Biografia

Terceiro Tempo

Por Adonis Alonso
Convidado para assumir a vaga do Show de Rádio, tremeu e ficou uma semana sem dormir. Não sabia que aquilo iria mudar a sua vida.


NILSON CÉSAR, FLÁVIO PRADO, MILTON NEVES, WANDERLEY NOGUEIRA E GUEDES

Até 78 o Plantão sofria discriminação nas emissoras de rádio. Para se ter uma idéia, no Jornal de Esportes, programa criado em 75, Milton Neves só foi autorizado a entrar quando faltava alguém, e assim mesmo apenas para ler o placar. Era proibido de fazer perguntas.
Milton foi quebrando barreiras com sua humildade e perseverança. Muitas vezes escrevia a pergunta que queria fazer num pedaço de papel e ficava dependendo da autorização de Cândido Garcia, diretor do programa, para fazê-la, no ar.

Mas como dizíamos, 78 foi o ano de redenção do Plantão. A Pan criou o Plantão do Domingo, das 10 às 15 horas, sob o comando de José Nello Marques. O horário virou nobre, com um grande nome no comando. Num domingo em que seria "estepe" do Zé Nello, Milton Neves começou a ganhar definitivamente o seu lugar.

Antônio Augusto Amaral de Carvalho, o Tuta, diretor da rádio, e pai profissional de Milton Neves, gostou muito do estilo de Milton. Induziu Fernando Vieira de Melo a pedir opiniões dos colegas. A de Narciso James foi definitiva: "José Nello Marques é muito bom, mas Milton Neves é melhor".

"Até 78 o plantão ainda era discriminado. Pra fazer pergunta eu tinha que escrever num papel e ficar esperando autorização do Cândido Garcia."

Por tudo isso é que em 82, quando a Pan sofreu um "abalo sísmico" com a saída inesperada do Show de Rádio, que no meio da Copa da Espanha transferiu-se para a Bandeirantes, Milton Neves era a solução natural para todo mundo na rádio, menos para ele mesmo.

Com dez anos de casa, a vida melhorando, apartamento próprio, mesmo que financiado, Milton Neves seguia tranqüilo. Tinha casado em 78 com a dentista Lenice, a namorada de Muzambinho que um dia havia lhe largado por falta de perspectiva, e trabalhava no que gostava. Prá que mais?
Tuta o chamou em sua sala e determinou: "para agradar os anunciantes que reclamam da saída do Show de Rádio, e o público carente de um complemento da transmissão esportiva, vamos fazer o Terceiro Tempo. Muita entrevista, reprise de gol, jogadores ao vivo. Você vai comandar".
Milton tremeu, e quis recusar. Alegava não ter condições de fazer aquilo sozinho, era muita responsabilidade. Tuta não aceitou qualquer tipo de argumento. Dobrou seu salário, dispensou-o do noticiário do trânsito e marcou a data de estréia do programa.

Milton ficou uma semana sem dormir, pensando nas palavras de Tuta, e ainda tinha algumas resistências. Randal Juliano, por exemplo, comentarista de renome, tentou recusar-se a responder "perguntinha de plantãozinho". Por ordem de Tuta, ele e todos os outros integrantes da equipe responderam. Mas Milton Neves guarda ótima lembrança de Randal Jiuliano. "Ele e Orlando Duarte me deram bons conselhos".

ZENON (À ESQUERDA): COMEMORANDO O GOL DO CORINTHIANS NO MESMO DIA DO NASCIMENTO DO SEU PRIMEIRO FILHO

0 3° Tempo foi entrando na intimidade dos jogadores e dos ouvintes. Num jogo do Corinthians, o escuta da Pan Luiz Carlos Abib conseguiu, em Campinas, por telefone, o choro do bebê Adnã, primeiro filho do jogador Zenon. No ar, Milton Neves deu a notícia do nascimento e pôs a voz do bebê. Debaixo do chuveiro, Zenon misturou com a água uma cachoeira de lágrimas.

José Italiano, o "Garganta de Aço", já falecido, profetizou que o 3° Tempo seria o maior sucesso do rádio esportivo brasileiro e Milton Neves a primeira grande estrela como âncora esportivo. Mauro Pinheiro, também dizia o mesmo.

Com seu jeitão manso, Milton sabe que polêmica dá audiência. Várias vezes colocou adversários na escuta, simultaneamente. Zagallo, entrevistado por Candido Garcia, e Carlos Alberto Torres, com Wanderley Nogueira, entraram numa discussão ao vivo, provocada por Milton Neves, que trouxe junto com os comentários do público, muitos pontos no Ibope. Foi numa pergunta feita numa quarta-feira à noite, Pacaembu em 1985: Corinthians 1 x 1 Flamengo.

"O Randal Juliano se rebelou e disse que não ia responder perguntinha de plantãozinho. Por ordem do Tuta, ele e os outros tiveram que responder."

MESTRE DE CERIMÔNIAS

Novembro de 1993, The Gallery, São Paulo. Prêmio Colunistas Promoção, o mais importante do mercado publicitário. Mestre de cerimônias: Milton Neves. Março de 1971, uma festa de formatura em Muzambinho. Mestre de cerimônia: Milton Neves. A diferença, é que 30 anos antes, a apresentação de eventos era o único ganha-pão de um jovem reprovado no vestibular de Odontologia e nos concursos do Banco do Brasil e da Petrobrás em Campinas. Hoje, ele seleciona os convites recebidos e comanda com sua grife algumas das festas mais importantes do país.