Futebol moderno barra o povão dos estádios e proíbe tudo, até mesmo treino aberto no mesmo horário com a presença dos torcedores

Futebol moderno barra o povão dos estádios e proíbe tudo, até mesmo treino aberto no mesmo horário com a presença dos torcedores

Fui torcedor. E dos bons. Nunca briguei. Nunca xinguei ninguém de graça. Ah, o juiz, sim, xinguei muito, afinal quem frequentou arquibancada e nunca mandou a mãe do homem de preto para aquele lugar que atire a primeira pedra? Torci pra caramba: chorei, vibrei e sofri...

O futebol que vive e convivi me representava, talvez por isso não consiga me desprender das recordações. Tinha ingresso de papel, comprado na hora, e tinha também o famoso pão com linguiça. Os duelos tinham fogos e bandeiras tremulando, além do Fiori Gigliotti gritando “é fogo, é gol...” em meus ouvidos, no radinho de pilha de capa marrom, herdado de meu avô materno.

Pergunto: Como não se apaixonar?

Meu pai me deixava próximo ao estádio. O caminho restante eu cumpria à pé,  num ritual maravilhoso. Ouvir de longe o batuque da torcida era algo especial. E o aroma das barracas da calabresa e de pernil era algo torturante.

Fosse o jogo no Morumbi ou Pacaembu, a chegada caminhando fazia parte do domingo. Era na raça. Na ansiedade em grau máximo. A volta acontecia muitas vezes sorrindo, mas na maioria das vezes, admito, retornava triste, reclamando, prometendo parar com tudo... Mas como parar?

Costumo dizer com convicção de que o jornalismo me salvou, caso contrário seria hoje um cara que viveria da arquibancada, tamanha paixão que carregava no corpo e na alma. Coisa de louco mesmo, de sofrer e fazer sofrer o corpo, que doía ao final do jogo como se estivesse entrado em campo e jogado os 90 minutos. Torcer não era fácil...

A solidariedade era também enorme nos dias dos jogos. Quando me dirigia à bilheteria, levava o dinheiro contado do ingresso. Mas no bolso sempre tinha uma moeda de um real reservada para o cara que estaria ali na fila, pedindo uma força para comprar o seu bilhete. O real para ajudar o outro apaixonado era sagrado, pura parceria em nome do time, da força das arquibancadas.

Antes de entrar ao estádio, as barracas estavam no roteiro. Os olhos espichados na chapa que torrava a linguiça e o pernil, com a fumaça embriagadora subindo, sempre rendia a famosa frase: “E aí, alemão, vai um?”

Não precisava perguntar duas vezes. Era um lanche antes e um depois do jogo, antes de encarar a volta à pé.

Na minha época era liberado rádio de pilha, hoje não pode mais. O jogo tinha bandeiras, hoje não mais. Os clássicos eram num Morumbi “rachado” ao meio, com ambas as torcidas presentes. Hoje não pode nem treino no mesmo horário com o povão presente.

Na minha época tinha briga, sim, mas a intolerância era bem menor. Na minha época, o futebol era do povo, era do mestre Telê Santana rabugento à beira do gramado e do doutor Sócrates desfilando seu calcanhar toda a quarta e domingo, além do Galinho de Quintino decidindo no Maraca para a felicidade dos geraldinos. Quantas saudades...

 

 

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Foto: UOL

 

SOBRE O COLUNISTA

Paulistano com muito orgulho, Salgueiro, como é conhecido, é pisciano, jornalista diplomado, repórter fuçador, irriquieto e um cidadão inconformado. Engatinhou na profissão na Rádio CBN, onde aprendeu muito no rastreio das informações. Depois seguiu para a imprensa escrita, no DIÁRIO POPULAR, que virou mais tarde DIÁRIO DE SÃO PAULO, permanecendo por lá 14 anos. Nos últimos anos colaborou com v&a... Saiba Mais

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