um jogo qualquer. Movido pelo irritante atavismo masculino, mudava de canal incessantemente, nada suficientemente agradável aos seus olhos para apagar da memória as péssimas impressões que o futebol brasileiro, há tempos, lhe causa; “a Copa do mundo foi só o corolário compressor do longo e tenebroso inverso que mingua nosso futebol”, disse ele a sua esposa.

Subitamente, como uma tartaruga aligátor que utiliza um apêndice curioso preso à língua (similar a uma minhoca), para atrair e abocanhar pequenos peixes, o amarelo gema da camisa e a fisionomia primitiva de um estádio que não segue padrão algum, mas perdura misticamente em simbiose com seu sofrido torcedor, foram o combustível inesperado ao gerar um novo sopro na faísca já tão raquítica que mantinha acesa em Adalberto a paixão pelo futebol brasileiro. A estrambólica camisa do Criciúma e a aparência amadora do Heriberto Hulse o engoliram, irromperam suas retinas e injetaram complacência diante a assombrosa indigência técnica e tática que testemunhara há anos em solo tupiniquim e que era replicada na partida entre Criciúma e o tricolor das laranjeiras. A feiura estética daquele ambiente e do espetáculo (o jogo em si) o forçou a imergir em outras esferas experimentais, indubitavelmente menos nobres e diplomáticas, de apreciação.

O futebol é a expiação dos nossos nojos, transgressões, é a sacudidela na modelo esbelta, ao dizer: “sua beleza é constatação sem graça que querubins nada me dizem”. O futebol é a confissão velada de que a vida não basta, e nem a arte é capaz de suprir as lacunas impreenchíveis pela experiência fenomenológica, existe um pedacinho em nossa alma que almeja a batalha, a vitória glorificada pelo sangue, o gol feito pelo zagueiro robusto e horroroso de nariz fraturado; arquétipo mais palpável da batalha artificial forjada em Hollywood, que tanto nos entretêm. Criciúma e Fluminense decantou o instinto que perdemos a capacidade de domá-lo, não sei quando e nem certeza do porquê, tornamo-nos escravos do eco inculto que sussurra: “há de ser valente, triunfar a qualquer custo...”. Adalberto, um homem de postura sofisticada e preferências que costumam resvalar na erudição, arrefeceu seu crivo civilizatório, voltou às cavernas, tornou-se Homem como um guerreiro asteca que idealizava nos livros. Nascia o futebol brasileiro como nossos filhos conhecem, morria o ludopédio de seu pai.

É um costume sabático de seu Adalberto passear no remodelado Campus da Universidade onde fez-se bacharel, no último fim de semana enquanto jogava xadrez com seus ex-colegas, hoje aposentados, defendia seu novo prisma diante a boquiaberta plateia: “O afrescalhamento existencial, que resulta ou é resultado do mundo pós-moderno, asfixiou essa fúria fálica que a rudeza do esporte bretão desperta em seus asseclas. Confessar em alto e bom tom que sentimos um resquício de inveja do macho escocês que assiste, in loco, Kilmarnock e Hibernian, é algo impensável no presente tempo. Mal de uma geração “Playstation e Bono Vox” que muito conhece de estatísticas de futebol e eufemismos, mas pouco ou nada entende da natureza humana”. Esse é o Senhor Adalberto, Adalberto atualizou-se. Adalberto idiotou-se?

Foto: UOL

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