Uma multidão de 140 mil gritava em uníssono nas arquibancadas do Maracanã: “Fica! Fica!”

Uma multidão de 140 mil gritava em uníssono nas arquibancadas do Maracanã: “Fica! Fica!”

Uma multidão de 140 mil gritava em uníssono nas arquibancadas do Maracanã: “Fica! Fica!”. Era a representação oral do apelo do resto da nação, que não queria ver encerrada a participação do rei Pelé na seleção brasileira. Era 18 de julho de 1971.

Pelé havia comandado um ano antes a mais épica conquista do futebol brasileiro em campos mexicanos, fazendo do Brasil o único país tricampeão da Copa do Mundo, um feito iniciado em 1958 quando ele, ainda menino, desabrochou para a eterna glória.

Aquele jogo morno no Rio de Janeiro, num pífio empate de 2 x 2 com a Iugoslávia, seria a última vez que o maior craque da história vestia a camisa canarinho. Era a certeza de que estaria fora da próxima copa, em 1974, disputada em território alemão.

Não foi apenas a despedida de Pelé. Foi também o fim de uma supremacia que ele, Pelé, estabeleceu a partir de 1957 encerrando a freguesia do nosso futebol para os vizinhos uruguaios e argentinos. Antes dele, jogar contra Argentina e Uruguai era um tormento.

O despertar do gênio teve tudo a ver com o clima criativo e de originalidade que vivia o Brasil naquele 1957. Enquanto Pelé cumpria o sonho de ser o novo Zizinho e ganhava a Copa Rocca, jovens talentos se reuniam no Rio de Janeiro e criavam a Bossa Nova.

Aí vieram as conquistas seguidas das copas de 1958 e 1962, com o reinado de Pelé se estendendo pelo mundo como versão lúdica de antigos impérios romanos. Depois, um tropeço de percurso em Liverpool, berço de quatro rapazes que enfeitiçavam o planeta.

Após o fracasso da seleção brasileira em 1966, veio a copa que seria a apoteose do monarca do futebol. Uma campanha impecável no aspecto técnico e implacável no confronto com os adversários. Foram seis jogos, seis vitórias e a taça definitiva.

Enquanto existiu Pelé vestindo uma camisa amarela, o futebol brasileiro foi absoluto e ninguém jamais ousou questionar. Gosto sempre de repetir o Juca Kfouri: Pelé foi tão imenso, que gerou a falsa verdade de que o povo brasileiro é apaixonado por futebol.

Infelizmente, não é. Não somos. Sequer nos aproximamos em fanatismo ludopédico dos ingleses, dos alemães, dos argentinos, dos mexicanos, dos uruguaios, dos espanhóis. Atualmente, até as ligas dos EUA e da Rússia têm maiores médias de público.

Somente os pachecos, em seu devaneio patriótico ignorante, confunde a glória do passado – chavão do nosso Hino – com a farsa do presente. O discurso histérico do pentacampeonato como prova de supremacia é uma retórica, um embusteiro consolo.

O futebol nacional mandou no mundo entre 1958 e 1971, durante o reinado de Pelé, único a disputar quatro copas e ganhar três. Teria nos dado o ainda inédito ouro olímpico se na sua época o COI aceitasse inscrição de atletas profissionais.

Desde que ele parou, naquele dia histórico e triste do Maracanã, o que temos de concreto é uma seleção de altos e baixos, que conseguiu, a duras penas e jogo mole, ganhar duas copas, o que não significa qualquer superioridade sobre o resto do mundo.

Na era pós-Pelé, por exemplo, a Alemanha conquistou três copas da FIFA, a mais recente com requintes de humilhação sobre o Brasil. E a Argentina faturou duas copas, um vice em pleno Maracanã e ainda se tornou bicampeã olímpica como o Uruguai.

No plano dos clubes, nosso futebol nunca foi superior. Mesmo na época do mítico Santos de Pelé, times como o Peñarol, Inter de Milão e Real Madrid tiveram as mesmas performances internacionais. Já a Libertadores é dominada por argentinos e uruguaios.

Encantamos o planeta com o talento da geração de Pelé, que jogava como uma orquestra regida por sua maestria. Era o futebol afinado da Bossa Nova, que foi substituída ao longo do tempo pela breguice do sertanejo, do axé, do funk e do forró ostentação.

Pelé, Didi, Garrincha, Gerson e Tostão, ícones das três copas, atuavam enquanto ouvíamos Tom Jobim, Nara, Elis, Caetano. Agora, Neymar expele lampejos de talento enquanto uma geração ignara ouve Thiaguinho, Anitta, Gaby Amarantos, Luan Santana e Claudia Leite. A bola furou. (AM)

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Foto: Arquivo pessoal do colunista

SOBRE O COLUNISTA

Jornalista, editor da coluna Portfolio em "O Jornal de Hoje" e dos sites alexmedeiros.com, Sanatoriodaimprensa e RN Notícias, tem 3 livros publicados.

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